Imagine a seguinte situação
adaptada:
João adquiriu uma unidade de
apartamento na planta. Quando 70% do prédio estava concluído, a construtora (Encol)
foi à bancarrota (falência). Ele e os demais adquirentes, com recursos
próprios, contrataram uma empreiteira e terminaram o edifício.
Dessa forma, o prédio foi uma
obra realizada em duas fases: a primeira delas, executada pela
construtora/incoporadora (falida) e a segunda, concluída pelos próprios
condôminos.
Débitos previdenciários
O que os condôminos não sabiam é que o
pesadelo ainda não havia chegado ao fim.
A construtora que faliu deixou diversos
débitos previdenciários relacionados com os funcionários que trabalharam na
primeira etapa do prédio.
A Fazenda Nacional entendeu que a
partir do momento em que os condôminos assumiram a conclusão da obra sub-rogaram-se
nos direitos e deveres da construtora falida, de modo que se tornaram
solidariamente responsáveis pelos débitos previdenciários, nos termos do art.
30, VI, da Lei n.° 8.212/91.
Com isso, foi negada a expedição de
certidão negativa de débitos em favor do condomínio.
A posição
da Fazenda Nacional foi acertada? Os condôminos que concluíram a obra podem ser
responsabilizados pelas dívidas previdenciárias do antigo construtor?
NÃO. Na
hipótese de paralisação de edificação de condomínio residencial, em razão da
falência da incorporadora imobiliária, e tendo a obra sido retomada
posteriormente pelos adquirentes das unidades imobiliárias comercializadas (condôminos),
estes NÃO podem ser responsabilizados pelo
pagamento de contribuições previdenciárias referentes à etapa da edificação que
se encontrava sob a responsabilidade exclusiva da incorporadora falida.
STJ. 2ª Turma.
REsp 1.485.379-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/12/2014 (Info 554).
O STJ aplicou, ao caso, o inciso VII do
art. 30 da Lei n.° 8.212/91,
que determina o seguinte:
VII - exclui-se da responsabilidade
solidária perante a Seguridade Social o adquirente de prédio ou unidade
imobiliária que realizar a operação com empresa de comercialização ou
incorporador de imóveis, ficando estes solidariamente responsáveis com o
construtor;
Dessa forma, o construtor (Encol) é
responsável pelas dívidas previdenciárias, mas não o é o adquirente de unidade
imobiliária que realizar a operação com empresa de comercialização ou
incorporador de imóveis.
A lei protege a boa-fé dos adquirentes
que comercializam com empresas construtoras, não só como mecanismo de justiça,
mas também como instrumento de garantia, de forma que as relações contratuais
na área da construção civil se desenvolvam em um sistema de segurança.
No caso, até o momento em que a obra
estava sob a responsabilidade da pessoa jurídica (Encol), é inegável que os
condôminos encontravam-se na condição de meros adquirentes das unidades
comercializadas pela construtora (e não como construtores), não sendo possível,
portanto, imputar aos condôminos a responsabilidade tributária sobre esse
período, já que estariam acobertados pela exceção prevista no inciso VII do
art. 30 da Lei n.° 8.212/91.
As razões expostas no Parecer do
Ministério Público também merecem destaque:
“Quem adquire um imóvel de uma empresa
de comercialização com sólido nome no mercado – como era a ENCOL nos anos 90 (a
obra foi abandonada em meados de 90), acredita estar participando de uma
relação jurídica que lhe satisfará, com segurança, todas as legítimas
expectativas que dela decorrem. (...)
A solução que melhor prestigia os
princípios que regem as relações contratuais, e o respeito ao princípio da
confiança que deve reger a relação do Estado com o administrado, é a prevista
no artigo 30, VII da Lei 8.212⁄91, que isenta os adquirentes da
responsabilidade fiscal em relação à obra executada por construtora ou
incorporadora com a qual contrataram sob a fé de que estariam isentos de
qualquer responsabilidade fiscal, já que tal responsabilidade não só incumbia à
incorporadora, mas integrava o preço que pagaram pelo bem que adquiriram.”
RESUMINDO:
Na hipótese de paralisação de edificação de
condomínio residencial, em razão da falência da incorporadora imobiliária, e
tendo a obra sido retomada posteriormente pelos adquirentes das unidades
imobiliárias comercializadas (condôminos), estes não podem ser
responsabilizados pelo pagamento de contribuições previdenciárias referentes à
etapa da edificação que se encontrava sob a responsabilidade exclusiva da
incorporadora falida.
Assim, se um grupo de condôminos se reúne
e, com recursos próprios, termina o prédio que foi abandonado pela Encol, estes
não poderão ser responsabilizados pelos débitos previdenciários que a antiga
construtora contraiu durante a primeira etapa da obra.
STJ. 2ª Turma.
REsp 1.485.379-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/12/2014 (Info 554).