Olá amigos do Dizer o Direito,
Hoje vamos tratar sobre um tema
de direito de família de grande relevância prática e alta incidência em
concursos públicos.
A pergunta que a será respondida
é a seguinte: ainda hoje é necessária a realização de audiência de conciliação
ou ratificação na ação de divórcio direto consensual?
Vejamos:
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Maria eram casados, mas há
muitos anos que não vivem juntos, razão pela qual decidiram se divorciar e,
para isso, ingressaram com ação de divórcio consensual.
Diante da ausência de qualquer
divergência entre os autores, o juiz da vara de família entendeu que era
dispensável a realização de audiência para tentativa de reconciliação do casal (chamada
de audiência de ratificação) e sentenciou o feito decretando o divórcio.
O Promotor de Justiça que
intervinha no processo não concordou e recorreu da sentença alegando que a o
art. 40, § 2º da Lei n.°
6.515/77 determina que o procedimento aplicável para o divórcio consensual é
aquele previsto nos arts. 1.120 a 1.124 do CPC 1973. O art. 1.122 do CPC 1973,
por sua vez, afirma que é obrigatória a realização de audiência para ouvir o
casal. Confira os dispositivos mencionados:
Art. 40 (...)
§ 2º - No divórcio consensual, o procedimento adotado será o previsto nos artigos
1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil, observadas, ainda, as
seguintes normas: (...)
Art. 1.122. Apresentada a petição ao juiz, este
verificará se ela preenche os requisitos exigidos nos dois artigos
antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges sobre os
motivos da separação consensual, esclarecendo-lhes as consequências da
manifestação de vontade.
Em suma, o MP alegou afirmando
que a audiência de ratificação continua sendo obrigatória no divórcio
consensual por estar prevista no art. 1.122 do CPC 1973 e que ela não pode ser
dispensada em nenhuma hipótese.
O STJ
concordou com a tese do MP?
NÃO. Na ação de
divórcio direto consensual, é possível a imediata homologação do divórcio,
sendo dispensável a realização de audiência de conciliação ou ratificação (art.
1.122 do CPC 1973), quando o magistrado tiver condições de aferir a firme
disposição dos cônjuges em se divorciarem, bem como de atestar que as demais
formalidades foram atendidas.
STJ. 3ª Turma.
REsp 1.483.841-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 17/3/2015 (Info 558).
Mas e o art. 1.122 do CPC 1973?
Esse dispositivo deve sofrer uma
releitura por força da EC 66/2010.
A EC 66/2010
(conhecida como “Emenda do Divórcio”) alterou a redação do art. 226, § 6º da CF/88,
suprimindo os prazos de um ano de separação judicial e de dois anos de
separação de fato no divórcio. Além disso, a doutrina defende que, ao não
exigir mais qualquer requisito em seu texto, o novo § 6º também proíbe qualquer
discussão sobre culpa para fins de conceder ou não o divórcio. Compare as duas
redações:
Antes da EC 66/2010
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DEPOIS da EC 66/2010
|
§ 6º O casamento
civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por
mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato
por mais de dois anos.
|
§ 6º O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio.
|
Assim, a EC 66/2010 eliminou os
prazos para a concessão do divórcio e afastou a necessidade de que seja
discutida culpa, dispensando que sejam debatidas as causas que geraram o fim da
união. Isso não importa mais. Se as partes querem se divorciar não cabe ao juiz
convencê-las do contrário. Passa a ter vez no Direito de Família a figura da
intervenção mínima do Estado, como deve ser. Não deve o magistrado expor
desnecessária e vexatoriamente a intimidade do casal. Criou-se, dessa forma,
nova figura totalmente dissociada do divórcio anterior. O divórcio passou a ser
agora efetivamente direto.
Conclui-se, portanto, que o art.
1.122 do CPC 1973, ao exigir uma audiência de ratificação antes de conceder o
divórcio direto consensual, passou a ter redação conflitante com o novo
entendimento acima exposto, segundo o qual não mais existem mais os antigos requisitos
para divórcio.
Na ação de divórcio consensual
direto, atualmente, não há causa de pedir, inexiste necessidade de os autores
declinarem o fundamento do pedido, cuidando-se de simples exercício de um
direito potestativo.
Portanto, a leitura que deve ser
feita agora do art. 1.122 do CPC é a seguinte: não será necessária audiência
com os autores do pedido de divórcio consensual quando o magistrado tiver
condições de aferir a firme disposição dos cônjuges em se divorciarem, bem como
de atestar que as demais formalidades foram atendidas.
Dito de outro modo, só será designada
a audiência de que trata o art. 1.122 do CPC 1973 em caso de dúvida sobre a
real intenção da partes de se divorciarem. Não havendo dúvidas, não tem sentido
a realização do ato. A audiência de conciliação ou ratificação passou a ter
apenas cunho eminentemente formal, sem nada produzir, não havendo nenhuma
questão relevante de direito a se decidir.
Os artigos da Lei n.° 6.515/77 e do CPC 1973 devem
ser interpretados segundo a nova ordem constitucional e a ela se adequar, seja
por meio de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto,
seja como da interpretação conforme a constituição ou, como no caso em comento,
pela interpretação sistemática dos dispositivos.
Como fica o tema no novo CPC?
Seguindo a linha de raciocínio
acima exposta, o CPC 2015 não exige a realização de audiência antes da decretação
do divórcio consensual. O tema é tratado nos arts. 731 a 733.