Imagine a seguinte situação
adaptada:
Carla, enteada de João, ameaçou
sair de casa após discutir com a mãe.
O padrasto da jovem, imaginando
erroneamente que ela não poderia viajar sem título de eleitor, queimou o
documento.
O Promotor de Justiça denunciou
João pela prática do crime previsto no art. 339 do Código Eleitoral:
Art. 339. Destruir, suprimir ou
ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição:
Pena - reclusão de dois a seis
anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.
A tipificação feita pelo Promotor
foi correta?
NÃO.
Para que haja crime eleitoral,
além de a conduta estar prevista no Código Eleitoral, é necessário que a conduta
do agente tenha por objetivo violar o bem jurídico que a norma tutela, ou seja,
é preciso que o crime tenha sido praticado com objetivo de atingir valores como
a liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e a
preservação do modelo democrático.
A destruição de título eleitoral
da vítima, despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o
intuito, tão somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a
competência da Justiça Eleitoral.
O objetivo do padrasto foi o de
dificultar ou impedir a identificação das vítimas, sem nenhuma vinculação com o
processo eleitoral. Logo, NÃO HOUVE CRIME ELEITORAL.
STJ. 3ª Seção. CC 127101/RS,
julgado em 11/02/2015 (não divulgado em Informativo).
Qual foi, então, o crime
praticado pelo padrasto?
Supressão de documento, previsto
no Código Penal:
Art. 305. Destruir, suprimir ou
ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento
público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:
De quem é a competência para
julgar o delito?
JUSTIÇA FEDERAL COMUM (art. 109,
IV, da CF/88). Isso porque o título de eleitor é um “documento federal”, isto
é, um documento expedido pela Justiça Eleitoral, que é um órgão federal. Dessa
feita, o crime foi praticado em detrimento de um serviço da União.
Resumindo:
A simples existência, no Código Eleitoral,
de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime
eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material de
tal crime.
Sob o aspecto material, deve a conduta
atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a
regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou
seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se
necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que
a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade
do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do
modelo democrático.
A destruição de título eleitoral da vítima,
despida de qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão
somente, de impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça
Eleitoral.
(STJ. 3ª Seção.
CC 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/02/2015)