Dizer o Direito

segunda-feira, 6 de julho de 2015

É válido o julgamento parcial antecipado de mérito? (ATUALIZADO)


Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de indenização contra determinada empresa pedindo a condenação da ré ao pagamento de R$ 100 mil a título de danos emergentes e R$ 200 mil por lucros cessantes.
A empresa apresentou contestação e pediu a realização de perícia para aferir se realmente houve lucros cessantes e qual seria o seu valor exato. Não foi pedida a realização de instrução probatória no que tange aos danos emergentes.

Sentença parcial de mérito
O juiz, entendendo que era hipótese de prolação de sentença parcial de mérito, com base no princípio da celeridade, cindiu o feito e, em julgamento antecipado, julgou procedente o pedido para condenar a empresa a pagar o valor dos danos emergentes (R$ 100 mil).
Todavia, como havia a necessidade de instrução probatória (produção de prova pericial) para aferir os lucros cessantes, ele determinou o prosseguimento do feito quanto a esse pedido remanescente.
A empresa apresentou apelação contra a decisão afirmando que o juiz, ao agir assim, prolatou julgamento parcial de mérito e que essa prática não é permitida em nosso sistema processual, razão pela qual a decisão deveria ser declarada nula sendo proferido novo julgamento único.

Agiu corretamente o juiz? É válido o julgamento antecipado parcial de mérito?
No CPC 1973: NÃO
No CPC 2015: SIM

NÃO é permitido o julgamento parcial de mérito.

O CPC 1973 adotou a teoria da unidade estrutural da sentença segundo a qual não é possível existir mais de uma sentença no mesmo processo ou na mesma fase processual de conhecimento ou de liquidação.

Nas palavras do STJ, não se admite a resolução definitiva fracionada da causa mediante prolação de sentenças parciais de mérito (REsp 1.281.978-RS, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/5/2015).


É permitido o julgamento parcial de mérito.

O CPC 2015 introduziu no sistema processual civil brasileiro a permissão para que o juiz profira julgamento parcial de mérito. Confira o texto legal:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso;
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.


Obs1: vários doutrinadores de peso defendem que, mesmo no CPC 1973, a decisão parcial de mérito já seria admitida com base no art. 273, § 6º. Eles sustentem que o § 6º do art. 273 do CPC não é, propriamente, tutela antecipada, mas sim uma hipótese de julgamento antecipado parcial da lide. Nesse sentido: Fredie Didier Júnior, Cássio Scarpinella Bueno, Daniel Mitidiero, Leonardo José Carneiro da Cunha e Joel Dias Figueira Júnior. Essa corrente, contudo, não foi adotada pelo STJ. Para a Corte, a decisão a que se refere o § 6º do art. 273 do CPC, apesar de ser concedida mediante técnica de cognição exauriente, continua sendo, por opção legislativa, uma hipótese de tutela antecipada. Sobre o tema, confira o REsp 1.234.887-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 19/9/2013, explicado no Info 532. Desse modo, a mudança do CPC possui sim importantes reflexos práticos.

Obs2: se o juiz proferiu julgamento parcial de mérito na vigência do CPC 1973, tal decisão é equivocada e deverá ser anulada, ainda que analisada após a entrada em vigor do CPC 2015. A entrada em vigor do novo CPC não convalida a decisão parcial de mérito eventualmente prolatada no sistema anterior. Isso porque incide o princípio do tempus regit actum.

Julgamento Antecipado Parcial do Mérito no novo CPC
No novo CPC, a decisão que julga parcialmente o mérito, nos termos do art. 356, é classificada como decisão interlocutória ou sentença?
Decisão interlocutória. Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito.

Qual é o recurso cabível contra a decisão que julga antecipado parte do mérito?
A decisão proferida com base no art. 356 é impugnável por agravo de instrumento (§ 5º).

Obrigação líquida ou ilíquida
A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida (§ 1º do art. 356).

Obrigação líquida
Se a obrigação definida for líquida, a parte poderá iniciar, desde logo, a execução dessa decisão, independentemente de caução, ainda que haja recurso pendente (§ 2º do art. 356).
Se ainda não houver trânsito em julgado, a execução será provisória.
Se já houve trânsito em julgado, a execução será definitiva (§ 3º do art. 356).

Obrigação ilíquida
Se a obrigação definida for ilíquida, a parte precisará primeiro iniciar a fase de liquidação. Para fazer a liquidação a parte também não precisa apresentar caução e também não precisa esperar o julgamento de recurso que tenha sido interposto (§ 2º do art. 356).

Autos suplementares

A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz (§ 4º do art. 356).


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