quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Legitimidade da redução das remunerações recebidas acima do teto constitucional (art. 37, XI, da CF/88)
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Teto remuneratório
A CF/88 prevê, em seu art. 37, XI, o
chamado “teto remuneratório”, ou seja, o valor máximo que os agentes públicos
podem receber no país. O objetivo do constituinte foi o de evitar que alguns
agentes públicos recebessem os chamados “supersalários”, que são incompatíveis
com o serviço público.
Além de um teto geral (nacional), o
dispositivo constitucional prevê limites específicos para o âmbito dos Estados
e Municípios (chamados de subtetos).
O teto geral do serviço público no
Brasil é o subsídio dos Ministros do STF que, atualmente, está em cerca de 30
mil reais.
Obs: o Min. Teori Zavascki denomina o
teto remuneratório de “teto
de retribuição”, expressão que pode ser cobrada em sua prova.
A quem se aplica o teto?
Aplica-se aos agentes públicos
independentemente do tipo de vínculo: estatutário, celetista, temporário,
comissionado, político.
O teto se aplica à Administração direta
e indireta?
• Agentes públicos da administração
direta: SEMPRE
• Agentes públicos das autarquias e
fundações: SEMPRE
• Empregados públicos das empresas
públicas e sociedades de economia mista: o teto somente se aplica se a empresa
pública ou a sociedade de economia mista receber recursos da União, dos
Estados, do DF ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de
custeio em geral (art. 37, § 9º).
Quais as parcelas incluídas nesse
limite?
Regra: o teto abrange todas as espécies
remuneratórias e todas as parcelas integrantes do valor total percebido,
incluídas as vantagens pessoais ou quaisquer outras.
Exeções:
Estão fora do teto as seguintes verbas:
a) Parcelas de caráter indenizatório
previstas em lei (§ 11 do art. 37);
b) Verbas que correspondam aos direitos
sociais previstos no art. 7º c/c o art. 39, § 3º da CF/88, tais como 13º
salário, 1/3 constitucional de férias etc. (Fernanda Marinela);
c) Quantias recebidas pelo servidor a
título de abono de permanência em serviço (§ 19 do art. 40);
d) Remuneração em caso de acumulação
legítima de cargos públicos. O STJ entende que, se o servidor acumular dois
cargos públicos nas hipóteses previstas na CF/88 a remuneração de cada cargo
não poderá ser superior ao teto constitucional, sendo possível, no entanto, que
a soma dos dois ultrapasse esse limite (STJ. 2ª T. AgRg no AgRg no RMS
33.100/DF, Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013). Ex: se
determinado Ministro do STF for também professor da UnB, ele irá receber seu
subsídio integral como Ministro e mais a remuneração decorrente do magistério.
Nesse caso, o teto seria considerado especificamente para cada cargo, sendo
permitido que ele recebesse acima do limite previsto no art. 37, XI da CF se
considerarmos seus ganhos globais.
Os proventos recebidos pelo agente
público aposentado também estão submetidos ao teto?
SIM. A redação do art. 37, XI, menciona
expressamente os proventos.
O teto remuneratório existe desde
quando?
A redação originária da CF/88 já
previa a existência de um teto remuneratório, mas o dispositivo constitucional
não era autoaplicável. Assim, na prática, o teto só foi implementado com a EC n.° 41/2003. Confira a
evolução histórica do tema:
Redação original da CF/88:
previa, no inciso XI do art. 37, que cada ente da Federação deveria editar sua
própria lei fixando o teto remuneratório dos servidores públicos. Na prática, o
teto não era exigido porque segundo a jurisprudência o inciso XI não era
autoaplicável já que dependia de lei para produzir todos seus efeitos.
EC 19/98: alterou esse
inciso estabelecendo que o teto remuneratório seria um só para todos os
servidores públicos do país, sendo este limite o subsídio mensal dos Ministros
do STF. Na prática, o teto continuava não sendo exigido porque ainda não havia
lei.
EC 41/2003: alterou
novamente o inciso XI trazendo duas novidades importantes: 1) passou a admitir
que os Estados e Municípios instituíssem subtetos estaduais e municipais; 2)
previu que, mesmo sem lei regulamentando, o teto remuneratório deveria ser
imediatamente aplicado utilizando-se como limite o valor da remuneração
recebida, na época, pelo Ministro do STF (art. 8º da EC 41/2003).
EC 47/2005: acrescentou o
§ 11 ao art. 37 estabelecendo que estão fora do limite do teto as parcelas de
caráter indenizatório previstas em lei.
Dessa forma, na prática, o teto
passou a vigorar no Brasil a partir da EC n.°
41/2003, que foi publicada em 31/12/2003. Isso porque, como vimos acima, essa
Emenda afirmou expressamente que, enquanto não houvesse lei regulamentando o
inciso XI, o valor do teto seria a remuneração do Ministro do STF na época.
O 1º valor do teto remuneratório
foi de R$ 19.115,19, remuneração do Ministro do STF naquele momento.
Quando
o teto foi finalmente implementado na prática (EC 41/2003), o que aconteceu com
a remuneração das pessoas que recebiam acima do teto que foi instituído? Essas
pessoas tiveram direito adquirido de continuar recebendo acima do teto?
NÃO. O art. 9º
da EC n.°
41/2003 determinou que qualquer remuneração ou proventos que estivessem sendo recebidos
acima do teto deveriam ser imediatamente reduzidos ao limite fixado, não
podendo a pessoa invocar direito adquirido.
Assim, em
01/01/2004, se o servidor público tinha uma remuneração de R$ 25.000,00, por
exemplo, ele passou a receber apenas R$ 19.115,19.
Obviamente, tal situação gerou reação das
pessoas prejudicadas que recorreram ao Poder Judiciário questionando a
constitucionalidade dessa previsão. O que decidiu o STF? Era possível aplicar
imediatamente o teto previsto na EC n.°
41/2003, reduzindo a remuneração de quem ganhava acima desse valor?
SIM. O STF decidiu, em sede de
repercussão geral, que o teto estabelecido pela EC 41/2003 é de eficácia
imediata e todas as verbas de natureza remuneratória recebidas pelos servidores
públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem se
submeter a ele, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.
Em outras palavras, com a EC n.° 41/2003, quem recebia
acima do teto fixado, teve a sua remuneração reduzida para respeitar o teto.
Essa redução foi legítima.
Repito o exemplo dado acima: em
01/01/2004, se o servidor público tinha uma remuneração de R$ 25.000,00, por
exemplo, ele passou a receber apenas R$ 19.115,19, em virtude da aplicação
imediata da EC n.°
41/2003.
STF. Plenário. RE 609381/GO, Rel. Min.
Teori Zavascki, julgado em 2/10/2014 (Info 761).
Mas isso não viola o princípio da
irredutibilidade da remuneração/proventos?
NÃO. Segundo o STF, a garantia da
irredutibilidade de remuneração/proventos não impede a aplicação imediata do
teto de retribuição. Isso porque o próprio texto constitucional, ao tratar
sobre o princípio da irredutibilidade, ressalva expressamente o inciso XI do art.
37, deixando claro que é possível a redução da remuneração/proventos para
aplicação do teto de retribuição. Nesse sentido, confira o art. 37, XV, art.
95, III e art. 128, § 5º, I, “c”.
Nas palavras do Min. Teori
Zavascki, ao condicionar a fruição da garantia de irredutibilidade de
vencimentos à observância do teto de retribuição (art. 37, XI, da CF/88), a
literalidade dos citados dispositivos constitucionais deixa fora de dúvida que o
respeito ao teto representa verdadeira condição de legitimidade para o
pagamento das remunerações no serviço público.
Não há violação ao direito
adquirido e ao ato jurídico perfeito?
NÃO. O art. 5º, XXXVI (“a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”),
também não pode ser invocado para excepcionar a imposição do teto de
retribuição.
Segundo o STF, a cláusula da
irredutibilidade somente pode ser invocada se a remuneração que estava sendo
recebida pelo servidor estava em conformidade com a CF/88. Desse modo, os
vencimentos acima do teto constitucional, ainda que com o beneplácito de
disciplinas normativas anteriores, não estão amparados pela regra da
irredutibilidade.
O pagamento de remunerações
superiores aos tetos de retribuição, além de se contrapor aos princípios da
moralidade, da transparência e da austeridade na administração dos gastos com
custeio, representa gravíssima quebra da coerência hierárquica essencial à
organização do serviço público.
O Min. Zavascki lembrou, por fim,
que o fato de o art. 9º da EC 41/2003 ser objeto de ação direta de
inconstitucionalidade ainda pendente de apreciação, não impediria, contudo, que
o STF fizesse impor a força normativa do próprio art. 37, XI, da CF, cujo
enunciado seria suficiente para coibir situações inconstitucionais de
remuneração excessiva.
Entendimento do STJ
Vale ressaltar que o STJ já
possuía entendimento consolidado nesse mesmo sentido:
(...) Em consonância com o
decidido pela Corte Suprema, este Superior Tribunal de Justiça tem
reiteradamente se pronunciado no sentido de que não há direito adquirido ao
recebimento dos vencimentos ou proventos acima do teto constitucional,
incluindo-se aí os valores recebidos a título de adicional por tempo de
serviço, dada a sua natureza remuneratória. Precedentes.
2. Desse modo, a partir de
19/12/2003, data da promulgação da EC n. 41/03, as vantagens pessoais, de
qualquer espécie, devem ser incluídas no redutor do teto remuneratório,
conforme entendimento pacífico do STF e deste STJ. (...)
STJ. 2ª Turma. RMS
46.173/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/09/2014.
RESUMINDO:
O
teto de retribuição fixado pela EC n.° 41/2003 é de eficácia
imediata e todas as verbas de natureza remuneratória recebidas pelos servidores
públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem se
submeter a ele, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.
A
aplicação imediata da EC n.° 41/2003 e a redução das
remunerações acima do teto não afrontou o princípio da irredutibilidade nem
violou a garantia do direito adquirido.
Em
outras palavras, com a EC n.° 41/2003, quem recebia
acima do teto fixado, teve a sua remuneração reduzida para respeitar o teto.
Essa redução foi legítima.
STF. Plenário. RE 609381/GO, Rel. Min.
Teori Zavascki, julgado em 2/10/2014 (Info 761).