Imagine a seguinte situação hipotética:
Foi aberto um inquérito policial
para apurar o furto de um aparelho celular.
Diversas pessoas que trabalhavam
no local onde ocorreu o crime foram convocadas a depor, na qualidade de
testemunha.
Vale lembrar que a testemunha, antes
de iniciar o seu depoimento, assume, perante a autoridade, o compromisso de
dizer a verdade. Caso a testemunha faça afirmação falsa, negue ou cale a
verdade, ela poderá até mesmo ser acusada do crime de falso testemunho (art.
342 do CP).
Pois bem. Uma das pessoas
convocadas para servir como testemunha foi João.
João, após prestar o compromisso
legal de dizer a verdade, iniciou seu depoimento afirmando que não sabia de
nada e que não tinha estado no local onde o celular foi furtado naquele dia.
Depois de algumas perguntas,
começou a entrar em contradição e solicitou à autoridade policial que
desconsiderasse suas declarações anteriores, afirmando estar mentindo, mas que
passaria a dizer a verdade, e, na sequência, assumiu ser ele o autor do furto.
Com
base unicamente na confissão, o Ministério Público ofereceu denúncia contra
João pelo delito de furto.
Tese da defesa
A denúncia foi recebida. O
defensor de João impetrou, então, habeas corpus, alegando que a denúncia estava
baseada em confissão inválida.
Segundo a defesa, houve ofensa ao
direito do acusado de ficar em silêncio e não se auto incriminar (princípio do nemo tenetur se detegere). Isso porque
João foi convocado para a inquirição como testemunha, não tendo sido advertido
pela autoridade de que tinha o direito de ficar em silêncio, recusando-se a
responder perguntas que pudessem incriminá-lo. Assim, houve violação à garantia
da ampla defesa.
A tese da defesa foi acolhida
pelo STF? A confissão prestada foi inválida?
SIM. Ofende o princípio da
não-autoincriminação a denúncia baseada unicamente em confissão que foi feita
por pessoa ouvida na condição de testemunha, quando não lhe tenha sido feita a
advertência quanto ao direito de permanecer calada.
O preso (e a pessoa que está
sendo acusada em geral) tem o direito de permanecer em silêncio, nos termos do
art. 5º, LXIII, da CF/88:
LXIII - o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado;
Essa garantia é uma expressão do
princípio da não-autoincriminação, segundo o qual o acusado tem o direito de
não produzir prova contra si mesmo.
A partir do momento em que a
testemunha começou a prestar declarações que a incriminavam, a autoridade policial
deveria ter encerrado seu depoimento como testemunha e ter iniciado outro, na
condição de investigado (suspeito) e, antes de qualquer outra declaração,
deveria ter esclarecido que ao interrogado que ele tinha o direito de ficar em
silêncio e de não produzir provas contra si mesma. Se mesmo ele sendo
cientificado de seus direitos, resolvesse assumir o crime, então, essa confissão
seria agora válida.
A falta de advertência quanto ao
direito ao silêncio tornou ilícita a prova produzida.
Embora o inciso LXIII fale em pessoa
presa, a doutrina e a própria jurisprudência do STF o ampliam para estendê-lo,
também, às pessoas que estejam soltas e que sejam investigadas ou formalmente
acusadas.
SINTETIZANDO:
Se o indivíduo é convocado para depor como
testemunha em uma investigação e, durante o seu depoimento, acaba confessando
um crime, essa confissão não é válida se a autoridade que presidia o ato não o
advertiu previamente de que ele não era obrigado a produzir prova contra si
mesmo, tendo o direito de permanecer calado.
STF. 2ª Turma.
RHC 122279/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/8/2014 (Info 754).