Dizer o Direito

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

É válida a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades quando o usuário completar 60 anos de idade?



Imagine a seguinte situação hipotética:
João mantinha um contrato de seguro-saúde. Quando completou 60 anos de idade, a mensalidade por ele paga aumentou significativamente.
Inconformado, João procurou a companhia de seguro, que lhe explicou que existe uma cláusula no seu contrato que autoriza o aumento do valor da mensalidade quando o usuário completa 60 anos.
João procurou a Defensoria Pública, que ajuizou ação contra a seguradora alegando que essa cláusula é ilegal e, portanto, nula de pleno direito, por violar o art. 15, § 3º do Estatuto do Idoso (Lei n.° 10.741/2003):
Art. 15 (...) § 3º É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.

A tese alegada foi aceita pelo STJ? É nula a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade?
NÃO. O STJ decidiu que é VÁLIDA a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade, desde que:
a) haja respeito aos limites e requisitos estabelecidos na Lei n. 9.656/98; e
b) não se apliquem índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.

Segundo o STJ, quanto mais avançada a idade do segurado, independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, maior será seu risco subjetivo, pois normalmente a pessoa de mais idade necessita de serviços de assistência médica com maior frequência do que a que se encontra em uma faixa etária menor. Trata-se de uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser cientificamente confirmado.

Por isso mesmo, os contratos de seguro-saúde normalmente trazem cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado, tendo em vista que os valores cobrados pela seguradora a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio.

Pensando nisso, a Lei n.° 9.656/98 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Saúde) previu expressamente a possibilidade de que a mensalidade do seguro-saúde sofra aumentos a partir do momento em que o segurado mude sua faixa etária, estabelecendo, contudo, algumas restrições a esses reajustes (art. 15).

Posteriormente, em 2003, foi editado o Estatuto do Idoso, que estabeleceu em seu art. 15, § 3º, ser “vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.

A questão que surgiu foi a seguinte: a Lei n.° 10.741/2003 acabou com a possibilidade de cobrança de valores diferenciados em planos de saúde para idosos?

A resposta é NÃO. Segundo o STJ, deve-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a Lei dos Planos de Saúde e o Estatuto do Idoso, a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em conflito.

Para o STJ, não se pode interpretar de forma absoluta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, ou seja, não se pode dizer que, abstratamente, todo e qualquer reajuste que se baseie na idade será abusivo. O que o Estatuto do Idoso quis proibir foi a discriminação contra o idoso, ou seja, o tratamento diferenciado sem qualquer justificativa razoável. Nesse sentido, confira precedente da 2ª Seção:
(...) 2.1. Da análise do artigo 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, depreende-se que resta vedada a cobrança de valores diferenciados com base em critério etário, pelas pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, quando caracterizar discriminação ao idoso, ou seja, a prática de ato tendente a impedir ou dificultar o seu acesso ao direito de contratar por motivo de idade.
2.2. Ao revés, a variação das mensalidades ou prêmios dos planos ou seguros saúde em razão da mudança de faixa etária não configurará ofensa ao princípio constitucional da isonomia, quando baseada em legítimo fator distintivo, a exemplo do incremento do elemento risco nas relações jurídicas de natureza securitária, desde que não evidenciada a aplicação de percentuais desarrazoados, com o condão de compelir o idoso à quebra do vínculo contratual, hipótese em que restará inobservada a cláusula geral da boa-fé objetiva, a qual impõe a adoção de comportamento ético, leal e de cooperação nas fases pré e pós pactual.
2.3. Consequentemente, a previsão de reajuste de mensalidade de plano de saúde em decorrência da mudança de faixa etária de segurado idoso não configura, por si só, cláusula abusiva, devendo sua compatibilidade com a boa-fé objetiva e a equidade ser aferida em cada caso concreto. (...)
(STJ. 2ª Seção. REsp 1280211/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/04/2014)

Resumindo:
Em regra: é VÁLIDA a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que autoriza o aumento das mensalidades do seguro quando o usuário completar 60 anos de idade.

Exceções: essa cláusula será abusiva quando:
1) não respeitar os limites e requisitos estabelecidos na Lei n.° 9.656/98; ou
2) aplicar índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014 (Info 551).



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