Dizer o Direito

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Conexão por prejudicialidade


Imagine a seguinte situação adaptada:
A empresa “AA” ajuizou ação de cobrança contra a empresa “BB”, tendo esta sido julgada procedente e transitado em julgado.
Depois de a ação de cobrança ter sido julgada, mas antes de ser iniciado o cumprimento de sentença (execução), a empresa “BB” foi vendida parcialmente para a empresa “CC”. Ficou ajustado que os débitos da empresa “BB” continuariam sendo pagos por ela, ficando, em tese, a empresa “CC” livre das dívidas originárias da empresa “BB”.

Cumprimento de sentença
A empresa “AA” não concordou com essa cláusula de isenção da responsabilidade da empresa “CC” e ingressou com pedido de cumprimento de sentença (“execução”) contra as duas empresas: “BB” e “CC”.

Ação declaratória de inexistência de relação jurídica
A empresa “CC”, por sua vez, ingressou com ação declaratória de inexistência de relação jurídica contra as empresas “AA” e “BB”.
Na ação, a empresa “CC” pede que seja cumprida a cláusula que a isenta de responsabilidade por dívidas da empresa “BB” e que o Judiciário declare que ela não tem qualquer obrigação para com a empresa “AA”.

Conexão
A empresa “CC” alega, por fim, que existe conexão entre a execução em andamento e a ação declaratória que foi proposta. Logo, pede que a ação declaratória seja distribuída por conexão para o mesmo juízo (“vara”) onde tramita o cumprimento de sentença.
O juiz do processo de cumprimento de sentença deferiu a distribuição por dependência e a tramitação conjunta.
Ocorre que a empresa “AA” não concordou e suscitou “exceção de incompetência”

O que decidiu o STJ: é possível que seja reconhecida a conexão no presente caso?
SIM. Pode ser reconhecida a conexão e determinada a reunião para julgamento conjunto de um processo executivo com um processo de conhecimento no qual se pretenda a declaração da inexistência da relação jurídica que fundamenta a execução, desde que não implique modificação de competência absoluta.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.941-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/2/2015 (Info 559).

Conexão
A conexão entre duas causas ocorre quando elas, apesar de não serem idênticas, possuem um vínculo de identidade entre si quanto a algum dos seus elementos caracterizadores. São duas (ou mais) ações diferentes, mas que mantêm um vínculo entre si.
A conexão está prevista no art. 103 do CPC 1973 (art. 55 do CPC 2015):
Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.

Art. 55.  Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

Assim, esse vínculo entre as ações por força da identidade de um de seus elementos denomina-se de conexão.

Efeito da conexão
Quando o juiz verificar que há conexão entre duas causas, ele poderá ordenar, de ofício ou a requerimento, a reunião delas para julgamento em conjunto. Isso está previsto no art. 105 do CPC 1973 (art. 55, § 1º do CPC 2015):

Art. 105.  Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.

Art. 55. (..)
§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

É possível que haja conexão, mas sem que haja a reunião de processos
Apesar de a redação do novo CPC ter sido muito enfática (“§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta”), é importante esclarecer que é possível que ocorra conexão entre duas ações, mas, mesmo assim, elas não sejam reunidas para julgamento em conjunto.
Uma coisa é a conexão (fato); outra é o efeito (reunião de processos). Em alguns casos, o juiz pode reconhecer que há a conexão (“realmente as duas ações possuem uma semelhança entre si”), mas, mesmo assim, não ser possível/recomendável a reunião (“mesmo sendo conexas, serão julgadas em separado”).

Exemplo de situação em que é reconhecida a conexão, mas não se deve reunir os processos: quando a reunião implicar em modificação da competência absoluta. Ex: duas causas são conexas, mas uma delas tramita na vara cível e outra na vara criminal. Não poderá haver reunião.

Suspensão de um dos processos
Nesses casos, em vez de reunir, um dos processos ficará suspenso aguardando o julgamento do outro, nos termos do art. 265, IV, “a”, do CPC 1973 (art. 313, V, “a,”, do CPC 2015):

Art. 265.  Suspende-se o processo:
(...)
IV - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Art. 313.  Suspende-se o processo:
(...)
V - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

Teoria materialista de identificação da conexão
Conforme o conceito de conexão dado pelo CPC, duas ou mais ações serão conexas ser forem iguais:
·         o seu objeto (pedido); ou
·         a sua causa de pedir.

Em suma, os pedidos das duas ações devem ser iguais ou, então, as causas de pedir devem ser iguais.

Esse conceito de conexão previsto na lei é conhecido como concepção tradicional (teoria tradicional) da conexão.

Existem autores, contudo, que defendem que é possível que exista conexão entre duas ou mais ações mesmo que o objeto e a causa de pedir sejam diferentes. Em outras palavras, pode haver conexão em situações que não se encaixem perfeitamente no art. 103, caput, do CPC 1973.

Tais autores defendem a chamada teoria materialista da conexão, que preconiza que, em determinadas situações, é possível identificar a conexão entre duas ações não com base no pedido ou na causa de pedir, mas sim em outros fatos que liguem uma demanda à outra. Eles sustentam, portanto, que o conceito tradicional de conexão é insuficiente.

Essa teoria é chamada de materialista porque defende que, para se verificar se há ou não conexão, o ideal não é analisar apenas o objeto e a causa de pedir, mas sim a relação jurídica de direito material que é discutida em cada ação. Existirá conexão se a relação jurídica veiculada nas ações for a mesma ou se, mesmo não sendo idêntica, existir entre elas uma vinculação. Nesse sentido:
“A conexão, neste caso, decorrerá do vínculo que se estabelece entre as relações jurídicas litigiosas. Haverá conexão se a mesma relação jurídica estiver sendo examinada em ambos os processos, ou se diversas relações jurídicas, mas entre elas houver um vínculo de prejudicialidade ou preliminaridade.” (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2015, p 233).

Essa concepção materialista é que fundamenta a chamada “conexão por prejudicialidade”. Podemos resumi-la em uma frase: quando a decisão de uma causa interferir na solução da outra, há conexão.

O tema é difícil, mas com exemplos talvez fique um pouco mais claro:

Ex1: João (locador) ajuíza ação de despejo por falta de pagamento; Pedro (locatário), alegando que João cobra mais do que é devido, propõe ação de consignação em pagamento dos alugueis que entende corretos. Essas duas ações têm objetos (pedidos) diferentes e causas de pedir também diversas. João quer receber os alugueis e tirar o locatário da casa; Pedro quer pagar aquilo que reputa devido. A causa de pedir da primeira é o inadimplemento; a da segunda é a cobrança indevida. Mesmo não se enquadrando no art. 103 do CPC 1973, a jurisprudência reconhece que tais causas devem ser julgadas em conjunto, havendo conexão por prejudicialidade (teoria materialista).

Ex2: a empresa “1” ajuíza ação pedindo que a empresa “2” cumpra as cláusulas do contrato; a empresa “2”, por sua vez, propõe demanda requerendo a nulidade do pacto.

Importante. Novidade do CPC 2015:
O CPC 2015 manteve, no caput do art. 55, a definição tradicional de conexão. Veja novamente:
Art. 55.  Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

No entanto, dando razão às criticas da doutrina, o novo CPC adota, em seu § 3º, a teoria materialista ao prever a conexão por prejudicialidade:
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

Voltando ao caso concreto:
No exemplo que dei logo no início desta explicação, a ação declaratória tem por objeto a declaração de inexistência de relação jurídica que fundamenta a execução. Neste caso, recomenda-se a reunião das ações para julgamento em conjunto por identificar-se uma conexão por prejudicialidade.
A ação declaratória negativa serve ao executado como defesa heterotópica e muito se assemelha aos embargos do devedor, que também possuem a mesma natureza declaratória.

Resumindo:
A conexão entre duas causas ocorre quando elas, apesar de não serem idênticas, possuem um vínculo de identidade entre si quanto a algum dos seus elementos caracterizadores. São duas (ou mais) ações diferentes, mas que mantêm um vínculo entre si.
Segundo o texto do CPC, existe conexão quando duas ou mais ações tiverem o mesmo pedido (objeto) ou causa de pedir.
Quando o juiz verificar que há conexão entre duas causas, ele poderá ordenar, de ofício ou a requerimento, a reunião delas para julgamento em conjunto. Essa é a regra geral, não sendo aplicável, contudo, quando a reunião implicar em modificação da competência absoluta.
O conceito de conexão previsto na lei é conhecido como concepção tradicional (teoria tradicional) da conexão. Existem autores, contudo, que defendem que é possível que exista conexão entre duas ou mais ações mesmo que o pedido e a causa de pedir sejam diferentes. Em outras palavras, pode haver conexão em situações que não se encaixem perfeitamente no conceito legal de conexão. Tais autores defendem a chamada teoria materialista da conexão, que sustenta que, em determinadas situações, é possível identificar a conexão entre duas ações não com base no pedido ou na causa de pedir, mas sim em outros fatos que liguem uma demanda à outra. Eles sustentam, portanto, que a definição tradicional de conexão é insuficiente.
Essa teoria é chamada de materialista porque defende que, para se verificar se há ou não conexão, o ideal não é analisar apenas o objeto e a causa de pedir, mas sim a relação jurídica de direito material que é discutida em cada ação. Existirá conexão se a relação jurídica veiculada nas ações for a mesma ou se, mesmo não sendo idêntica, existir entre elas uma vinculação.
Essa concepção materialista é que fundamenta a chamada “conexão por prejudicialidade”. Podemos resumi-la em uma frase: quando a decisão de uma causa interferir na solução da outra, há conexão.
No caso concreto, havia duas ações: em uma delas o autor (empresa 1) executava uma dívida da devedora (empresa 2). A executada, por sua vez, ajuizou ação declaratória de inexistência da relação afirmando que nada deve para a empresa 1. Nesta situação, o STJ reconheceu que havia conexão por prejudicialidade e decidiu o seguinte: “pode ser reconhecida a conexão e determinada a reunião para julgamento conjunto de um processo executivo com um processo de conhecimento no qual se pretenda a declaração da inexistência da relação jurídica que fundamenta a execução, desde que não implique modificação de competência absoluta.”
Importante: o CPC 2015 manteve, no caput do art. 55, a definição tradicional de conexão. No entanto, dando razão às criticas da doutrina, o novo CPC adota, em seu § 3º, a teoria materialista ao prever a conexão por prejudicialidade:
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.221.941-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/2/2015 (Info 559).



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