Dizer o Direito

sábado, 6 de dezembro de 2014

A consumação do descaminho dispensa constituição definitiva do crédito tributário, mas a anulação da autuação pode influenciar no processo criminal



Descaminho
O delito de descaminho está previsto no art. 334 do Código Penal com a seguinte redação:
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

O descaminho é crime tributário material? Para o ajuizamento da ação penal é necessária a constituição definitiva do crédito tributário? Aplica-se a Súmula Vinculante 24 ao descaminho?
NÃO. Tanto o STJ como o STF entendem que o descaminho é crime tributário FORMAL. Logo, para que seja proposta ação penal por descaminho não é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário.
Não se aplica a Súmula Vinculante 24 do STF.
O crime se consuma com a simples conduta de iludir o Estado quanto ao pagamento dos tributos devidos quando da importação ou exportação de mercadorias.
Obs: a 6ª Turma do STJ resistia em adotar esse entendimento, mas agora também passou a decidir no mesmo sentido.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.343.463-BA, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/3/2014 (Info 548).
STF. 2ª Turma. HC 122325, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 27⁄05⁄2014.

Sendo o descaminho um crime formal, e sendo desnecessária a constituição definitiva, a ação penal imputando o descaminho pode ser proposta mesmo que ainda não tenha sido concluído o processo administrativo ou a execução fiscal acerca do crédito tributário. As instâncias administrativa, cível e penal são independentes. No entanto, imagine que, antes de ser julgado o processo criminal, chega ao fim o processo administrativo ou o processo cível e estes concluem que não houve importação irregular, razão pela qual a autuação tributária é anulada. Nesse caso, a decisão administrativa ou do processo cível irá repercutir no processo criminal?
SIM. Ainda que o descaminho seja delito de natureza formal, a decisão administrativa ou judicial que conclui pela inexistência de importação irregular de mercadorias e anula o auto de infração repercute na própria tipicidade do fato. Em simples palavras, não tendo havido importação irregular, não há crime.
Se a decisão judicial no processo cível foi apenas de 1ª instância, o juiz criminal poderá até mesmo suspender o processo penal até o trânsito em julgado da ação civil considerando que se trata de questão prejudicial externa facultativa, disciplinada pelo art. 93 do CPP:
Art. 93.  Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.

Confira ementa de julgado do STJ nesse sentido:
(...) 2. Sendo desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para a tipificação do delito, não fica a ação penal instaurada para a apuração de crime de descaminho no aguardo de processo administrativo, ação judicial ou execução fiscal acerca do crédito tributário, tendo em vista a independência entre as esferas.
3. Todavia, a existência de decisão administrativa ou judicial favorável ao contribuinte provoca inegável repercussão na própria tipificação do delito, caracterizando questão prejudicial externa facultativa que autoriza a suspensão do processo penal, a teor do artigo 93 do Código de Processo Penal.
4. Assim, ainda que o descaminho seja delito de natureza formal, a decisão judicial que conclui pela inexistência de importação irregular de mercadorias e anula o auto de infração, o relatório de perdimento e o processo administrativo fiscal repercute na própria tipicidade do fato, constituindo questão prejudicial externa que justifica e até recomenda a suspensão do processo penal instaurado até o trânsito em julgado da ação civil. (...)
STJ. 6ª Turma. REsp 1413829/CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 11/11/2014.


RESUMINDO:
O descaminho é crime tributário FORMAL. Logo, para que seja proposta ação penal por descaminho não é necessária a prévia constituição definitiva do crédito tributário.
Não se aplica a Súmula Vinculante 24 do STF.
O crime se consuma com a simples conduta de iludir o Estado quanto ao pagamento dos tributos devidos quando da importação ou exportação de mercadorias.
No entanto, ainda que o descaminho seja delito de natureza formal, a decisão administrativa ou judicial que conclui pela inexistência de importação irregular de mercadorias e anula o auto de infração repercute na própria tipicidade do fato. Em simples palavras, não tendo havido importação irregular, não há crime.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.343.463-BA, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/3/2014 (Info 548).
STJ. 6ª Turma. REsp 1413829/CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 11/11/2014.



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