Dizer o Direito

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

É cabível indenização do DPVAT por morte do feto em acidente de trânsito: mais um passo rumo à teoria concepcionista


Em que consiste o DPVAT?
O DPVAT é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não.
Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros.
Ex: dois carros batem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez.
Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente.
O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei?
• no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima)
• no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima)
• no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso à cada vítima.

Desse modo, a Lei nº 6.194/74 (Lei do DVAT) afirma que somente deverão ser pagas indenizações nas situações de morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares.

Em se tratando de morte, quem receberá a indenização serão os herdeiros do falecido, na forma do art. 792 do Código Civil:
Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária.


Morte de nascituro

A Lei do DPVAT prevê que a indenização será paga aos herdeiros em caso de morte, não falando expressamente em situações de morte de nascituro (feto). Isso sempre gerou intensas polêmicas: quando a lei fala em morte, inclui o aborto, ou seja, o fim da existência do feto?

Imagine que Maria estava dirigindo seu carro quando se envolveu em um acidente que ocasionou o aborto do feto de 4 meses que estava esperando. Maria terá direito de receber a indenização do DPVAT pela morte do nascituro?
SIM. O STJ decidiu que a beneficiária legal de seguro DPVAT que teve a sua gestação interrompida em razão de acidente de trânsito tem direito ao recebimento da indenização prevista no art. 3º, I, da Lei 6.194/1974, devida no caso de morte.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014 (Info 547).

Obs: já havia outro precedente do STJ no mesmo sentido:
(...) 1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação.
2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.
3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.
4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº 6.194/74 (arts. 3º e 4º). (...)
(STJ. 3ª Turma. REsp 1120676/SC, Rel. p/ Acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 07/12/2010)

A resposta a essa indagação passa pela discussão sobre a natureza jurídica do nascituro.

O art. 2º do CC/2002 estabelece o seguinte:
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Podemos destacar três teorias principais que tentam explicar esse dispositivo:
NATALISTA
PERSONALIDADE CONDICIONAL
CONCEPCIONISTA
A personalidade jurídica só se inicia com o nascimento.
O nascituro não pode ser considerado pessoa. Só será pessoa quando nascer com vida.
A personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas o nascituro titulariza direitos submetidos à condição suspensiva (ou direitos eventuais).
A personalidade jurídica se inicia com a concepção, muito embora alguns direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento.
O nascituro é pessoa desde o momento em que ele é concebido (o nascituro é um sujeito de direitos).
O nascituro tem apenas expectativa de direitos.
O nascituro possui direitos sob condição suspensiva.
O nascituro possui direitos.
Sílvio Rodrigues, Caio Mário, Sílvio Venosa.
Washington de Barros Monteiro, Arnaldo Rizzardo.
Silmara Chinellato e a grande maioria da doutrina.

No REsp 1.415.727-SC, o Min. Relator Luis Felipe Salomão (sempre genial) afirmou expressamente que, em sua opinião, “o ordenamento jurídico como um todo – e não apenas o Código Civil de 2002 – alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea”.

Para o Ministro, mesmo que se diga que a personalidade jurídica se inicia com o nascimento, ainda assim é forço concluir que o nascituro já deve ser considerado como pessoa. Caso contrário, não se vislumbraria nenhum sentido lógico na fórmula “a personalidade civil da pessoa começa” (art. 2º), se ambas – pessoa e personalidade civil – tivessem como começo o mesmo acontecimento.

Portanto, o aborto causado pelo acidente de trânsito subsume-se ao comando normativo do art. 3º, I, da Lei 6.194/74, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina.

Trata-se de mais um passo rumo à plena adoção da teoria CONCEPCIONISTA pelos Tribunais brasileiros.



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