Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada esta semana mais uma importante novidade
legislativa.
Trata-se da Lei n.°
13.142/2015, que altera o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos.
Vamos ver o que mudou:
PRIMEIRO PONTO IMPORTANTE
1) O homicídio cometido contra integrantes
dos órgãos de segurança pública (ou contra seus familiares) passa a ser
considerado como homicídio qualificado, se o delito tiver relação com a função
exercida.
A Lei n.° 13.142/2015 acrescentou o inciso
VII ao § 2º do art. 121 do CP prevendo o seguinte:
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a
vinte anos.
(...)
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é
cometido:
(...)
VII – contra autoridade ou
agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do
sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da
função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:
Pena - reclusão, de doze a
trinta anos.
REQUISITO 1: VÍTIMA DO CRIME
Autoridades ou agentes do art.
142 da CF/88
O art. 142 da CF/88 trata sobre
as Forças Armadas (Marinha, Exército ou Aeronáutica).
Autoridades ou agentes do art.
144 da CF/88
O art. 144, por sua vez, elenca
os órgãos que exercem atividades de segurança pública. O caput desse
dispositivo tem a seguinte redação:
Art. 144. A segurança
pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária
federal;
III - polícia ferroviária
federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e
corpos de bombeiros militares.
Situação dos guardas municipais
Como se vê pela redação do caput
do art. 144 da CF/88, não há menção às guardas municipais. Diante disso,
indaga-se: o homicídio praticado contra um guarda municipal no exercício de
suas funções pode ser considerado qualificado, nos termos do inciso VII do § 2º
do art. 121 do CP? Essa nova qualificadora aplica-se também para os guardas
municipais?
SIM. A qualificadora do inciso
VII do § 2º do art. 121 do CP aplica-se em situações envolvendo guardas
municipais. Chega-se a essa conclusão tanto a partir de uma interpretação literal
como teleológica.
O inciso VII fala em “autoridade
ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal”.
Repare que o legislador não
restringiu a aplicação da qualificadora ao caput
do art. 144 da CF/88.
As guardas municipais estão
descritas no art. 144, não em seu caput, mas sim no § 8º, que tem a seguinte
redação:
Art. 144 (...) § 8º Os
Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus
bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
Desse modo, a interpretação
literal do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP não exclui a sua incidência no
caso de guardas municipais. Vale aqui aplicar o vetusto brocardo jurídico “ubi
lex non distinguir nec nos distinguere debemus”, ou seja, “onde a lei não
distingue, não pode o intérprete distinguir”.
Ressalte-se que não se trata de
interpretação extensiva ou ampliativa contra o réu. A lei fala no art. 144 da
CF/88, sem qualquer restrição ou condicionante. O art. 144 é composto não
apenas pelo caput, mas também por parágrafos.
Ao se analisar todo o artigo para cumprir a remissão feita pela lei (e não
apenas o caput) não se está ampliando
nada, mas apenas dando estreita obediência à vontade do legislador.
Além disso, há razões de natureza
teleológica que justificam essa interpretação.
O objetivo do legislador foi o de
proteger os servidores públicos que desempenham atividades de segurança pública
e que, por estarem nessa condição, encontram-se mais expostos a riscos do que
as demais pessoas. Os guardas municipais, por força de lei que deu concretude
ao § 8º do art. 144 da CF/88, estão também incumbidos de inúmeras atividades
relacionadas com a segurança pública. Refiro-me à Lei n.° 13.022/2014 (Estatuto das
Guardas Municipais), que prevê, dentre as competências dos guardas municipais,
a sua atuação em prol da segurança pública das cidades (arts. 3º e 4º da Lei).
Vale ressaltar que essa também é
a posição de Rogério Sanches em excelente artigo sobre o tema, cuja leitura
recomendo: NOVA LEI 13.142/15: Breves
comentários. Disponível em: http://www.portalcarreirajuridica.com.br/noticias/nova-lei-13-142-15-breves-comentarios-por-rogerio-sanches-cunha
Agentes de segurança viária
O mesmo raciocínio acima penso
que pode ser aplicado para os agentes de segurança viária, disciplinados no §
10 do art. 144 da CF/88:
§ 10. A segurança viária,
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
seu patrimônio nas vias públicas:
I - compreende a educação,
engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em
lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e
II - compete, no âmbito
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou
entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na
forma da lei.
Servidores aposentados
Não estão abrangidos pelo inciso
VII do § 2º do art. 121 do CP os servidores aposentados dos órgãos de segurança
pública, considerando que, para haver essa inclusão, o legislador teria que ter
sido expresso já que, em regra, com a aposentadoria o ocupante do cargo deixa
de ser autoridade, agente ou integrante do órgão público.
Familiares das autoridades,
agentes e integrantes dos órgãos de segurança pública
Também será qualificado o
homicídio praticado contra cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º
grau das autoridades, agentes e integrantes dos órgãos de segurança pública.
Quando se fala em cônjuge ou
companheiro, isso inclui, tanto relacionamentos heteroafetivos como
homoafetivos. Assim, matar um companheiro homoafetivo do policial, em
retaliação por sua atuação funcional, é homicídio qualificado, nos termos do
art. 121, § 2º, VII, do CP.
A expressão “parentes
consanguíneos até 3º grau” abrange:
• Ascendentes (pais, avós,
bisavós);
• Descendentes (filhos, netos,
bisnetos);
• Colaterais até o 3º grau
(irmãos, tios e sobrinhos).
Parentes por afinidade estão fora
Não estão abrangidos os parentes
por afinidade, ou seja, aqueles que a pessoa adquire em decorrência do
casamento ou união estável, como cunhados, sogros, genros, noras etc. Assim, se
o traficante mata a sogra do Delegado que o investigou não cometerá o homicídio
qualificado do art. 121, § 2º, VII, do CP. A depender do caso concreto, poderá ser
enquadrado como motivo torpe (art. 121, § 2º, I, do CP).
Resumindo as vítimas que estão
abrangidas pela nova qualificadora:
O homicídio será QUALIFICADO se
for cometido contra as seguintes vítimas:
AUTORIDADE, AGENTE OU
INTEGRANTE da(o) (s):
• Forças Armadas (Marinha,
Exército ou Aeronáutica);
• Polícia Federal;
• Polícia Rodoviária
Federal;
• Polícia Ferroviária
Federal;
• Polícias Civis;
• Polícias Militares;
• Corpos de Bombeiros Militares;
• Guardas Municipais*;
• Agentes de segurança viária*;
• Agentes de segurança viária*;
• Sistema Prisional
(agentes, diretores de presídio, carcereiro etc.);
• Força Nacional de
Segurança Pública.
OU
CÔNJUGE, COMPANHEIRO ou
PARENTE consanguíneo até 3º grau de algumas das pessoas acima listadas.
REQUISITO 2: RELAÇÃO COM A FUNÇÃO
Não basta que o crime tenha sido
cometido contra as pessoas acima listadas. É indispensável que o homicídio
esteja relacionado com a função pública desempenhada pelo integrante do órgão
de segurança pública.
Assim, três situações justificam
a incidência da qualificadora:
• O indivíduo foi vítima do
homicídio no exercício da função.
Ex: PM que, ao fazer a ronda no bairro, é executado por um bandido.
• O indivíduo foi vítima do
homicídio em decorrência de sua função.
Ex: Delegado de Polícia é morto pelo
bandido como vingança por ter prendido a quadrilha que ele chefiava.
• O familiar da autoridade ou
agente foi vítima do homicídio em razão dessa condição de familiar de
integrante de um órgão de segurança pública.
Ex: filho de Delegado de Polícia
Federal é morto por organização criminosa como retaliação por ter conduzido operação
policial que apreendeu enorme quantidade de droga.
De outro lado, não haverá a
qualificadora do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP se o crime foi praticado
contra um agente de segurança pública (ou contra seus familiares), mas este
homicídio não tiver qualquer relação com sua função.
Ex: policial civil, em seu
período de folga, está em uma boate e paquera determinada moça que ele não viu
estar acompanhada. O namorado da garota, com ciúmes, saca uma arma e dispara
tiro contra o policial. Não haverá a qualificadora do inciso VII, mas o crime,
a depender do conjunto probatório, poderá ser qualificado com base no motivo fútil
(inciso II).
Em suma, a novel qualificadora
não protege a pessoa do militar, do policial, do delegado etc. A nova
qualificadora tutela a FUNÇÃO desempenhada por esses indivíduos. Esse é o bem
jurídico protegido.
OUTRAS OBSERVAÇÕES
Tentado ou consumado
Incidirá a qualificadora tanto
nos casos de homicídio tentado, como consumado.
Elemento subjetivo
É indispensável que o homicida
saiba (tenha consciência) da função pública desempenhada e queira cometer o
crime contra o agente que está em seu exercício ou em razão dela ou ainda que
queira praticar o delito contra o seu familiar em decorrência dessa atividade.
Ex: João, membro de uma
organização criminosa, está “jurado de morte” pela organização criminosa rival
e, por isso, anda sempre armado e atento. João não sabia que estava sendo investigado
pela Polícia Federal, inclusive sendo acompanhado por dois agentes da PF à
paisana. Determinado dia, ao perceber que estava sendo seguido, João, pensando
se tratar dos membros da organização rival, mata os dois policiais. Não
incidirá a qualificadora do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP porque ele não
tinha dolo de matar especificamente os policiais no exercício de suas funções.
A depender do conjunto probatório, João poderá, em tese, responder por
homicídio qualificado com base no motivo torpe (inciso I), desde que não fique
caracterizada a legítima defesa putativa.
Natureza da qualificadora
A qualificadora do inciso VII é
de natureza subjetiva, ou seja, está relacionada com a esfera interna do agente
(ele mata a vítima no exercício da função, em decorrência dela ou em razão da
condição de familiar do agente de segurança pública).
Ademais, não se trata de
qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o meio ou modo de execução.
Por ser qualificadora subjetiva,
em caso de concurso de pessoas, essa qualificadora não se comunica aos demais
coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma motivação. Ex:
João, por vingança, deseja matar o Delegado que lhe investigou e, para tanto,
contrata o pistoleiro profissional Pedro, que não se importa com os motivos do
mandante, já que seu intuito é apenas lucrar com a execução; João responderá
por homicídio qualificado do art. 121, § 2º, VII e Pedro por homicídio
qualificado mediante paga (art. 121, § 2º, I); a qualificadora do inciso VII
não se estende ao executor, por força do art. 30 do CP:
Art. 30. Não se comunicam
as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares
do crime.
Impossibilidade de a
qualificadora do inciso VII ser conjugada com o privilégio do § 1º :
O § 1º do art. 121 do CP prevê a
figura do homicídio privilegiado nos seguintes termos:
§ 1º Se o agente comete o
crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio
de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz
pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
A jurisprudência até admite a
existência de homicídio privilegiado-qualificado. No entanto, para isso, é
necessário que a qualificadora seja de natureza objetiva. No caso do novo
inciso VII a qualificadora é subjetiva. Logo, não é possível que seja conjugada
com o § 1º.
Quadro-resumo:
NOVA QUALIFICADORA DO HOMICÍDIO
O homicídio será
QUALIFICADO
se tiver sido
cometido contra...
|
Requisito 1:
Condição da vítima
|
Requisito 2:
Relação com a função
|
1) autoridade, agente ou integrante da(o)(s):
• Forças Armadas;
• Polícia Federal;
• Polícia Rodoviária Federal;
• Polícia Ferroviária Federal;
• Polícias Civis;
• Polícias Militares;
• Corpos de Bombeiros
Militares;
• Guardas Municipais*;
• Agentes de segurança viária*;
• Sistema Prisional
• Força Nacional de Segurança
Pública.
|
...desde que o homicídio tenha
sido praticado no exercício das funções ao lado listadas ou em decorrência
dela.
|
|
2) cônjuge, companheiro ou
parente consanguíneo até 3º grau de algumas das pessoas acima listadas.
|
SEGUNDO PONTO IMPORTANTE
2) A pena da LESÃO CORPORAL será aumentada
de 1/3 a 2/3 se essa lesão tiver sido praticada contra integrantes dos órgãos
de segurança pública (ou contra seus familiares), desde que o delito tenha relação
com a função exercida.
A Lei n.° 13.142/2015 acrescentou o § 12 ao
art. 129 do CP, prevendo o seguinte:
Art. 129. Ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três
meses a um ano.
(...)
Aumento de pena
(...)
§ 12. Se a lesão for
praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa
condição, a pena é aumentada de um a dois terços.
Para quais espécies de lesão
corporal se aplica o novo § 12?
A causa de aumento prevista no
novo § 12 do art. 129 do CP aplica-se para todas as espécies de lesão corporal
DOLOSA, incluindo:
• Lesão corporal leve (art. 129,
caput);
• Lesão corporal grave (art. 129,
§ 1º);
• Lesão corporal gravíssima (art.
129, § 2º);
• Lesão corporal seguida de morte
(art. 129, § 3º).
Fica de fora, portanto, a lesão
corporal culposa (art. 129, § 6º do CP).
Valem as mesmas observações sobre
o homicídio qualificado
Para que incida essa causa de
aumento, serão necessários também dois requisitos:
• Requisito 1: lesão corporal
contra integrantes dos órgãos de segurança pública ou contra seus familiares.
• Requisito 2: o delito deve ter
relação com a função desempenhada.
Quadro-resumo:
NOVA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DA LESÃO
CORPORAL
A pena da
LESÃO CORPORAL
será aumentada de
1/3 a 2/3 se ela tiver sido praticada contra...
|
Requisito 1:
Condição da vítima
|
Requisito 2:
Relação com a função
|
1) autoridade, agente ou integrante da(o)(s):
• Forças Armadas;
• Polícia Federal;
• Polícia Rodoviária Federal;
• Polícia Ferroviária Federal;
• Polícias Civis;
• Polícias Militares;
• Corpos de Bombeiros
Militares;
• Guardas Municipais*;
• Agentes de segurança viária*;
• Sistema Prisional
• Força Nacional de Segurança
Pública.
|
...desde que o crime tenha sido
praticado contra a pessoa no exercício das funções ao lado listadas ou em
decorrência dela.
|
|
2) cônjuge, companheiro ou
parente consanguíneo até 3º grau de algumas das pessoas acima listadas.
|
TERCEIRO PONTO IMPORTANTE
3) Foram previstos como crimes hediondos:
• Lesão corporal dolosa gravíssima (art.
129, § 2º)
• Lesão corporal seguida de morte (art. 129,
§ 3º)
• Homicídio qualificado
... praticados contra integrantes dos
órgãos de segurança pública (ou contra seus familiares), se o delito tiver
relação com a função exercida.
A Lei n.° 13142/2015 alterou a Lei de
Crimes Hediondos (Lei n.°
8.072/90), que passa a ter a seguinte redação:
Art. 1º (...)
I – homicídio (art. 121),
quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido
por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III,
IV, V, VI e VII);
I-A
– lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão
corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade
ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do
sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da
função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
Resumindo a mudança:
NOVOS DELITOS CONSIDERADOS COMO CRIMES HEDIONDOS
São crimes
hediondos:
1) Lesão corporal
dolosa gravíssima (art. 129, § 2º)
2) Lesão corporal
seguida de morte (art. 129, § 3º)
3) Homicídio
... praticados
contra...
|
Requisito 1:
Condição da vítima
|
Requisito 2:
Relação com a função
|
1) autoridade, agente ou
integrante da (s):
• Forças Armadas;
• Polícia Federal;
• Polícia Rodoviária Federal;
• Polícia Ferroviária Federal;
• Polícias Civis;
• Polícias Militares;
• Corpos de Bombeiros
Militares;
• Guardas Municipais*;
• Agentes de segurança viária*;
• Sistema Prisional
• Força Nacional de Segurança
Pública.
|
...desde que o crime tenha sido
praticado contra a pessoa no exercício das funções ao lado listadas ou em
decorrência dela.
|
|
2) cônjuge, companheiro ou
parente consanguíneo até 3º grau de algumas das pessoas acima listadas.
|