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segunda-feira, 18 de maio de 2015

STJ decide que a pena do crime previsto no art. 273, § 1º-B, V, do CP é INCONSTITUCIONAL


O art. 273, § 1º-B do Código Penal estabelece o seguinte:

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

Lei 9.677/98
O § 1º-B foi inserido no art. 273 do CP por força da Lei n.° 9.677/98.
O objetivo do legislador foi o de punir pessoas que vendem determinados “produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais” e que, embora não se possa dizer que sejam falsificados, estão em determinadas condições que fazem com que seu uso seja potencialmente perigoso para a população.
Em simples palavras, o legislador disse o seguinte: se o produto for vendido nas condições listadas nos incisos do § 1º-B, a pessoa que vendeu será punida como se ele fosse falsificado. Foi feita uma presunção de que comercializar produtos terapêuticos ou medicinais nas condições do § 1º-B é tão perigoso como vender produtos falsificados.

Em que consiste o delito do § 1º-B:
No § 1º-B a lei pune o agente que:
- vende (formal ou informalmente)
- expõe à venda (quando a polícia chega no local, o agente não está vendendo, mas o produto está na prateleira, p. ex.)
- tem em depósito para vender (quando os fiscais da ANVISA chegam, encontram vários produtos no estoque, p. ex.)
- distribui (repassa para outras pessoas)
- ou entrega a consumo (fornece, ainda que gratuitamente, para alguém usar/consumir)
- produto terapêutico ou medicinal que se enquadre em um dos incisos do § 1º-B.

Inciso I: produto sem registro no órgão de vigilância sanitária competente
Existem determinados produtos terapêuticos ou medicinais que só podem ser comercializados se forem previamente registrados e aprovados pelos órgãos de vigilância sanitária.
Esse registro é feito na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que é uma autarquia federal, sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde.

Para a configuração do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º B, I, não se exige perícia, bastando a ausência de registro na ANVISA, obrigatório na hipótese de insumos destinados a fins terapêuticos ou medicinais.
STJ. 5ª Turma. HC 177.972-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012.

Inciso II: produto em desacordo com a fórmula constante do registro no órgão de vigilância sanitária
Ocorre quando o sujeito vende, expõe à venda etc. produto que foi registrado na ANVISA, mas a fórmula dele está diferente daquela que foi registrada.

Inciso III: produto sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização
A ANVISA possui resoluções nas quais impõe as características de identidade e qualidade que os produtos terapêuticos ou medicinais precisam possuir para serem comercializados.
Caso o sujeito venda, exponha à venda etc. produto que não atenda a essas normas técnicas da ANVISA, ele responderá por este crime.

Inciso IV: produto com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade
Em palavras simples, valor terapêutico de um medicamento é o seu grau de eficácia para aliviar ou curar a doença apresentada pelo paciente.
Aqui também terão que ser considerados aspectos técnicos disciplinados pela ANVISA.

Inciso V: produto de procedência ignorada
Pune-se o agente que vende produto terapêutico ou medicinal cuja origem se desconhece.
Ex: sujeito que vende um medicamento importado, mas no rótulo não se informa em qual país foi produzido.

Inciso VI: produto adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente
Os estabelecimentos que produzem produtos terapêuticos ou medicinais precisam também de registro na ANVISA. Assim, se uma empresa produz medicamentos fitoterápicos industrializados, por exemplo, ela precisa estar registrada na ANVISA. Imagine que esta empresa não esteja e que João compre os produtos e os revenda em sua drogaria. João responderá pelo inciso VI, e os responsáveis pela empresa pelo inciso I.


Inconstitucionalidade da pena prevista para o § 1º-B do CP
Como vimos, o § 1º-B foi acrescentado ao art. 273 pela Lei n.° 9.677/98.
O legislador determinou que a conduta do § 1º-B fosse sancionada com a mesma pena do caput do art. 273.
Assim, para o legislador, a conduta de quem comercializa um produto não necessariamente falsificado, mas nas condições irregulares do § 1º-B, deve ser punida com uma pena de 10 a 15 anos de reclusão.
Ocorre que essa pena é muito alta e, por conta disso, começou a surgir entre os advogados que militam na área a constante alegação de que essa pena seria inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade.

A tese foi acolhida pelo STJ? A pena prevista para o crime do § 1º-B do art. 273 do CP é inconstitucional?
SIM. A Corte Especial do STJ, ao apreciar um habeas corpus, decidiu que o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, inciso V, do CP é inconstitucional por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Inicialmente, o STJ relembrou que é possível que o Poder Judiciário realize o controle de constitucionalidade de leis penais, inclusive daquelas que estabeleçam penas. Nesse sentido já decidiu o STF:
“(...) mandatos constitucionais de criminalização [...] impõem ao legislador [...] o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. A ideia é a de que a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade [...] Abre-se, com isso, a possibilidade do controle da constitucionalidade da atividade legislativa em matéria penal”.
(STF. 2ª Turma. HC 104410, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 06/03/2012)

Resumo dos principais argumentos pelos quais a pena do art. 273, § 1º, B, inciso V, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade:

• Se for comparado com o crime de tráfico de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do CP. O delito de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006) possui pena de 5 a 15 anos de reclusão, sendo importante lembrar que existe a possibilidade de aplicação do § 4º do mesmo artigo, que trata da figura do traficante privilegiado, com a redução da pena em 1/6 a 2/3. Com isso, em inúmeros casos, o pequeno traficante pode receber a pena de 1 ano e 8 meses, que pode ser convertida em pena restritiva de direitos. O condenado pelo art. 273, § 1º-B, por sua vez, ainda que receba a pena mínima, seria condenado a 10 anos de reclusão em regime fechado.

• Comparado com o homicídio, a pena mínima do art. 273, § 1º-B é maior que três vezes a pena máxima do homicídio culposo e corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio doloso simples.

• Além disso, a pena do art. 273, § 1º-B é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza grave, sendo também maior que a reprimenda do estupro, do estupro de vulnerável, da extorsão mediante sequestro. Tais comparações revelam gritante desproporcionalidade no sistema penal.

• O delito do art. 273, § 1º-B é crime de perigo abstrato, ou seja, para a sua consumação não é necessário provar a ocorrência de efetivo risco. É dispensável que tenha ocorrido dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto.  Logo, trata-se de uma reprimenda muito alta para um crime de perigo abstrato.

• Uma outra demonstração de que o legislador penal exagerou no momento da fixação da pena está no fato de que a conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP acarreta, no âmbito administrativo, uma mera punição de advertência (arts. 2º, 4º, 8º, IV e 10, IV, Lei 6.437/77). Em outras palavras, no âmbito administrativo a pena recebida é mínima e no âmbito penal (que deveria ser a ultima ratio), a reprimenda é altíssima.


Ok, tudo bem. A pena prevista pelo legislador para o art. 273, § 1º-B foi declarada inconstitucional. Então, neste caso, qual pena deverá ser aplicada em substituição?
O STJ entendeu que deverá ser aplicada a pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n.° 11.343/2006), qual seja, “reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”.
Além disso, o STJ entendeu que será possível aplicar para o réu que praticou o art. 273, § 1º-B do CP a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.° 11.343/2006.
Trata-se de analogia in bonam partem (em benefício do réu).

Em suma:
O STJ decidiu que é inconstitucional a pena (preceito secundário) do art. 273, § 1º-B, V, do CP (“reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”). Em substituição a ela, deve-se aplicar ao condenado a pena prevista no caput do art. 33 da Lei n.° 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º.
STJ. Corte especial. AI no HC 239.363-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/2/2015 (Info 559).

Essa decisão vale apenas para o inciso V do § 1º-B do art. 273 ou também para os demais incisos?
O caso concreto apreciado pelo STJ envolvia um habeas corpus impetrado em favor de réu condenado pelo inciso V. Assim, no dispositivo do acórdão, menciona-se apenas este inciso. No entanto, pela leitura dos votos dos Ministros, percebe-se que eles trataram do tema de forma genérica, abrangendo todo o § 1º-B. Logo, minha opinião pessoal é no sentido de que essa decisão vale para todos os incisos do § 1º-B e que o STJ irá assim entender quando chegarem outros casos semelhantes.

O que o STF entende a respeito?
O Plenário do STF ainda não se manifestou sobre o tema. No entanto, existem precedentes do STF em sentido contrário ao que decidiu o STJ, ou seja, acórdãos sustentando que o § 1º-B do art. 273 é CONSTITUCIONAL. Confira:

(...) 1. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário.
2. O Poder Judiciário não detém competência para interferir nas opções feitas pelo Poder Legislativo a respeito da apenação mais severa daqueles que praticam determinados crimes, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes.
3. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: "PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 273, § 1º e § 1º-B, INCISOS V e VI DO CÓDIGO PENAL. TRANSNACIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. RECONHECIDO CONCURSO FORMAL."
4. Agravo regimental DESPROVIDO.
STF. 1ª Turma. RE 829226 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/02/2015.

(...) Alegação de inconstitucionalidade do art. 273, § 1º-B do Código Penal. Constitucionalidade da imputação. Lesão ao bem jurídico saúde pública. Precedentes. 3. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
STF. 2ª Turma. RE 844152 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 02/12/2014.

Obs: ressalte-se que esses precedentes não examinaram com profundidade o tema, sendo possível que a discussão seja reaberta no Plenário do STF quando as primeiras decisões do STJ forem lá questionadas. Vamos aguardar.
Para fins de concurso, você deve estar atento para o modo como a pergunta será formulada. Se indagarem a posição do STJ, é pela inconstitucionalidade. Se perguntarem sobre o STF, este possui precedentes sustentando que o art. 273, § 1º-B, do CP é constitucional. Caso o enunciado não diga qual dos dois entendimentos está sendo exigido, assinale a posição STJ porque esta foi divulgada em Informativo e é mais conhecida.


Apostila sobre o crime do art. 273 do CP
Ficou curioso para estudar mais sobre o art. 273 do CP e seus parágrafos?
Clique AQUI para baixar a apostila na qual analiso esse importante tipo penal.


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