Dizer o Direito

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O “credit scoring” é prática comercial lícita



Você sabe o que é “credit scoring”?
“Credit scoring”, também chamado de “credscore” é um sistema ou método utilizado para analisar se será concedido ou não crédito ao consumidor que pedir a concessão de um empréstimo ou financiamento.
No “credit scoring”, a pessoa que está pedindo o crédito é avaliada por meio de fórmulas matemáticas, nas quais são consideradas diversas variáveis como a idade, a profissão, a finalidade da obtenção do crédito etc. Tais variáveis são utilizadas nas fórmulas matemáticas e, por meio de ferramentas da estatística, atribui-se uma espécie de pontuação (nota) para a pessoa que está pedindo o crédito. Quanto maior a nota, menor seria o risco de se conceder o crédito para aquele consumidor e, consequentemente, mais fácil para ele conseguir a liberação.
Algumas das informações que são consideradas como variáveis na fórmula matemática do “credit scoring”: idade, sexo, estado civil, profissão, renda, número de dependentes, endereço, histórico de outros créditos que pediu etc.
Com base em estudos estatísticos, concluiu-se que pessoas de determinado sexo, profissão, estado civil, idade etc. são mais ou menos inadimplentes. Logo, se o consumidor está incluído nos critérios considerados como de “bom pagador”, ele recebe uma pontuação maior.

Origem
Segundo o Min. Sanseverino, o “credit scoring” originou-se no EUA, a partir de um trabalho elaborado por David Durand, em 1941, denominado “Risk Elements in Consumer Installment Financing”, em que foi desenvolvida a técnica estatística para se distinguir os bons e os maus empréstimos, atribuindo-se pesos diferentes para cada uma das variáveis presentes.
A partir da década de 60, esse sistema de pontuação de crédito passou a ser amplamente utilizado nos EUA nas operações de crédito ao consumidor, especialmente nas concessões de cartão de crédito.

O “credit scoring” pode ser utilizado no Brasil como sistema de avaliação do risco de concessão de crédito?
SIM. O STJ entendeu que essa prática comercial é LÍCITA, estando autorizada pelo art. 5º, IV e pelo art. 7º, I, da Lei n.° 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo), que, ao tratar sobre os direitos do cadastrado nos bancos de dados, menciona indiretamente a possibilidade de existir a análise de risco de crédito. Confira:
Art. 5º São direitos do cadastrado:
IV - conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise de risco, resguardado o segredo empresarial;
(...)
Art. 7º As informações disponibilizadas nos bancos de dados somente poderão ser utilizadas para:
I - realização de análise de risco de crédito do cadastrado; ou

Limites ao “credit scoring”
Vale ressaltar que para o “credit scoring” ser lícito, é necessário que respeite os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n.° 12.414/2011.

A empresa/instituição que for fazer a análise do crédito não precisa de autorização do consumidor para utilizar o “credit scoring”. No entanto, este poderá solicitar que lhe sejam fornecidos esclarecimentos sobre a fontes dos dados que foram considerados (histórico de crédito), bem como sobre as suas informações pessoais valoradas.  Em outras palavras, o consumidor pode pedir para saber os dados que foram avaliados no seu pedido de análise de crédito.
Por outro lado, nem o consumidor nem ninguém terá direito de saber a metodologia de cálculo, ou seja, qual foi a fórmula matemática e os dados estatísticos utilizados no “credit scoring”. Isso porque essa fórmula é fruto de estudos e investimentos, constituindo segredo da atividade empresarial (art. 5º, IV, da Lei n.° 12.414⁄2011: ..."resguardado o segredo empresarial”).

Além disso, o “credit scoring” deve respeitar as limitações temporais para as informações a serem consideradas, estabelecidas pelo CDC e pela Lei n.° 12.414⁄2011, que são de 5 anos para os registros negativos (CDC) e de 15 anos para o histórico de crédito (Lei n. 12.414⁄2011, art. 14).

Caso haja violação de tais limites
O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring” configura abuso de direito (art. 187 do CC), podendo ensejar:
- a responsabilização objetiva e solidária
- do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente
- pela ocorrência de danos morais
- nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis
- e também nos casos de recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.

Nesse sentido, confira os dispositivos da Lei n.° 12.414/2011 que, inclusive, conceitua o que sejam informações excessivas e sensíveis:

Art. 3º (...)
§ 3º Ficam proibidas as anotações de:
I - informações excessivas, assim consideradas aquelas que não estiverem vinculadas à análise de risco de crédito ao consumidor; e
II - informações sensíveis, assim consideradas aquelas pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas.

Art. 16.  O banco de dados, a fonte e o consulente são responsáveis objetiva e solidariamente pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado.

Ex: na fórmula matemática do “credit scoring” não é possível que uma das variáveis analisadas seja a religião do consumidor, ou seja, seguidores de determinada religião não podem ser considerados como bons ou maus pagadores. Esse não é um critério lícito de ser utilizado por se enquadrar como informação sensível.

Assim, se a nota atribuída ao risco de crédito decorrer da consideração de informações excessivas ou sensíveis, violando a honra e a privacidade do consumidor, haverá dano moral “in re ipsa”.

No mais, para a caracterização de um dano extrapatrimonial, há necessidade de comprovação de uma efetiva recusa de crédito, com base em uma nota de crédito baixa por ter sido fundada em dados incorretos ou desatualizados.

RESUMINDO:
O STJ analisou a validade do chamado sistema “credit scoring”, fixando as seguintes teses:
a) “Credit scoring”, também chamado de “credscore”, é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito);
b) O “credit scoring” é considerado como prática comercial LÍCITA, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo);
c) Vale ressaltar, no entanto, que para o “credit scoring” ser lícito, é necessário que respeite os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei 12.414/2011;
d) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas;
e) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring” configura abuso no exercício desse direito, podendo ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis, bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.419.697-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/11/2014 (recurso repetitivo) (Info 551).



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