Olá amigos do Dizer o Direito,
O concurso da DPU está se
aproximando, muitos de vocês estão estudando firme e, como havia prometido,
irei, sempre que possível, destacar alguns temas que podem ser cobrados na
prova.
O assunto de hoje é homologação
de sentença estrangeira. Até aí, tudo bem. Provavelmente você está estudando o
tema até porque é uma das grandes atuações da DPU em Brasília. No entanto,
quero destacar hoje uma peculiaridade: a homologação de sentença estrangeira
que trate sobre guarda e alimentos de filhos.
Vejamos:
A decisão proferida pelo Poder
Judiciário de um país produz efeitos em outro Estado soberano?
A princípio não, porque uma das
manifestações da soberania é o fato do Poder Judiciário do próprio país ser o
responsável pela resolução dos conflitos de interesses.
Assim, a princípio, uma decisão
proferida pela Justiça dos EUA ou de Portugal, por exemplo, não tem força
obrigatória no Brasil, considerando que, por sermos um país soberano, a função
de dizer o direito é atribuída ao Poder Judiciário brasileiro.
Pode ser necessário, no entanto, que
uma decisão no exterior tenha que ter eficácia no Brasil. Como fazer para que
isso ocorra?
Para que uma decisão proferida pelo
Poder Judiciário de outro país possa ser executada no Brasil é necessário que
passe por um processo de “reconhecimento” ou “ratificação” feito pela Justiça
brasileira. A isso chamamos de homologação de sentença estrageira.
“O processo de homologação de sentença
estrangeira visa aferir a possibilidade de decisões estrangeiras produzirem
efeitos dentro da ordem jurídica nacional” (MARINONI, Luiz Guilherme;
MITIDIERO, Daniel. Código de Processo
Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 489).
Somente após esta homologação, a
sentença estrangeira terá eficácia no Brasil.
Como ressalta Paulo Portela, “uma vez
homologada, a sentença poderá produzir os mesmos efeitos de uma sentença
nacional” (Direito internacional público
e privado. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 562).
No Brasil, quem é o órgão competente
para análise e homologação de sentenças estrangeiras?
O Superior Tribunal de Justiça (art.
105, I, “i”, da CF/88).
Obs.1: o STJ passou a ser competente
para homologar sentenças estrangeiras por força da EC 45/04. Antes desta
alteração, a competência era do STF.
Obs.2: cuidado ao ler o art. 483 do CPC
porque ele menciona o STF, mas tal previsão foi revogada pela EC 45/04, que
previu o STJ como órgão jurisdicional competente para homologação de sentença
estrangeira.
Obs.3: atualmente,
a homologação de sentença estrangeira é regulamentada pela Resolução nº 9/2005
do STJ.
Quais são os requisitos que o STJ
analisa ao homologar uma sentença estrangeira?
Para que a sentença estrangeira seja
homologada, é necessário que:
I – a sentença tenha sido proferida no
exterior por autoridade competente;
II – as partes tenham sido citadas ou
que tenha havido legalmente a revelia;
III – tenha havido o trânsito em
julgado da sentença;
IV – a sentença estrangeira esteja
autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor
oficial ou juramentado no Brasil;
V – a sentença estrangeira não viole a
soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública (a sentença estrangeira
também não poderá violar uma sentença brasileira transitada em julgado porque
haveria aí uma afronta à soberania nacional).
Súmula 420-STF: Não se homologa
sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.
Feitas as considerações acima,
imagine agora a seguinte situação adaptada:
John (americano) e Juliana
(brasileira) eram casados e viviam nos EUA.
O relacionamento começou a não
mais dar certo e Juliana voltou para o Brasil com os filhos, enquanto John
permaneceu em solo estadunidense.
John deu entrada no pedido de
divórcio nos EUA, tendo sido Juliana regulamente citada, no Brasil, por meio de
carta rogatória.
Em 2008, foi proferida a sentença
de divórcio, nos EUA, na qual ficou estabelecido que o pai ficaria com a guarda
dos filhos. Houve trânsito em julgado.
Em 2009, Juliana ajuizou ação de
guarda na vara de família de Belo Horizonte (MG), tendo o juiz deferido a
guarda exclusiva para a mãe.
O juiz brasileiro poderia ter
deferido a guarda mesmo havendo sentença estrangeira que preenchia todos os
requisitos necessários para ser homologada no Brasil?
SIM. O art. 35 do ECA estabelece
que “a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial
fundamentado, ouvido o Ministério Público”, o que significa que a existência de
sentença estrangeira transitada em julgado não impede a instauração de ação de
guarda perante o Poder Judiciário brasileiro, eis que a sentença de guarda e
alimentos não é imutável.
Em 2010, John requereu a
homologação da sentença estrangeira no Brasil. Esse pedido poderá ser deferido,
inclusive quanto à questão da guarda?
NÃO. A sentença estrangeira –
ainda que preencha adequadamente os requisitos indispensáveis à sua
homologação, previstos no art. 5° da Resolução 9/2005 do RISTJ – não pode ser
homologada na parte em que verse sobre guarda ou
alimentos quando já exista decisão do Judiciário Brasileiro acerca do
mesmo assunto, mesmo que esta decisão tenha sido proferida em caráter
provisório e após o trânsito em julgado daquela.
Como visto acima, o fato de já
ter sido proferida uma sentença estrangeira tratando sobre guarda e alimentos,
não impede que a questão seja reapreciada pela Justiça brasileira considerando
que esses temas (guarda e alimentos) são relações de caráter continuativo, ou
seja, que variam de acordo com a situação do momento (ex: no dia de ontem, era
melhor que a guarda estivesse com o pai, o que não significa necessariamente
que hoje isso continue sendo verdadeiro).
Na presente situação, como já há
uma decisão do Poder Judiciário brasileiro em sentido contrário à sentença
estrangeira, se esta fosse homologada nesta parte (guarda) haveria uma ofensa à
soberania da jurisdição nacional.
Logo, no caso concreto, a
sentença estrangeira poderá ser homologada no capítulo que trata sobre o
divórcio, mas não no que se refere à guarda.
RESUMINDO:
Em
2008, John (americano) e Juliana (brasileira) se divorciaram nos EUA e a
sentença transitada em julgado determinou que a guarda ficasse com o pai.
Em
2009, Juliana ajuizou ação de guarda no Brasil e o juiz brasileiro concedeu a
guarda à mãe. Ressalte-se que a existência de sentença estrangeira transitada
em julgado não impede a instauração de ação de guarda perante o Poder
Judiciário brasileiro, eis que a sentença de guarda e alimentos não é imutável
(art. 43 do ECA).
Em
2010, John pede a homologação da sentença estrangeira no Brasil.
Essa
sentença estrangeira não poderá ser homologada. A sentença estrangeira não pode
ser homologada na parte em que verse sobre guarda ou alimentos quando já exista
decisão do Judiciário Brasileiro acerca do mesmo assunto, mesmo que esta
decisão tenha sido proferida em caráter provisório e após o trânsito em julgado
daquela. Se fosse homologada haveria afronta à soberania da jurisdição
nacional.
STJ.
Corte Especial. SEC 6.485-EX, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 03/09/2014
(Info 548).