Dizer o Direito

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Lei 13.058/2014: determina que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz aplicará a guarda compartilhada



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje mais uma importante novidade legislativa.

Vamos conhecer um pouco mais sobre a nova Lei.

Sobre o que trata a nova Lei?
A Lei n.° 13.058/2014 altera alguns artigos do Código Civil para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação.
Antes de verificar o que dispõe a lei, vamos relembrar alguns conceitos sobre guarda.

Espécies de guarda
Existem quatro espécies de guarda, duas delas estão previstas no Código Civil e duas outras são criações da doutrina que, apesar de não serem fixadas judicialmente, algumas vezes são verificadas na prática.

a) UNILATERAL (EXCLUSIVA):
Ocorre quando o pai ou a mãe fica com a guarda e a outra pessoa possuirá apenas o direito de visitas.
Segundo a definição do Código Civil, a guarda unilateral é aquela “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua” (art. 1.583, § 1º).
Ainda hoje é bastante comum.
Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que Maria ficará com a guarda da filha de 5 anos e o pai tem direito de visitas aos finais de semana.

Vale ressaltar que, se for fixada a guarda unilateral, o pai ou a mãe que ficar sem a guarda continuará com o dever de supervisionar os interesses dos filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (§ 5º do art. 1.583).
Pensando nisso, a Lei n.° 13.058/2014 acrescentou no art. 1.583 do Código Civil o § 6º prevendo que os estabelecimentos públicos e privados são obrigados a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.

b) COMPARTILHADA (CONJUNTA):
Ocorre quando o pai e a mãe são responsáveis pela guarda do filho.
A guarda é de responsabilidade de ambos e as decisões a respeito do filho são tomadas em conjunto, baseadas no diálogo e consenso.
Segundo o Código Civil, entende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.” (art. 1.583, § 1º).
É considerada a melhor espécie de guarda porque o filho tem a possibilidade de conviver com ambos e os pais, por sua vez, sentem-se igualmente responsáveis.
Vale ressaltar que nessa espécie de guarda, apesar de tanto o pai como a mãe possuírem a guarda, o filho mora apenas com um dos dois.
Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que a filha do casal ficará morando com a mãe; apesar disso, tanto Maria como João terão a guarda compartilhada (conjunta) da criança, de forma que ela irá conviver constantemente com ambos e as decisões sobre ela serão tomadas em conjunto pelos pais.

c) ALTERNADA
Ocorre quando o pai e a mãe se revezam em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas.
Em outras palavras, é aquela na qual durante alguns dias a mãe terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o pai terá a guarda exclusiva.
Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que durante uma semana a filha do casal ficará morando com a mãe (e o pai não pode interferir durante esse tempo) e, na semana seguinte, a filha ficará vivendo com o pai (que terá a guarda exclusiva nesse período).
“Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança. Com tom didático, pode-se dizer que essa é a guarda pingue-pongue, pois a criança permanece como cada um dos genitores por períodos ininterruptos. Alguns a denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua malinha ou mochila para ir à outra casa. É altamente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, recebendo tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna.” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2013, p. 1224).

d) ANINHAMENTO (NIDAÇÃO)
Ocorre quando a criança permanece na mesma casa onde morava e os pais, de forma alternada, se revezam na sua companhia.
Assim, é o contrário da guarda alternada, já que são os pais que, durante determinados períodos, se mudam.
Ex: João e Maria se divorciaram; ficou combinado que a filha do casal ficará morando no mesmo apartamento onde residia e no qual já possui seus amiguinhos na vizinhança. Durante uma semana, a mãe ficará morando no apartamento com a criança (e o pai não pode interferir durante esse tempo). Na semana seguinte, a mãe se muda temporariamente para outro lugar e o pai ficará vivendo no apartamento com a filha.
Defendida por alguns como uma forma de a criança não sofrer transtornos psicológicos por ter que abandonar o meio em que já vivia e estava familiarizada. Apesar disso, é bastante rara devido aos inconvenientes práticos de sua implementação.
A palavra “aninhamento” vem de “aninhar”, ou seja, colocar em um ninho. Transmite a ideia de que a criança permanecerá no mesmo ninho (mesmo lar) e os seus pais é quem se revezarão em sua companhia.

Como já dito acima, o Código Civil somente fala em unilateral ou compartilhada (art. 1.583), mas as demais espécies também existem na prática.

Como é definida a espécie de guarda que será aplicada?
a) A guarda será definida por consenso entre o pai e a mãe; ou
b) se não houver acordo, será decretada pelo juiz.

Quando o magistrado for fixar a guarda, deverá levar em consideração as necessidades específicas do filho e a distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e a mãe.

Sempre que possível, deve ser tentada a conciliação
Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte (art. 1.585 do CC).
Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas (§ 1º do art. 1.584) como uma forma de estimular o acordo.

Caso não tenha havido acordo, qual é a espécie de guarda que o juiz deverá preferencialmente determinar?
Essa foi uma das alterações impostas pela Lei n.° 13.058/2014.
Com a novidade legislativa, a situação agora passa a ser a seguinte:

Regra: quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz irá aplicar a guarda compartilhada.

Exceções:
Não será aplicada a guarda compartilhada se:
a) um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar; ou
b) um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.


A doutrina em geral aplaude essa inovação legal?
Não. Antes mesmo de ser sancionada a lei, o projeto de lei já recebeu críticas de diversos doutrinadores. Isso porque ela praticamente impõe aos pais algo que, na prática, não funciona se não for consensual.
A guarda compartilhada exige como pressuposto que haja um mínimo de convivência harmônica entre os pais, já que as decisões a respeito do filho deverão ser tomadas em conjunto, com base no diálogo e consenso.
Ora, se os pais da criança não gozam de uma relação harmoniosa, é extremamente improvável que consigam dialogar e decidir, de forma amistosa, pontos conflituosos em relação ao filho, como, por exemplo, a escola em que ele irá estudar, o tempo que cada um passará com a criança, as obrigações de cada genitor etc.
Na guarda compartilhada muito pouco adianta que tais cláusulas sejam impostas pelo juiz porque o Poder Judiciário não terá condições de acompanhar, na prática, o cumprimento de tais medidas e a sua efetividade será mínima se não houver disposição e compromisso dos pais em respeitá-las.
Enfim, apesar de a guarda compartilhada ser a espécie ideal, ela tem que ser conquistada com a conscientização e nunca pela imposição, o que gerará um efeito inverso e talvez acirre o relacionamento já desgastado dos pais da criança.

Regras sobre a guarda compartilhada trazidas pela lei
Além de fixar a guarda compartilhada como prioridade, a lei também trouxe algumas regras para disciplinar essa espécie de guarda. Vejamos:

Tempo de convivência
Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (§ 2º do art. 1.583).

Orientação técnico-profissional
Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (§ 3º do art. 1.584 do CC).
Assim, com a ajuda de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, o juiz já deverá estabelecer as atribuições que caberão a cada um dos pais e o tempo de convivência com o filho.
Ex: João irá buscar o filho no colégio todos os dias às 12h; no período da tarde, a criança continuará na companhia do pai e às 18h, ele deverá deixá-lo na casa da mãe.

E se os pais morarem em cidades diferentes?
A Lei estabeleceu que a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (§ 3º do art. 1.584).

Dever de os estabelecimentos públicos e privados prestarem informações aos pais
Tanto na guarda compartilhada como na guarda unilateral, tanto o pai como a mãe possuem o direito de acompanhar e fiscalizar a educação e saúde de seus filhos.
Pensando nisso, e a fim de evitar qualquer embaraço, a Lei n.° 13.058/2014 acrescentou o § 6º ao art. 1.584 do CC, com a seguinte redação:
§ 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.

Essa regra vale mesmo que o pai (ou a mãe) que esteja requerendo a informação não detenha a guarda do filho. Ex: João e Maria divorciaram-se e a mãe ficou com a guarda exclusiva da criança; determinado dia, João foi até o colégio de sua filha para ter acesso às notas do boletim escolar, tendo a escola negado acesso afirmando que somente a mãe poderia obtê-lo. Esse estabelecimento de ensino poderá ser multado na forma do § 6º do art. 1.584 do CC. O mesmo vale para um hospital, por exemplo.

Essa multa deve ser cobrada na via judicial (Justiça Estadual / Vara de Família), devendo o pai (ou a mãe) comprovar que fez a solicitação não atendida.

Descumprimento das regras
A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. (§ 4º do art. 1.584).

A guarda pode ser deferida para outra pessoa que não seja o pai ou a mãe?
SIM. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (§ 5º do art. 1.584).
O exemplo mais comum dessa situação é a guarda atribuída aos avós.

Poder familiar
Por fim, a Lei n.° 13.058/2014 alterou o art. 1.634 do Código Civil, que trata sobre o poder familiar. Vejamos o que mudou:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

A redação do caput do art. 1.634 foi apenas atualizada, não tendo havido modificação substancial. Confira o caput anterior:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

Não houve alteração, sendo exatamente a mesma redação do inciso I anterior.

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

A redação desse inciso II foi melhorada, suprimindo a expressão “companhia” que não era adequada, mantendo-se apenas “guarda”. Confira o inciso II anterior:
II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

Não houve alteração, sendo exatamente a mesma redação do inciso III anterior.

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

Trata-se de novidade no Código Civil. Vale ressaltar, no entanto, que esse consentimento já era exigido no ECA. Confira:
Art. 83. Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial.
(...)
Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se a criança ou adolescente:
I - estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
II - viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida.

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

Trata-se de novidade no Código Civil.

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

Houve apenas alteração da numeração do inciso, , sendo exatamente a mesma redação do inciso IV anterior. Confira:
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

Não houve alteração substancial, sendo praticamente a mesma redação do inciso V anterior. Confira:
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

Houve apenas alteração da numeração do inciso, sendo exatamente a mesma redação do inciso VI anterior. Confira:
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Houve apenas alteração da numeração do inciso, sendo exatamente a mesma redação do inciso VII anterior. Confira:
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.


Márcio André Lopes Cavalcante
Professor


Dizer o Direito!