O art. 273, § 1º-B do Código
Penal estabelece o seguinte:
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações
previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária
competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no
inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a
sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária
competente.
Lei 9.677/98
O § 1º-B foi inserido no art. 273
do CP por força da Lei n.°
9.677/98.
O objetivo do legislador foi o de
punir pessoas que vendem determinados “produtos destinados a fins terapêuticos
ou medicinais” e que, embora não se possa dizer que sejam falsificados, estão
em determinadas condições que fazem com que seu uso seja potencialmente
perigoso para a população.
Em simples palavras, o legislador
disse o seguinte: se o produto for vendido nas condições listadas nos incisos
do § 1º-B, a pessoa que vendeu será punida como se ele fosse falsificado. Foi
feita uma presunção de que comercializar produtos terapêuticos ou medicinais
nas condições do § 1º-B é tão perigoso como vender produtos falsificados.
Em que consiste o delito do §
1º-B:
No § 1º-B a lei pune o agente
que:
- vende (formal ou informalmente)
- expõe à venda (quando a polícia
chega no local, o agente não está vendendo, mas o produto está na prateleira,
p. ex.)
- tem em depósito para vender
(quando os fiscais da ANVISA chegam, encontram vários produtos no estoque, p.
ex.)
- distribui (repassa para outras
pessoas)
- ou entrega a consumo (fornece,
ainda que gratuitamente, para alguém usar/consumir)
- produto terapêutico ou
medicinal que se enquadre em um dos incisos do § 1º-B.
Inciso I: produto sem registro no
órgão de vigilância sanitária competente
Existem determinados produtos terapêuticos
ou medicinais que só podem ser comercializados se forem previamente registrados
e aprovados pelos órgãos de vigilância sanitária.
Esse registro é feito na ANVISA
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que é uma autarquia federal, sob
regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde.
Para a configuração do
crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º B, I, não se exige perícia, bastando a
ausência de registro na ANVISA, obrigatório na hipótese de insumos destinados a
fins terapêuticos ou medicinais.
STJ. 5ª Turma. HC
177.972-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012.
Inciso II: produto em desacordo
com a fórmula constante do registro no órgão de vigilância sanitária
Ocorre quando o sujeito vende,
expõe à venda etc. produto que foi registrado na ANVISA, mas a fórmula dele está
diferente daquela que foi registrada.
Inciso III: produto sem as
características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização
A ANVISA possui resoluções nas
quais impõe as características de identidade e qualidade que os produtos terapêuticos
ou medicinais precisam possuir para serem comercializados.
Caso o sujeito venda, exponha à
venda etc. produto que não atenda a essas normas técnicas da ANVISA, ele
responderá por este crime.
Inciso IV: produto com redução de
seu valor terapêutico ou de sua atividade
Em palavras simples, valor
terapêutico de um medicamento é o seu grau de eficácia para aliviar ou curar a
doença apresentada pelo paciente.
Aqui também terão que ser considerados
aspectos técnicos disciplinados pela ANVISA.
Inciso V: produto de procedência
ignorada
Pune-se o agente que vende
produto terapêutico ou medicinal cuja origem se desconhece.
Ex: sujeito que vende um
medicamento importado, mas no rótulo não se informa em qual país foi produzido.
Inciso VI: produto adquirido de
estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente
Os estabelecimentos que produzem produtos
terapêuticos ou medicinais precisam também de registro na ANVISA. Assim, se uma
empresa produz medicamentos fitoterápicos industrializados, por exemplo, ela
precisa estar registrada na ANVISA. Imagine que esta empresa não esteja e que João
compre os produtos e os revenda em sua drogaria. João responderá pelo inciso VI,
e os responsáveis pela empresa pelo inciso I.
Inconstitucionalidade da pena prevista para o § 1º-B
do CP
Como vimos, o § 1º-B foi
acrescentado ao art. 273 pela Lei n.° 9.677/98.
O
legislador determinou que a conduta do § 1º-B fosse sancionada com a mesma pena
do caput do art. 273.
Assim, para o legislador, a
conduta de quem comercializa um produto não necessariamente falsificado, mas nas
condições irregulares do § 1º-B, deve ser punida com uma pena de 10 a 15 anos
de reclusão.
Ocorre que essa pena é muito alta
e, por conta disso, começou a surgir entre os advogados que militam na área a
constante alegação de que essa pena seria inconstitucional por violar o princípio
da proporcionalidade.
A tese foi acolhida pelo STJ? A
pena prevista para o crime do § 1º-B do art. 273 do CP é inconstitucional?
SIM.
A Corte Especial do STJ, ao apreciar um habeas corpus, decidiu que o preceito
secundário do art. 273, § 1º-B, inciso V, do CP é inconstitucional por ofensa
aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Inicialmente,
o STJ relembrou que é possível que o Poder Judiciário realize o controle de
constitucionalidade de leis penais, inclusive daquelas que estabeleçam penas.
Nesse sentido já decidiu o STF:
“(...) mandatos
constitucionais de criminalização [...] impõem ao legislador [...] o dever de
observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como
proibição de proteção insuficiente. A ideia é a de que a intervenção estatal
por meio do Direito Penal, como ultima
ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade [...]
Abre-se, com isso, a possibilidade do controle da constitucionalidade da
atividade legislativa em matéria penal”.
(STF. 2ª Turma. HC 104410,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/03/2012)
Resumo dos principais argumentos pelos
quais a pena do art. 273, § 1º, B, inciso V, viola os princípios
constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade:
• Se for comparado com o crime de
tráfico de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde
pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do preceito secundário do
art. 273, § 1º-B, do CP. O delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006) possui pena de 5 a 15 anos de reclusão, sendo importante lembrar
que existe a possibilidade de aplicação do § 4º do mesmo artigo, que trata da
figura do traficante privilegiado, com a redução da pena em 1/6 a 2/3. Com
isso, em inúmeros casos, o pequeno traficante pode receber a pena de 1 ano e 8
meses, que pode ser convertida em pena restritiva de direitos. O condenado pelo
art. 273, § 1º-B, por sua vez, ainda que receba a pena mínima, seria condenado
a 10 anos de reclusão em regime fechado.
• Comparado com o homicídio, a
pena mínima do art. 273, § 1º-B é maior que três vezes a pena máxima do
homicídio culposo e corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio
doloso simples.
• Além disso, a pena do art. 273,
§ 1º-B é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza
grave, sendo também maior que a reprimenda do estupro, do estupro de
vulnerável, da extorsão mediante sequestro. Tais comparações revelam gritante
desproporcionalidade no sistema penal.
• O delito do art. 273, § 1º-B é
crime de perigo abstrato, ou seja, para a sua consumação não é necessário
provar a ocorrência de efetivo risco. É dispensável que tenha ocorrido dano
concreto à saúde do pretenso usuário do produto. Logo, trata-se de uma reprimenda muito alta
para um crime de perigo abstrato.
• Uma outra demonstração de que o
legislador penal exagerou no momento da fixação da pena está no fato de que a
conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa
e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP acarreta, no âmbito administrativo, uma
mera punição de advertência (arts. 2º, 4º, 8º, IV e 10, IV, Lei 6.437/77).
Em outras palavras, no âmbito administrativo a pena recebida é mínima e no
âmbito penal (que deveria ser a ultima ratio), a reprimenda é altíssima.
Ok, tudo bem. A pena prevista
pelo legislador para o art. 273, § 1º-B foi declarada inconstitucional. Então,
neste caso, qual pena deverá ser aplicada em substituição?
O STJ entendeu que deverá ser
aplicada a pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas (art. 33,
caput, da Lei n.°
11.343/2006), qual seja, “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento
de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”.
Além disso, o STJ entendeu que será
possível aplicar para o réu que praticou o art. 273, § 1º-B do CP a causa de
diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.°
11.343/2006.
Trata-se de analogia in bonam partem (em benefício do réu).
Em suma:
O STJ decidiu que é inconstitucional a pena
(preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP (“reclusão, de 10 (dez) a
15 (quinze) anos, e multa”). Em substituição a ela, deve-se aplicar ao
condenado a pena prevista no caput do art. 33 da Lei n.° 11.343/2006
(Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena
do respectivo § 4º.
STJ. Corte
especial. AI no HC 239.363-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
26/2/2015 (Info 559).
Essa decisão vale apenas para o
inciso V do § 1º-B do art. 273 ou também para os demais incisos?
O caso concreto apreciado pelo
STJ envolvia um habeas corpus impetrado em favor de réu condenado pelo inciso
V. Assim, no dispositivo do acórdão, menciona-se apenas este inciso. No
entanto, pela leitura dos votos dos Ministros, percebe-se que eles trataram do
tema de forma genérica, abrangendo todo o § 1º-B. Logo, minha opinião pessoal é
no sentido de que essa decisão vale para todos os incisos do § 1º-B e que o STJ
irá assim entender quando chegarem outros casos semelhantes.
O que o STF entende a respeito?
O Plenário do STF ainda não se
manifestou sobre o tema. No entanto, existem precedentes do STF em sentido
contrário ao que decidiu o STJ, ou seja, acórdãos sustentando que o § 1º-B do
art. 273 é CONSTITUCIONAL. Confira:
(...) 1. A violação
reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise
de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso
extraordinário.
2. O Poder Judiciário não
detém competência para interferir nas opções feitas pelo Poder Legislativo a
respeito da apenação mais severa daqueles que praticam determinados crimes, sob
pena de afronta ao princípio da separação dos poderes.
3. In casu, o acórdão
extraordinariamente recorrido assentou: "PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO
273, § 1º e § 1º-B, INCISOS V e VI DO CÓDIGO PENAL. TRANSNACIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. AUTORIA E
MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. RECONHECIDO CONCURSO FORMAL."
4. Agravo regimental
DESPROVIDO.
STF. 1ª Turma. RE 829226
AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/02/2015.
(...) Alegação de
inconstitucionalidade do art. 273, § 1º-B do Código Penal. Constitucionalidade
da imputação. Lesão ao bem jurídico saúde pública. Precedentes. 3. Ausência de
argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 4. Agravo regimental a que
se nega provimento.
STF. 2ª Turma. RE 844152
AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 02/12/2014.
Obs: ressalte-se que esses precedentes
não examinaram com profundidade o tema, sendo possível que a discussão seja
reaberta no Plenário do STF quando as primeiras decisões do STJ forem lá
questionadas. Vamos aguardar.
Para fins de concurso, você deve
estar atento para o modo como a pergunta será formulada. Se indagarem a posição
do STJ, é pela inconstitucionalidade. Se perguntarem sobre o STF, este possui
precedentes sustentando que o art. 273, § 1º-B, do CP é constitucional. Caso o
enunciado não diga qual dos dois entendimentos está sendo exigido, assinale a
posição STJ porque esta foi divulgada em Informativo e é mais conhecida.
Apostila sobre o crime do art. 273
do CP
Ficou curioso
para estudar mais sobre o art. 273 do CP e seus parágrafos?
Clique AQUI
para baixar a apostila na qual analiso esse importante tipo penal.