Dizer o Direito

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Correios gozam de imunidade tributária mesmo quando atuam em serviços que concorrem com a iniciativa privada



IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (OU INTERGOVERNAMENTAL)

Noções gerais
A CF/88, em seu art. 150, VI, “a”, prevê a chamada imunidade tributária recíproca. Isso significa que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem cobrar impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços, uns dos outros. Vejamos a redação do dispositivo constitucional:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

Essa imunidade funciona como um instrumento de preservação e calibração do pacto federativo, impedindo que os impostos sejam utilizados como instrumento de pressão indireta de um ente sobre outro (Min. Joaquim Barbosa). Ex: se os Municípios tomassem decisões administrativas que desagradassem o Governo Estadual, este poderia, em tese, aumentar os impostos que incidiriam sobre o Poder Público municipal.

Sabbag menciona que essa imunidade tem como fundamento, ainda, o postulado da isonomia dos entes constitucionais. Ora, pelo fato de todos os entes estarem em pé de igualdade, não havendo hierarquia, nenhum deles pode estar sujeito ao poder de tributar do outro (Manual de Direito Tributário.5ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 254).

A imunidade tributária recíproca possui status de cláusula pétrea porque ela é um instrumento de proteção da forma federativa (art. 60, § 4º, I, da CF/88).

Autarquias e fundações
As autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público também gozam da imunidade tributária recíproca, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Isso está previsto expressamente no § 2º do art. 150 da CF/88:
§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Empresas públicas e sociedades de economia mista
Embora a CF/88 reconheça a imunidade recíproca apenas às pessoas políticas (Administração direta), autarquias e fundações, a jurisprudência estende o benefício também às empresas públicas e às sociedades de economia mista, desde que prestadoras de serviço público.
Assim, as empresas públicas e sociedades de economia mista que desempenham serviços públicos também desfrutam da referida imunidade.
Por outro lado, se a empresa pública ou sociedade de economia mista explorar atividade econômica, não irá gozar do benefício porque a ela deve ser aplicado o mesmo regime jurídico da iniciativa privada (art. 173, § 1º, II, da CF/88).
O exemplo mais comum de empresa pública que goza de imunidade recíproca é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Isso porque os Correios são entendidos como uma empresa prestadora de serviço público obrigatório e exclusivo do Estado e não como exploradora de atividade econômica, embora também ofereçam serviços dessa natureza.

Serviço de transporte de bens e mercadorias realizado pela ECT
Como vimos acima, os Correios gozam de imunidade tributária porque são uma empresa pública que desempenha serviços públicos. Até aqui tudo bem.
Ocorre que os Correios, além das atividades que desenvolvem de forma exclusiva, como é o caso da entrega de cartas, também realizam alguns serviços em concorrência com a iniciativa privada (ex: entrega de encomendas).

Atividades que são privilégio (“monopólio”) da ECT
(previstas no art. 9º da Lei 6.538/78)
Atividades que são exercidas pela ECT, sendo também permitidas à iniciativa privada
Entrega de:
1) Cartas pessoais
2) Cartas comerciais, aí incluídas:
• cobranças comerciais como faturas de cartões de crédito, carnês, talões de cheques
• cobranças de tributos
• todas as correspondências para um destinatário específico.
3) Cartões postais
Entrega de:
1) Impressos diversos como jornais, revistas, catálogos de mala direta.
2) Encomendas em geral (livros, celulares, computadores etc).

A pergunta que surge é a seguinte:
Quando os Correios realizam o serviço de transporte de bens e mercadorias, concorrendo, portanto, com a iniciativa privada, mesmo assim eles gozam de imunidade? Ficam livres de pagar ICMS?
SIM. O STF decidiu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT goza de imunidade tributária recíproca mesmo quando realiza o transporte de bens e mercadorias.
Assim, não incide o ICMS sobre o serviço de transporte de bens e mercadorias realizado pelos Correios.
O transporte de bens e mercadorias, apesar de ser também desempenhado por empresas privadas, é previsto na Lei n.° 6.538/78 como sendo uma espécie de serviço postal. Veja:
Art. 7º Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento.
(...)
§ 3º - Constitui serviço postal relativo a encomendas a remessa e entrega de objetos, com ou sem valor mercantil, por via postal.

Sendo serviço postal, a ECT é obrigada a realizar mesmo para os lugares mais distantes do Brasil por se tratar de uma empresa pública. Assim, por exemplo, existentes localidades onde as empresas privadas não fazem entregas por não ser economicamente viável, os Correios, no entanto, têm o dever de entregar. A imunidade é uma forma de compensar tais peculiaridades.

Além disso, esses serviços de transporte de bens e mercadorias constituem-se na maior fonte de arrecadação de recursos para os Correios e tais verbas são posteriormente destinadas a financiar os serviços postais menos rentáveis, como a entrega de cartas, que tem ainda hoje uma grande importância social. Desse modo, a imunidade tributária para a entrega de encomendas dos Correios é uma forma de conferir subsídio cruzado para os demais serviços postais.

Em suma, as atividades exercidas pelos Correios sob regime concorrencial (ex: Sedex) acabam custeando as outras atividades desempenhadas sob o regime constitucional de monopólio (privilégio), como é o caso da carta social (que custa apenas alguns centavos). Percebe-se, portanto, que esse modelo cruzado de financiamento dos Correios é a forma encontrada para tornar possível a integração nacional e dar exequibilidade ao direito básico do indivíduo de se comunicar com outras pessoas ou instituições pela via postal.

Vale ressaltar que o STF, ao examinar a incidência ou não de IPTU nos imóveis da ECT, já tinha deixado claro que, para fins de imunidade tributária, é irrelevante que os Correios exerçam naquele imóvel, simultaneamente, atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Isso porque, conforme já explicado, o serviço postal possui peculiaridades que justificam esse tratamento diferenciado (STF. Plenário. RE 601392, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/02/2013).

Resumindo:
Os Correios gozam de imunidade tributária porque são uma empresa pública que desempenha serviços públicos.
Ocorre que os Correios, além das atividades que desenvolvem de forma exclusiva, como é o caso da entrega de cartas, também realizam alguns serviços em concorrência com a iniciativa privada (ex: entrega de encomendas).
Quando os Correios realizam o serviço de transporte de bens e mercadorias, concorrendo, portanto, com a iniciativa privada, mesmo assim eles gozam de imunidade? Ficam livres de pagar ICMS?
SIM. O STF decidiu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT goza de imunidade tributária recíproca mesmo quando realiza o transporte de bens e mercadorias. Assim, não incide o ICMS sobre o serviço de transporte de bens e mercadorias realizado pelos Correios.
STF. Plenário. RE 627051/PE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/11/2014 (Info 767).



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