Dizer o Direito

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O Ministério Público Estadual tem legitimidade para atuar diretamente no STJ nos processos em que figure como parte?



Se o Ministério Público Estadual é parte em um processo e houve recurso para o STJ, ele poderá atuar diretamente neste recurso ou ele precisará da participação do MPF?
Poderá atuar sozinho, sem a participação do MPF. O Ministério Público Estadual tem legitimidade para atuar diretamente como parte em recurso submetido a julgamento perante o STJ.
Foi o que decidiu a Corte Especial do STJ no EREsp 1.327.573-RJ, julgado em 17/12/2014 (Info 556).

Havia polêmica sobre o assunto?
Sim. Havia uma tese, aceita durante vários anos, no sentido de que somente o Ministério Público Federal poderia atuar diretamente no STJ e no STF.
Dessa forma, o Ministério Público Estadual, por meio do Procurador-Geral de Justiça, não poderia, por exemplo, propor uma reclamação, impetrar mandado de segurança, interpor agravo regimental, fazer sustentação oral, entre outros atos processuais, quando envolvesse o STF/STJ. Segundo se entendia, isso teria que ser feito por intermédio do Procurador-Geral da República.

Qual era o fundamento para essa tese?
Argumentava-se que o Ministério Público é uma instituição una, cabendo a seu chefe, o Procurador-Geral da República, representá-la, atuando, em seu nome, junto às Cortes Superiores: STF e STJ.
Assim, segundo o entendimento anterior, o Ministério Público Estadual, por meio de seus Procuradores-Gerais de Justiça, até podiam interpor Recurso Extraordinário e Recurso Especial contra os acórdãos dos Tribunais de Justiça, no entanto, depois de interposto, a atribuição para oficiar junto aos tribunais superiores seria do Procurador-Geral da República ou dos Subprocuradores da República.

Esse entendimento restritivo ao MPE foi superado?
SIM. O primeiro passo foi dado em 2011, quando o STF reconheceu a legitimidade ativa autônoma do Ministério Público estadual para propor reclamação perante aquela Corte (Rcl 7358/SP, rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 24/2/2011).
O STJ seguiu no mesmo correto caminho e decidiu que o Ministério Público Estadual tem legitimidade recursal para atuar também no STJ (AgRg no AgRg no AREsp 194.892-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/10/2012 – brilhante voto).

Qual a posição que prevalece, portanto, atualmente?
O Ministério Público estadual possui legitimidade para atuar no STF e no STJ de forma autônoma, ou seja, por meio de seu Procurador-Geral de Justiça ou alguém por ele designado (até mesmo um Promotor de Justiça).
Dessa forma, atualmente, os interesses do Ministério Público Estadual podem ser defendidos diretamente pelo Procurador-Geral de Justiça no STF e STJ, não sendo necessária a atuação do Procurador-Geral da República (chefe do MPU), como se entendia até então.

Veja interessante trecho do voto do Min. Ari Pargendler sobre o tema:
“Perante o Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público Federal exerce ambas as funções:
- no âmbito cível, ele  atua como autor, portanto como parte, quando propõe, por exemplo, uma ação rescisória, e age como custos legis quando, v.g,  opina em mandado de segurança, em recursos, etc;
- no âmbito criminal, ele é autor da ação, portanto  parte, quando esta deve ser processada e julgada  originariamente, e funciona como custos legis quando, v.g.,  opina em habeas corpus, em recursos, etc.
Tais funções podem ser cumuladas no mesmo processo; é o caso da ação rescisória, em que o Ministério Público Federal opina mesmo sendo o autor (AR nº 384, PR, de minha relatoria, DJ, 1º.09.97).
Quid, se a ação, cível ou penal, é proposta pelo Ministério Público Estadual, perante o 1º grau de jurisdição, e o processo é alçado ao Superior Tribunal de Justiça por meio de recurso?
Salvo melhor juízo, em sede de recursos, o Ministério Público Federal exerce apenas uma de suas funções, qual seja, a de custos legis; o recurso é da parte, e o Ministério Público, à vista do ordenamento jurídico, pode opinar pelo provimento ou pelo desprovimento da irresignação.
Cindido em um processo o exercício das funções do Ministério Público (o Ministério Público Estadual sendo o autor da ação, e o Ministério Público Federal opinando acerca do recurso interposto nos respectivos autos), não há razão legal, nem qualquer outra ditada pelo interesse público, que autorize uma restrição ao Ministério Público Estadual  enquanto autor da ação.
Do ponto de vista legal, como exposto, o Subprocurador Geral da República opina como custos legis em recursos interpostos pelo Ministério Público dos Estados.
Sob o prisma do interesse público, nada justifica a restrição à atuação do Ministério Público Estadual, que tem o direito de atuar perante o Superior Tribunal de Justiça no interesse dos recursos que interpõe, sustentando-os oralmente, interpondo agravos regimentais contra decisões que os denegam, etc.”

Argumentos que fundamentam a atuação do MP Estadual no STF e STJ:
1) Inexistência de hierarquia entre MPU e MPE
A CF/88 organiza o Ministério Público brasileiro em dois segmentos:
I – o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II – os Ministérios Públicos dos Estados.

Desse modo, conclui-se que o Ministério Público é dividido em dois ramos distintos (MPE e MPU), não havendo qualquer relação de hierarquia ou subordinação entre eles.
O chefe do Ministério Público da União é o Procurador-Geral da República (art. 128, § 1º da CF/88). Por sua vez, o chefe de cada Ministério Público estadual é o seu respectivo Procurador-Geral de Justiça (art. 128, § 3º).
Logo, não há qualquer sentido em se permitir que o MPF atue diretamente nas Cortes Superiores e negar esse poder aos Ministérios Públicos Estaduais.

2) Princípio federativo
Viola o regime federativo impedir que o Ministério Público Estadual tenha acesso aos Tribunais Superiores, uma vez que haveria uma diferença de tratamento em relação ao MPF, o que mitigaria sua autonomia funcional.

3) Autonomia do MPE
Está também relacionada com o princípio federativo, considerando que não permitir que o Ministério Público Estadual atue, no STF e STJ, nos processos de seu interesse, significaria tolher a autonomia e liberdade de atuação do Parquet estadual.

4) MPU e MPE não são unos entre si
O Ministério Público, de fato, é uno (art. 127, § 1º, CF/88). No entanto, a unidade institucional é princípio aplicável apenas no âmbito de cada Ministério Público. Não é possível dizer, por exemplo, que entre o Ministério Público estadual e o Ministério Público federal exista unidade. Desse modo, quando houver necessidade de atuação do Ministério Público Estadual nos processos que tramitam no STF e STJ, esta deverá ocorrer por meio do seu Procurador-Geral de Justiça, não suprindo isso o fato de haver a intervenção do Procurador-Geral da República.

5) Os interesses defendidos pelo MPE podem, eventualmente, ser conflitantes com os do MPU
Poderia acontecer de os Ministérios Públicos Estaduais deduzirem pretensão no STF e STJ com a qual não concorde, eventualmente, a chefia do Ministério Público da União, o que obstaria o acesso do Parquet estadual aos Tribunais Superiores (STF Rcl 7358/SP).

6) Paridade de armas
Fazer com que o Ministério Público estadual ficasse na dependência do que viesse a entender o Ministério Público Federal seria incompatível, dentre outros princípios, com o da paridade de armas, considerando que, em eventual conflito entre o MPE e o MPU, o chefe do MPU (PGR) poderia atuar diretamente no STF, mas não o MPE (STF Rcl 7358/SP).

Exemplos de atuação direta dos Ministérios Públicos estaduais no STF e STJ:
• Mandado de segurança (contra decisão do CNMP, v.g.);
• Reclamação constitucional;
• Pedido de suspensão de segurança;
• Pedido de tutela antecipada;
• Recursos contra as decisões proferidas no STF e STJ (embargos de declaração, embargos de divergência, agravo regimental etc.).

Qual órgão do Ministério Público participa no STF e STJ como custos legis?
MPF. É importante ressaltar que a atuação do Ministério Público como custos legis no STF e STJ continua sendo feita sempre pelo Procurador-Geral da República ou pelos Subprocuradores da República (por delegação ou designação).
Desse modo, o que se passou a permitir foi a atuação direta do Ministério Público Estadual como parte no STF e STJ.
Vale sublinhar, inclusive, que nos processos em que o MPE for parte, no STJ e STF, o MPF atuará como custos legis (fiscal da lei), oferecendo parecer.

Nos casos de ação penal de competência originária do STF e do STJ, qual órgão do Ministério Público oferecerá a denúncia e atuará no processo criminal?
MPF. Em tais hipóteses, a atribuição continua sendo do MPF, por meio do Procurador-Geral da República (ou um Subprocurador-Geral, mediante delegação do Procurador-Geral). Nesse sentido: STJ Corte Especial. APn 689-BA, Rel. Min. Eliana Calmon, julgada em 17/12/2012.
Trata-se de previsão legal do art. 46, parágrafo único, III e 48, II, da LC n.° 75/93.

O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para atuar diretamente no STF e STJ?
NÃO. A jurisprudência continua entendendo que o MPT não pode atuar diretamente no STF e STJ. Nesse sentido: STF. Plenário. RE 789874/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/9/2014 (repercussão geral) (Info 759).
Se for necessário, por exemplo, propor uma reclamação no STF e que seja do interesse do MPT, quem deve manejar essa reclamação é o Procurador-Geral da República.
O Procurador do Trabalho não pode atuar diretamente no STF (nem mesmo o Procurador-Geral do Trabalho).
O exercício das funções do Ministério Público da União junto ao Supremo Tribunal Federal cabe privativamente ao Procurador-Geral da República (ou aos Subprocuradores por ele designados), nos termos do art. 46 da LC 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União):
Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.
Art. 47. O Procurador-Geral da República designará os Subprocuradores-Gerais da República que exercerão, por delegação, suas funções junto aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal.

Assim, o MPT é parte ilegítima para, em sede originária, atuar no STF e STJ, uma vez que integra a estrutura orgânica do Ministério Público da União, cuja atuação funcional compete, em face da própria unidade institucional, ao seu chefe, qual seja, o Procurador-Geral da República.

LC 75/93:
Art. 24. O Ministério Público da União compreende:
I - o Ministério Público Federal;
II - o Ministério Público do Trabalho;
III - o Ministério Público Militar;
IV - o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Art. 25. O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União (...)

Vale ressaltar, no entanto, que, quando se diz que o MPT não pode atuar diretamente no STF, isso significa que não pode ajuizar ações originárias no STF nem pode recorrer contra decisões proferidas por essa Corte. Importante esclarecer, dessa forma, que o membro do MPT pode interpor recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF, contra uma decisão proferida pelo TST.

Resumindo:
O Ministério Público Estadual tem legitimidade para atuar diretamente no STJ nos processos em que figure como parte. Assim, o MPE possui legitimidade para atuar diretamente em recurso por ele interposto e submetido a julgamento perante o STJ.
STJ. Corte Especial. EREsp 1.327.573-RJ, Rel. originário e voto vencedor Min. Ari Pargendler, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/12/2014 (Info 556).




Print Friendly and PDF