Dizer o Direito

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Pedido de extradição formulado com base em crime de TERRORISMO praticado no estrangeiro


Imagine a seguinte situação adaptada:
Juan, cidadão peruano, está sendo processado em seu país pela prática do crime de terrorismo.
Vale ressaltar que Juan se encontrava morando no Brasil, razão pela qual a República do Peru requereu a sua extradição.

Tendo como base unicamente esses elementos, será possível que o Brasil conceda a extradição?
NÃO. Um dos requisitos para que o Brasil conceda a extradição é a chamada “dupla tipicidade”, ou seja, que o fato seja considerado crime no Estado estrangeiro de origem e também aqui no Brasil. Esse requisito está previsto no art. 77 do Estatuto do Estrangeiro:
Art. 77. Não se concederá a extradição quando:
 II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;

No caso, não estaria atendida a exigência da dupla tipicidade, senão vejamos:

O que é terrorismo?
O Min. Celso de Mello, de forma precisa, constata que até hoje, “a comunidade internacional foi incapaz de chegar a uma conclusão acerca da definição jurídica do crime de terrorismo, sendo relevante observar que, até o presente momento, já foram elaborados, no âmbito da Organização das Nações Unidas, pelo menos, 13 (treze) instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso universal sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então, sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração dogmática da prática delituosa de atos terroristas”.
Em outras palavras, trata-se ainda de um tema polêmico.
Apesar disso, podemos citar uma definição feita por René Ariel Dotti e que é bastante difundida no âmbito doutrinário:
“o terrorismo pode ser definido como a prática do terror como ação política, procurando alcançar, pelo uso da violência, objetivos que poderiam ou não ser estabelecidos em função do exercício legal da vontade política. Suas características mais destacadas são: a indeterminação do número de vítimas; a generalização da violência contra pessoas e coisas; a liquidação, desativação ou retração da vontade de combater o inimigo predeterminado; a paralisação contra a vontade de reação da população; e o sentimento de insegurança transmitido principalmente pelos meios de comunicação” (Terrorismo e devido processo legal. RCEJ, ano VI, Brasília, set. 2002, p. 27-30 apud LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Niterói: Impetus, 2013, p. 58).

O terrorismo é tipificado como crime no Brasil?
Sobre o tema existem duas correntes:

Sim
NÃO
O terrorismo seria previsto como crime no art. 20 da Lei n.° 7.170/83 (Lei de Crimes Contra a Segurança Nacional):
Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.


Para a maioria da doutrina, contudo, a legislação brasileira ainda não definiu o crime de terrorismo.
“O elemento normativo atos de terrorismo constante do art. 20 da Lei n.° 7.170/83 é tão vago e elástico que não permite ao julgador, por ausência de uma adequada descrição do conteúdo fático desse ato, enquadrar qualquer modalidade da conduta humana. Logo, o crime do art. 20 da Lei n.° 7.170/83 não pode ser tratado como terrorismo, sob pena de evidente violação ao princípio da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa).” (LIMA, Renato Brasileiro de., p. 59).
É a posição de Julio Fabbrini Mirabete, Fernando Capez, Guilherme de Souza Nucci.
É a corrente sustentada por Alberto Silva Franco, José Cretella Neto, Damásio de Jesus, Gilberto Pereira de Oliveira.

Desse modo, para a maioria da doutrina, o terrorismo não é tipificado pela legislação brasileira, não sendo válido o art. 20 da Lei n.° 7.170/83 para criminalizar essa conduta.

A CF/88 afirma que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião” (art. 5º, LII). O terrorismo pode ser considerado um “crime político” e enquadrado nessa proibição do art. 5º, LII? Em outras palavras, mesmo após o terrorismo ser previsto como crime no Brasil, haverá proibição de extradição por causa do art. 5º, LII?
NÃO. O terrorismo não pode ser considerado “crime político” e enquadrado no art. 5º, LII. O óbice que existe atualmente para a concessão de extradição por causa de terrorismo é a inexistência desse crime no Brasil (requisito da dupla tipicidade). Veja como já decidiu o STF:
(...) Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII).  (...)
O terrorismo - que traduz expressão de uma macrodelinquência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos cidadãos e das sociedades organizadas - constitui fenômeno criminoso da mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias bases em que se apóia o Estado democrático de direito, além de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a Constituição do Brasil (art. 5º, LII) reservou aos atos configuradores de criminalidade política.
- A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII da Constituição da República - que veda a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião - não se estende, por tal razão, ao autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a ordem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista. (...)
(STF. Ext 855, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2004)

Duas observações:
• No caso concreto, o motivo principal pelo qual o STF negou a extradição do estrangeiro foi o fato de o Estado requerente não ter apresentado alguns documentos obrigatórios e que foram exigidos pela Corte. Assim, o pedido feito foi instruído de forma insuficiente. Apesar disso, o Ministro Relator avançou na apreciação do tema e fez as considerações acima expostas sobre o terrorismo.

• Mesmo o Brasil não prevendo o crime de terrorismo, seria possível, em tese, que a extradição fosse concedida se o Peru tivesse demonstrado que os atos terroristas praticados pelo réu amoldavam-se em outros tipos penais em nosso país. Ex: o réu praticou terrorismo por meio de homicídios, incêndios, explosões etc. O pedido de extradição não poderia ser deferido com base em terrorismo, mas poderia ter sido autorizado com fundamento em homicídio (ar. 121 do CP), incêndio (art. 250) e explosão (art. 251). Isso porque a dupla tipicidade não é analisada sob o ponto de vista do “nomen juris”, ou seja, do “nome do crime”. O que importa é que aquela conduta seja punida no país de origem e aqui, sendo irrelevantes as diferenças terminológicas.

RESUMINDO:
O terrorismo não é tipificado como crime pela legislação brasileira, não sendo válido o art. 20 da Lei 7.170/83 para criminalizar essa conduta.
Logo, não é cabível que seja concedida extradição de um estrangeiro que praticou crime de terrorismo no Estado de origem, considerando que, pelo fato de o Brasil não ter definido esse crime, não estará presente o requisito da dupla tipicidade.
Vale ressaltar que, mesmo o Brasil não prevendo o crime de terrorismo, seria possível, em tese, que a extradição fosse concedida se o Estado requerente tivesse demonstrado que os atos terroristas praticados pelo réu amoldavam-se em outros tipos penais em nosso país (exs: homicídio, incêndio etc.). Isso porque a dupla tipicidade não é analisada sob o ponto de vista do “nomen juris”, ou seja, do “nome do crime”. O que importa é que aquela conduta seja punida no país de origem e aqui, sendo irrelevantes as diferenças terminológicas. No entanto, no caso concreto, o pedido feito pelo Estado estrangeiro estava instruído de forma insuficiente.
STF. 2ª Turma. PPE 730/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 16/12/2014 (Info 772).



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