segunda-feira, 20 de abril de 2015
Comentários à nova EC 87/2015 (ICMS do comércio eletrônico)
segunda-feira, 20 de abril de 2015
Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada na última
sexta-feira (dia 17/04/2015), mais uma emenda constitucional.
Trata-se da EC 87/2015, que
trouxe novas regras sobre o ICMS.
Vejamos alguns breves comentários
sobre o tema.
ICMS
O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF
e na LC 87/96.
Um dos fatos geradores do ICMS é a
circulação de mercadorias.
Ex.1: João vai até o shopping e compra
uma televisão. Houve a incidência de ICMS sobre essa operação.
Ex.2: Pedro entra
na internet e, em um site de comércio eletrônico, adquire um
computador de uma loja virtual de São Paulo (SP) a ser entregue em sua casa em
Recife (PE). Houve também pagamento de ICMS.
Estado
destinatário do ICMS em caso de operações e prestações interestaduais
Na operação realizada entre pessoas
situadas em Estados diferentes, quem ficará com o ICMS cobrado: o Estado que
produziu/comercializou a mercadoria (Estado de origem — alienante) ou aquele
onde vai ocorrer o consumo (Estado de destino — adquirente)?
Exemplo: Pedro entra na internet e, em
um site de comércio eletrônico, adquire um computador de uma loja virtual de
São Paulo (SP) a ser entregue em sua casa em Recife (PE). O valor do ICMS
ficará com São Paulo ou com Pernambuco?
REGRAS PREVISTAS NA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DA CF/88
A resposta para as perguntas acima irá
depender da situação concreta.
A CF/88 previu três regras que serão
aplicáveis para cada uma das situações. Vejamos:
SITUAÇÃO 1
• Situação: quando a pessoa
tiver adquirido o produto/serviço como consumidor final e for contribuinte do
ICMS.
• Exemplo: supermercado de PE
adquire computadores de SP como consumidor final, ou seja, os computadores não
serão para revenda, mas sim para uso próprio. O supermercado é consumidor final
do produto e é contribuinte do ICMS (paga ICMS normalmente pelas outras
operações que realiza).
• Solução dada pela CF/88: neste
caso, a redação originária da CF/88 optou por dividir a arrecadação do ICMS entre
o Estado de origem (SP) e o de destino da mercadoria (PE).
O ICMS será cobrado duas vezes:
1ª) Quando a mercadoria sair do
estabelecimento vendedor, aplica-se a alíquota interestadual de ICMS. O valor obtido
ficará com o Estado de origem.
2ª) Quando a mercadoria der entrada no
estabelecimento que a comprou, aplica-se a diferença entre a alíquota interna do
Estado de destino e a alíquota interestadual. O valor obtido ficará como Estado
de destino.
Voltando ao nosso exemplo:
1ª) Quando os computadores saírem da
loja em SP, a Sefaz de SP irá cobrar a alíquota interestadual (7%). Esse valor (7%
sobre o preço das mercadorias) ficará com SP.
2ª) Quando os computadores chegarem no
supermercado em PE, a Sefaz de PE irá cobrar a diferença entre a alíquota interna
do Estado de destino e a alíquota interestadual. Será assim: 17% (alíquota
interna de PE) - 7% (alíquota interestadual) = 10%. Logo, imputa-se 10% sobre o
preço das mercadorias. Esse valor obtido ficará com PE.
Vale ressaltar, no entanto, que esta
situação não é muito frequente na prática.
• Previsão na redação originária da CF/88:
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II
atenderá ao seguinte:
VII - em relação às operações e
prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro
Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o
destinatário for contribuinte do imposto;
(...)
VIII - na hipótese da alínea
"a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do
destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a
interestadual;
SITUAÇÃO 2:
• Situação: quando o adquirente
for consumidor final da mercadoria comprada e NÃO for contribuinte do ICMS.
• Exemplo: advogado de Recife
(PE) compra um computador pela internet de uma loja de SP.
• Solução dada pela CF/88: aplica-se
a alíquota INTERNA do Estado vendedor e o valor fica todo com o Estado de
origem (Estado onde se localiza o vendedor; no caso, SP).
O Estado onde mora o comprador não
ganha nada (em nosso exemplo, Pernambuco).
Voltando ao nosso exemplo:
A alíquota interna do Estado de SP
(Estado vendedor) é de 18%.
Logo, multiplica-se 18% pelo preço das
mercadorias. O valor obtido fica inteiramente com SP.
Essa situação cresceu incrivelmente por
força do aumento das compras pela internet, o chamado e-commerce.
• Previsão na redação originária da CF/88:
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II
atenderá ao seguinte:
VII - em relação às operações e
prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro
Estado, adotar-se-á:
(...)
b) a alíquota interna, quando o
destinatário não for contribuinte dele;
SITUAÇÃO 3:
• Situação: quando o adquirente não
for o consumidor final do produto adquirido.
• Exemplo: supermercado de PE
compra computadores de empresa de SP para revender em suas lojas no Recife.
• Solução dada pela CF/88: aplica-se
a alíquota INTERESTADUAL, mas o valor ficará todo com o Estado de origem
(Estado onde se localiza o vendedor; no caso, SP).
Voltando ao nosso exemplo: quando esses
computadores saírem de SP, deverá ser aplicada a alíquota interestadual (7%) e
todo esse valor fica com o Estado de origem.
Obs: esta é a situação mais corriqueira
na prática.
Resumo das regras que foram previstas
originariamente pela CF/88:
SITUAÇÃO
|
ALÍQUOTAS
APLICÁVEIS
|
QUEM FICA COM O ICMS OBTIDO?
|
1) quando a pessoa tiver adquirido o
produto/serviço como consumidor final e for contribuinte do ICMS.
|
Duas:
1º) alíquota interestadual;
2º) diferença entre a alíquota
interna e a interestadual.
|
Os dois Estados.
O Estado de origem fica com o valor
obtido com a alíquota interestadual.
O Estado de destino fica com o valor
obtido com a diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota
interestadual.
|
2) quando o adquirente for consumidor
final da mercadoria comprada e não for contribuinte do ICMS.
|
Só uma: a interna do Estado de
origem.
|
Estado de origem.
Aplica-se a alíquota interna do
Estado vendedor e o valor fica todo com ele.
|
3) quando o adquirente não for o
consumidor final do produto adquirido.
|
Só uma: interestadual.
|
Estado de origem.
Aplica-se a alíquota interestadual,
mas o valor ficará todo com o Estado de origem.
|
Obs.: as situações 2 e 3 são muito
comuns na prática e o cenário 1 é de rara ocorrência.
Crítica feita por muitos Estados
A maioria dos Estados (Paraíba, Piauí,
Bahia, Mato Grosso, Ceará, Sergipe, entre outros) critica a sistemática do ICMS
acima explicada, taxando-a de injusta e afirmando que ela contribui para o
aumento das desigualdades regionais.
Acompanhe o raciocínio.
Quase todos os centros de produção e de
distribuição de produtos industrializados estão localizados nas Regiões Sul e
Sudeste do país, notadamente no Estado de São Paulo. Tais Estados são muito
industrializados e concentram boa parte da riqueza financeira nacional.
Os Estados situados nas demais regiões
(em especial, Norte e Nordeste) aglutinam, proporcionalmente, mais consumidores
do que empresas.
Desse modo, os Estados do Norte e
Nordeste afirmam que a regra constitucional do ICMS é injusta porque exclui os
Estados consumidores da arrecadação do imposto, que fica com os Estados
produtores (chamada “regra de origem”), que já são mais desenvolvidos
economicamente e, com isso, ficam ainda mais ricos.
Protocolo ICMS 21/2011
Por conta dessa realidade, os Estados
do Norte e Nordeste conseguiram aprovar, no Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz), o Protocolo ICMS 21/2011, permitindo que fosse cobrado
ICMS sobre as operações interestaduais em que o destinatário da mercadoria
estiver localizado em seu território, independentemente de se tratar de consumidor
final (contribuinte do tributo) ou de mero intermediário. Em outras palavras,
de acordo com o referido Protocolo, se a pessoa residente no Estado “X”
adquirisse, de forma não presencial (ex.: pela internet), uma mercadoria oriunda de um vendedor localizado no
Estado “Y”, o Estado “X” poderia também cobrar ICMS sobre essa operação
interestadual.
Esse Protocolo ICMS 21/2011 da
Confaz é compatível com a CF/88?
NÃO. O STF decidiu que é
inconstitucional a cobrança de ICMS pelo Estado de destino, com fundamento no
Protocolo ICMS 21/2011 do Confaz, sobre as operações interestaduais de venda de
mercadoria a consumidor final realizadas de forma não presencial (internet,
telemarketing ou showroom).
A CF/88 determinou que o valor do
ICMS é devido ao Estado de origem das mercadorias. O STF afirmou que mudar a
cobrança para o Estado de destino dependeria de alteração da própria
Constituição, não podendo ser feito por Protocolo do Confaz.
STF. Plenário. ADI 4628/DF e ADI
4713/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 680089/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em
17/9/2014 (Info 759).
EC 87/2015
Diante dessa derrota no STF, os
chamados Estados consumidores não desistiram da luta e conseguiram aprovar a EC
87/2015, que altera as regras acima explicadas.
Agora sim vamos tratar
especificamente sobre a nova emenda constitucional.
MUDANÇA FEITA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 87/2015
A EC 87/2015 alterou a solução
dada para a SITUAÇÃO 2 acima explicada e passou a dizer que o ICMS, nesses
casos, deveria ser dividido entre o Estado de origem e o Estado de destino.
Vejamos novamente a SITUAÇÃO 2
para entender o que mudou:
• Situação: quando o adquirente
for consumidor final da mercadoria comprada e NÃO for contribuinte do ICMS.
• Exemplo: advogado de Recife
(PE) compra um computador pela internet de uma loja de SP.
• Solução dada pela CF/88 em sua
redação originária:
Aplicava apenas a alíquota INTERNA do
Estado vendedor.
O valor ficava todo com o Estado de
origem (Estado onde se localiza o vendedor; no caso, SP).
O Estado onde morava o comprador não
ganhava nada (em nosso exemplo, Pernambuco).
• Solução
dada pela EC 87/2015:
Agora
passam a incidir duas alíquotas:
1º)
alíquota interestadual;
2º)
diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
O valor
da arrecadação será dividido entre o Estado de origem e o de destino.
* Valor obtido
com a aplicação da alíquota interestadual (ex: 7% x 500 mil reais): ficará todo
para o Estado de origem.
* Valor
obtido com a aplicação da diferença entre a alíquota interna do Estado de
destino e a interestadual. Ex.: 17% (alíquota interna de PE) – 7% (alíquota
interestadual) = 10%. Multiplica-se 10% x 500 mil reais (valor dos produtos). O
resultado dessa operação será dividido entre o Estado de origem e o Estado de
destino.
Essa
divisão será feita com base em percentuais que foram acrescentados no art. 99
do ADCT e que são graduais ao longo dos anos, até que, em 2019, o Estado de
destino ficará com todo o valor da diferença entre a alíquota interestadual e a
interna. Veja:
Art. 99.
Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações
e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte
localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a
alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e
de destino, na seguinte proporção:
I - para
o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta
por cento) para o Estado de origem;
II - para
o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60%
(sessenta por cento) para o Estado de origem;
III -
para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40%
(quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV - para
o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte
por cento) para o Estado de origem;
V - a
partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.
Resumo das regras existentes após a EC
87/2015:
SITUAÇÃO
|
ALÍQUOTAS
APLICÁVEIS
|
QUEM FICA COM O ICMS?
|
1) quando a pessoa tiver adquirido o
produto/serviço como consumidor final e for contribuinte do ICMS.
|
Duas:
1º) alíquota interestadual;
2º) diferença entre a alíquota
interna e a interestadual.
|
Os dois Estados.
* O Estado de origem fica com o valor
obtido com a alíquota interestadual.
* O Estado de destino fica com o
valor obtido com a diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual.
Obs.: o adquirente (destinatário) do
produto ou serviço é quem deverá fazer o recolhimento do imposto
correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
|
2) quando o adquirente for consumidor
final da mercadoria comprada e não for contribuinte do ICMS.
|
Duas:
1º) alíquota interestadual;
2º) diferença entre a alíquota
interna e a interestadual.
|
Os dois Estados.
* O Estado de origem fica com o valor
obtido com a alíquota interestadual.
* O Estado de destino fica com o
valor obtido com a diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual.
Vale ressaltar, no entanto, que, até 2019, o Estado de destino irá dividir
esse valor como Estado de origem em uma tabela de transição prevista no art.
99 do ADCT.
Obs.: o remetente do produto ou
serviço é quem deverá fazer o recolhimento do imposto correspondente à
diferença entre a alíquota interna e a interestadual.
|
3) quando o adquirente não for o
consumidor final do produto adquirido.
|
Interestadual
|
Estado de origem.
Aplica-se a alíquota interestadual,
mas o valor ficará todo com o Estado de origem.
|
QUADRO-COMPARATIVO:
Redação anterior à
EC 87/2015
|
Redação dada pela
EC 87/2015
|
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no
inciso II (ICMS) atenderá
ao seguinte:
VII - em relação às operações e
prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em
outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual,
quando o destinatário for contribuinte do imposto; (regra aplicável à SITUAÇÃO 1)
b) a alíquota interna, quando o
destinatário não for contribuinte dele; (regra que era aplicável à SITUAÇÃO 2)
|
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no
inciso II (ICMS) atenderá
ao seguinte:
VII - nas operações e
prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou
não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota
interestadual e caberá ao Estado de
localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a
alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
a) (revogada);
b) (revogada);
|
VIII - na hipótese da alínea
"a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do
destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e
a interestadual;
|
VIII - a responsabilidade pelo
recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e
a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este
for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o
destinatário não for contribuinte do imposto;
|
PRODUÇÃO DE EFEITOS
Segundo o art. 3º, a EC 87/2015 entra
em vigor na data de sua publicação, mas só começa a produzir efeitos em 2016.
Com isso, o inciso I do art. 99
do ADCT, acrescentado pela EC 87/2015, é inócuo porque fala em 2015, mas neste
ano as novas regras acima explicadas ainda não estão produzindo efeitos.
OBRAS CONSULTADAS
ALEXANDRE,
Ricardo. Direito Tributário esquematizado.
São Paulo: Método, 2013.
SABBAG,
Eduardo. Manual de Direito Tributário.
São Paulo: Saraiva, 2012.
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor