Imagine a seguinte situação adaptada:
João, pilotando imprudentemente sua
lancha, atropela um banhista e foge sem prestar socorro.
Segundo as testemunhas, o
condutor, mesmo percebendo que havia atropelado alguém, não parou nem olhou
para verificar o estado da vítima, seguindo seu caminho em alta velocidade.
Depois que João foi embora,
alguns banhistas ainda levaram a vítima até o hospital tentando socorrê-la, mas
mediante perícia posteriormente realizada ficou provado que, na verdade, a
vítima faleceu instantaneamente em virtude de traumatismo craniado causado pelo
acidente.
O Ministério Público denunciou o
réu imputando-lhe o crime previsto no art. 121, § 3º acrescido da causa de
aumento de pena do § 4º do mesmo artigo:
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é
culposo:
Pena - detenção, de um a
três anos.
Aumento de pena
§ 4º No homicídio culposo,
a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de
regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar
imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou
foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é
aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14
(quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
Tese da defesa
A defesa de João argumentou que
ele não poderia responder pela causa de aumento do § 4º considerando que, em
caso de morte instantânea da vítima, não se aplica a majorante da omissão de
socorro.
A
tese da defesa foi aceita pelo STJ? Todas as vezes em que houver morte
instantânea da vítima ficará afastada a causa de aumento de pena prevista no §
4º do art. 121?
NÃO. No homicídio culposo, a morte instantânea da
vítima não afasta a causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP,
a não ser que o óbito seja evidente, isto é, perceptível por qualquer
pessoa.
O aumento
imposto à pena decorre do total desinteresse pela sorte da vítima.
O fundamento da
norma incriminadora do § 4º do art. 121 é resguardar o dever de solidariedade humana que deve reger as relações na sociedade
brasileira (art. 3º, I, da CF/88). O que pretende a regra em destaque é realçar
a importância da alteridade (preocupação com o outro).
Assim, o
interesse pela integridade da vítima deve ser demonstrado, a despeito da
possibilidade de êxito, ou não, do socorro que possa vir a ser prestado.
Dessa forma, o dever
imposto ao autor do homicídio de tentar socorrer a vítima persiste, a não ser
que seja evidente a morte instantânea, perceptível por qualquer pessoa. Em
outras palavras, havendo dúvida sobre a ocorrência do óbito imediato, compete
ao autor da conduta imprimir os esforços necessários para minimizar as
consequências do fato. Ao agressor, não cabe, no momento do fato, presumir as
condições físicas da vítima, medindo a gravidade das lesões que causou e as
consequências de sua conduta. Tal responsabilidade é do especialista médico,
autoridade científica e legalmente habilitada para, em tais circunstâncias,
estabelecer o momento e a causa da morte.
STJ. 5ª Turma.
HC 269.038-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 2/12/2014 (Info 554).
Essa é também a lição de Cleber
Masson:
“Não tem cabimento a causa de aumento de pena na hipótese de morte instantânea incontestável. Contudo, se houver dúvida quanto à morte, a solidariedade impõe a prestação de socorro, pois a majoração da pena se deve à moralidade da conduta do agente, e não ao resultado naturalístico, inerente a todo e qualquer homicídio.” (Direito Penal esquematizado. Vol. 2., São Paulo: Método, 2014, p. 200).
Possibilidade de o agente
socorrer a vítima
Sobre o tema, é importante também
lembrar que somente incidirá a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º do
CP (omissão de socorro) quando o agente possuir condições de realizar a conduta
exigida, sem que isso comprometa a preservação de sua vida ou integridade
física.
Assim, “(...) não incide o aumento da
pena quando o sujeito deixou de prestar socorro porque não tinha condições de
fazê-lo, seja por questões físicas (exemplo: também foi gravemente ferido pela
conduta que matou a vítima), seja porque o comportamento exigido em lei a ele
representava risco pessoal (exemplo: ameaça de linchamento). (MASSON, Cleber., p. 201).