Dizer o Direito

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Ghost writer não tem direito de ser reconhecido como autor do livro



“O Doce Veneno do Escorpião”
Em 2005, Raquel Pacheco Machado de Araújo, conhecida pelo pseudônimo de “Bruna Surfistinha” lançou um livro chamado “O Doce Veneno do Escorpião”, onde relata episódios de sua vida como prostituta.
O livro foi escrito pelo jornalista Jorge Tarquini, que colheu os depoimentos da garota e transformou-os no texto do livro. Mesmo antes do livro, Bruna tinha um blog na internet onde já havia contado diversos casos depois narrados na obra.
Vale ressaltar que, apesar de sido responsável por escrever em forma de livro as histórias de “Bruna Surfistinha”, Jorge Tarquini não consta na capa do livro como sendo o seu autor. Isso porque ele atuou como ghost writer (“escritor fantasma”).
Na literatura, o ghost writer normalmente ocorre quando uma pessoa tem uma boa história para contar, ou seja, um bom enredo, mas ela não tem o dom, não domina a técnica da escrita e, por isso, contrata um profissional para escrever essa história.
O profissional que escreve a história ficará oculto (daí o nome, “escritor fantasma”), considerando que, quem aparecerá como autor do livro, é a pessoa que contratou os serviços e que tinha a ideia original da história.
O ghost writer também é muito comum na política, sendo certo que, atualmente, a quase totalidade dos políticos de maior destaque não escreve pessoalmente seus discursos, sendo estes elaborados pelos ghost writers. No caso de Barack Obama, por exemplo, a autoria de seu discurso de posse é atribuída a Jon Favreau, ghost writer que, na época, tinha apenas 27 anos.
No caso de “O Doce Veneno do Escorpião”, o jornalista Jorge Tarquini foi contratado pela Editora para escrever as situações vivenciadas por “Bruna Surfistinha” e que estavam no blog ou na cabeça de Raquel Pacheco, mas que ela não conseguiria colocar no papel de forma tão profissional sem o auxílio do ghost writer.

Sucesso do livro
O que não se imaginava é que o livro, que tinha pretensões modestas, fosse se transformar em um tremendo sucesso, tendo sido traduzido para outros idiomas e adaptado para o cinema, onde foi interpretado por Deborah Secco.
Diante da enorme repercussão da obra, o ghost writer ajuizou ação contra Raquel  e a Editora pedindo que fosse:
a) reconhecido como único e exclusivo titular do direito autoral da obra; e
b) indenizado pelos danos decorrentes da violação dos seus direitos patrimoniais e morais.

O STJ concordou com o pedido do autor?
NÃO. A sentença de 1ª instância, o TJSP e o STJ negaram o pedido do ghost writer.

Segundo decidiram, a personagem e suas histórias, baseadas ou inspiradas em sua vida como prostituta, são criações exclusivas da ré Raquel, anteriores à publicação do livro.

Conforme decidiu o juiz, o ghost writer não criou a personagem e respectivas histórias. Estas foram contadas ao autor ou redigidas pela própria ré em seu blog, antes do livro. Ao jornalista coube apenas a tarefa de redigir o texto do livro com coesão, correção gramatical e estilística e maior apelo comercial. Em outras palavras, o autor prestou serviços como redator, tendo assinado contrato onde estava consignada essa situação.

Dessa forma, o ghost writer sempre teve ampla ciência que não seria considerado autor da obra.

Por conta disso, o STJ decidiu que a autoria da obra pertence exclusivamente a Raquel Pacheco, e não ao ghost writer.

STJ. 3ª Turma. REsp 1387242/SP, Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, julgado em 03/02/2015.


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