Dizer o Direito

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Plano de saúde pode ser condenado a custear tratamento experimental em caso de ineficácia dos tratamentos convencionais


Imagine a seguinte situação adaptada:
Pedro, que tinha um plano de saúde da Unimed® de Belo Horizonte, foi diagnosticado com câncer na língua.
O médico oncologista prescreveu um tratamento consistente em quimioterapia utilizando três drogas diferentes (carboplatina, docetaxel e capecitabina).
Ainda de acordo com o médico, esse é o único tratamento indicado para a cura ou controle eficaz dessa espécie de câncer, sendo realizado no Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês em SP.
O plano de saúde recusou-se a custear o tratamento alegando que ele ainda é experimental.
Vale ressaltar que uma das cláusulas do contrato de plano de saúde exclui expressamente a cobertura do plano em caso de tratamentos experimentais.

Tratamento experimental
Tratamento experimental é aquele que emprega fármacos, vacinas, testes, aparelhos ou técnicas que ainda estão sendo objeto de pesquisas, ou que utiliza medicamentos não registrados no país, bem como aquele considerado experimental pelo Conselho Federal de Medicina, ou o tratamento a base de medicamentos com indicações que não constem da bula registrada na ANVISA (Resolução Normativa RN 167/207 ANS).

Ação cominatória
O paciente ajuizou ação cominatória com pedido de tutela antecipada contra o plano de saúde requerendo que ele seja condenado a custear o tratamento.

Contestação
O plano de saúde apresentou contestação, na qual alega que o contrato possui uma cláusula expressa que exclui a cobertura em caso de tratamento experimental e que tal previsão contratual está de acordo com o art. 10, I, da Lei n.° 9.656/98:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
 I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental;

O STJ concordou com o pedido do paciente? O plano de saúde deverá custear o tratamento?
SIM. A seguradora ou operadora de plano de saúde deve custear tratamento experimental existente no País, em instituição de reputação científica reconhecida, de doença listada na CID-OMS, desde que haja indicação médica para tanto, e os médicos que acompanhem o quadro clínico do paciente atestem a ineficácia ou a insuficiência dos tratamentos indicados convencionalmente para a cura ou controle eficaz da doença.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.279.241-SP,  Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/9/2014 (Info 551). 

Realmente, o art. 10, I, da Lei n.° 9.656/98 permite que o plano de saúde deixe de custear tratamentos experimentais. No entanto, segundo decidiu o STJ, esse dispositivo não pode ser interpretado de forma absoluta ou literal, devendo ser lido em conjunto com o art. 12 da mesma Lei.

A interpretação correta do art. 10, I, da Lei n.° 9.656/98, portanto, deve ser a seguinte:

• Se houver tratamento convencional que seja eficaz para ser aplicado ao paciente:
Nesse caso, as operadoras de planos de saúde não podem ser obrigadas a custear tratamentos experimentais. Assim, havendo tratamento convencional, com perspectiva de resposta satisfatória, não pode o paciente, à custa do plano de saúde, optar por tratamento experimental, por considerá-lo mais eficiente ou menos agressivo, pois lhe é disponibilizado tratamento útil, suficiente para atender o mínimo garantido pela Lei.

Se não houver, dentro do protocolo médico, tratamento convencional para a cura ou controle eficaz da doença:
Nesse caso, pode-se prescrever para o paciente um tratamento de natureza experimental, desde que ele exista no Brasil e seja realizado por instituição de reputação científica reconhecida, devendo o a operadora de plano de saúde custear o tratamento.

Assim, a restrição contida no art. 10, I, da Lei n.° 9.656/98 somente deve ter aplicação nas hipóteses em que os tratamentos convencionais mínimos garantidos pelo art. 12 da mesma Lei são de fato úteis e eficazes para o contratante segurado. Em situações em que os tratamentos convencionais se mostram ineficientes, deve a operadora se responsabilizar pelo tratamento experimental, desde que haja indicação médica e seja realizado em instituição de saúde reconhecida, isto é, cientificamente bem reputada.

Vale ressaltar que o STJ não declarou inconstitucional o art. 10, I, da Lei n.° 9.656/98, mas apenas fez uma interpretação sistêmica dele em conjunto com o art. 12 da mesma Lei.


Obs: importante esclarecer que este precedente é apenas de uma Turma do STJ e que o julgamento foi por maioria. Além disso, mesmo entre os Ministros que votaram a favor do paciente houve divergência quanto à fundamentação, tendo um dos Ministros entendido que o tratamento não era experimental. Dessa forma, fica o alerta de que não se trata ainda de um tema pacífico, mas consiste, certamente, em um alento para as pessoas que precisam de tratamentos experimentais como única chance de cura.

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