Dizer o Direito

domingo, 7 de setembro de 2014

Confissão feita por pessoa convocada para ser testemunha



Imagine a seguinte situação hipotética:
Foi aberto um inquérito policial para apurar o furto de um aparelho celular.
Diversas pessoas que trabalhavam no local onde ocorreu o crime foram convocadas a depor, na qualidade de testemunha.
Vale lembrar que a testemunha, antes de iniciar o seu depoimento, assume, perante a autoridade, o compromisso de dizer a verdade. Caso a testemunha faça afirmação falsa, negue ou cale a verdade, ela poderá até mesmo ser acusada do crime de falso testemunho (art. 342 do CP).
Pois bem. Uma das pessoas convocadas para servir como testemunha foi João.
João, após prestar o compromisso legal de dizer a verdade, iniciou seu depoimento afirmando que não sabia de nada e que não tinha estado no local onde o celular foi furtado naquele dia.
Depois de algumas perguntas, começou a entrar em contradição e solicitou à autoridade policial que desconsiderasse suas declarações anteriores, afirmando estar mentindo, mas que passaria a dizer a verdade, e, na sequência, assumiu ser ele o autor do furto.
Com base unicamente na confissão, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João pelo delito de furto.

Tese da defesa
A denúncia foi recebida. O defensor de João impetrou, então, habeas corpus, alegando que a denúncia estava baseada em confissão inválida.
Segundo a defesa, houve ofensa ao direito do acusado de ficar em silêncio e não se auto incriminar (princípio do nemo tenetur se detegere). Isso porque João foi convocado para a inquirição como testemunha, não tendo sido advertido pela autoridade de que tinha o direito de ficar em silêncio, recusando-se a responder perguntas que pudessem incriminá-lo. Assim, houve violação à garantia da ampla defesa.

A tese da defesa foi acolhida pelo STF? A confissão prestada foi inválida?
SIM. Ofende o princípio da não-autoincriminação a denúncia baseada unicamente em confissão que foi feita por pessoa ouvida na condição de testemunha, quando não lhe tenha sido feita a advertência quanto ao direito de permanecer calada.

O preso (e a pessoa que está sendo acusada em geral) tem o direito de permanecer em silêncio, nos termos do art. 5º, LXIII, da CF/88:
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Essa garantia é uma expressão do princípio da não-autoincriminação, segundo o qual o acusado tem o direito de não produzir prova contra si mesmo.

A partir do momento em que a testemunha começou a prestar declarações que a incriminavam, a autoridade policial deveria ter encerrado seu depoimento como testemunha e ter iniciado outro, na condição de investigado (suspeito) e, antes de qualquer outra declaração, deveria ter esclarecido que ao interrogado que ele tinha o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesma. Se mesmo ele sendo cientificado de seus direitos, resolvesse assumir o crime, então, essa confissão seria agora válida.

A falta de advertência quanto ao direito ao silêncio tornou ilícita a prova produzida.

Embora o inciso LXIII fale em pessoa presa, a doutrina e a própria jurisprudência do STF o ampliam para estendê-lo, também, às pessoas que estejam soltas e que sejam investigadas ou formalmente acusadas.

SINTETIZANDO:
Se o indivíduo é convocado para depor como testemunha em uma investigação e, durante o seu depoimento, acaba confessando um crime, essa confissão não é válida se a autoridade que presidia o ato não o advertiu previamente de que ele não era obrigado a produzir prova contra si mesmo, tendo o direito de permanecer calado.
STF. 2ª Turma. RHC 122279/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/8/2014 (Info 754).



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