Dizer o Direito

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Imagine que o juiz conceda o benefício da justiça gratuita no início do processo. É necessário que a parte refaça esse pedido quando se iniciarem as outras fases, como a dos recursos ou execução?



Garantia de assistência jurídica integral e gratuita
A CF/88 prevê a garantia da assistência jurídica integral e gratuita em seu art. 5º, LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Esse dispositivo constitucional consagra duas garantias:
I – Assistência jurídica integral e gratuita
II – Gratuidade da justiça
(Assistência Judiciária Gratuita – AJG).
Fornecimento pelo Estado de orientação e defesa jurídica, de forma integral e gratuita, a ser prestada pela Defensoria Pública, em todos os graus, aos necessitados (art. 134 da CF).
Regulada pela Lei Complementar 80/94.
Isenção das despesas que forem necessárias para que a pessoa necessitada possa defender seus interesses em um processo judicial.
Era regulada pela Lei nº 1.060/50, mas o CPC 2015 passou a tratar sobre o tema, revogando quase toda essa lei.

Quem tem direito à gratuidade da justiça?
Tem direito à gratuidade da justiça a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 98 do CPC-2015).

Quem está abrangido por ela?
·         pessoas físicas (brasileiras ou estrangeiras);
·         pessoas jurídicas (brasileiras ou estrangeiras).

A pessoa beneficiada pela justiça gratuita está dispensada do pagamento de quais verbas?
Segundo o § 1º do art. 98 do CPC-2015, a gratuidade da justiça compreende:
I - as taxas ou as custas judiciais;
II - os selos postais;
III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

Dispensa parcial
A gratuidade da justiça poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou pode consistir apenas na redução percentual das despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento (§ 5º do art. 98 do CPC-2015).

Parcelamento
A depender do caso concreto, o juiz poderá conceder ao requerente o direito de parcelar as despesas processuais que tiver de adiantar no curso do procedimento (§ 6º do art. 98 do CPC-2015).


Despesas processuais e honorários advocatícios de sucumbência
Mesmo sendo beneficiária da justiça gratuita, a pessoa terá que pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência (§ 2º do art. 98 do CPC-2015).
No entanto, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. Em outras palavras, em até 5 anos, o credor deverá demonstrar que o devedor passou a ter condições de custear tais despesas.
Passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário são consideradas extintas (§ 3º do art. 98 do CPC-2015).

Multas processuais
Mesmo sendo beneficiária da justiça gratuita, a pessoa terá o dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe foram impostas (§ 4º do art. 98 do CPC-2015). Ex: multa por litigância de má-fé.

O juiz poderá conceder de ofício o benefício da assistência judiciária gratuita?
NÃO. É vedada a concessão “ex officio” do benefício de assistência judiciária gratuita pelo magistrado. Assim, é indispensável que haja pedido expresso da parte (AgRg nos EDcl no AREsp 167.623/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05/02/2013).

Qual é o momento em que deverá ser formulado o pedido de justiça gratuita?
Normalmente o pedido de justiça gratuita é feito na própria petição inicial (no caso do autor) ou na contestação (no caso do réu). No entanto, a orientação pacífica da jurisprudência é de que a assistência judiciária gratuita pode ser pleiteada a qualquer tempo (REsp 1261220/SP, DJe 04/12/2012).
O CPC-2015 tratou do tema no art. 99. Veja:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

Imagine que o juiz conceda o benefício da justiça gratuita logo no início do processo de conhecimento (ex: na petição inicial ou na contestação). É necessário que a parte refaça esse pedido quando se iniciarem as outras fases do processo (ex: na fase de recurso, na fase de execução etc.) ou caso tenha incidentes processuais?
NÃO. Quando a assistência judiciária gratuita for deferida, a eficácia da concessão do benefício prevalecerá, independentemente de renovação de seu pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo – alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, as rescisórias, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução.
Assim, depois de a justiça gratuita ter sido concedida, ela irá perdurar automaticamente até o final do processo, e só perderá sua eficácia se o juiz ou o Tribunal expressamente revogarem caso tenha comprovadamente mudado a condição econômico-financeira do beneficiário (“era pobre, ficou rico”).
STJ. Corte Especial. AgRg nos EAREsp 86.915-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 26/2/2015 (Info 557).

Exemplo
João ajuizou ação de indenização contra Pedro e pediu o benefício da justiça gratuita, o que foi deferido pelo magistrado logo na decisão inicial. O juiz julgou o pedido improcedente. João interpôs apelação. O autor não precisará recolher as custas porque já lhe foi deferida justiça gratuita (e isso ainda está valendo). No recurso proposto, João não necessita pedir novamente o benefício. Imaginemos que o Tribunal condene Pedro a pagar a indenização. No momento do cumprimento de sentença (fase de execução), João continuará tendo direito à justiça gratuita mesmo que não faça novo pedido nesse sentido.

Ação rescisória
A duração da eficácia da concessão da justiça gratuita é tão ampla que o STJ afirmou que, mesmo em caso de ação rescisória contra a sentença transitada em julgado, a parte ainda terá direito ao benefício mesmo sem novo pedido.
No exemplo acima, imaginemos que o pedido de indenização formulado por João tenha sido julgado improcedente em todas as instâncias, tendo transitado em julgado. Ao despachar a petição inicial, logo no começo do processo, o juiz havia deferido a justiça gratuita. Se João quiser agora propor uma ação rescisória, ele, em tese, não precisa formular novo pedido de justiça gratuita uma vez que esse benefício ainda estaria produzindo efeitos.

Fundamento
O fundamento legal está no art. 9º da Lei n.° 1.060/50 (que não foi revogado pelo CPC-2015):
Art. 9º Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias.

Assim, desde que adequadamente formulado o pedido e uma vez concedida, a assistência judiciária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, nos expressos termos assegurados no art. 9º da Lei n.° 1.060/50.

Além dessa previsão legal, essa interpretação é a mais consentânea com os princípios constitucionais da inafastabilidade da tutela jurisdicional e do processo justo, com garantia constitucional de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita ao necessitado (art. 5º, XXXV, LIV e LXXIV, da CF/88).

Tudo bem. Não é necessário pedir novamente o benefício da justiça gratuita. No entanto, no momento da prática desses novos atos processuais será necessário informar ao Tribunal na petição que já foi deferido o benefício da justiça gratuita?
NÃO. Não será obrigatório informar isso na petição. Assim, para o processamento do recurso, da execução etc. não se faz necessário que o beneficiário faça expressa remissão na petição recursal acerca do anterior deferimento da assistência judiciária gratuita. Mesmo sem isso, o recurso, a execução etc. deverá ser conhecido e processado, desde que haja nos autos prova de que o benefício já foi deferido antes.
Apesar de não ser obrigatório, na prática, o ideal (recomendável) embora seja evidente a utilidade dessa providência facilitadora. Basta, portanto, que constem dos autos o comprovante de que já litiga na condição de beneficiário da justiça gratuita (original ou cópia da decisão que concedeu).

Uma última pergunta: depois de o benefício da justiça gratuita ter sido concedido pelo juiz é possível que ele seja revogado caso a condição econômica do beneficiário tenha melhorado?
SIM. Conforme vimos acima, o benefício concedido poderá ser expressamente revogado se ficar comprovado que houve mudança da condição econômico-financeira do beneficiário. Isso porque a decisão que concede a gratuidade está condicionada à cláusula rebus sic standibus, primando pela precariedade e não gerando preclusão pro judicato (preclusão para o juiz).



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