Olá amigos do Dizer o Direito,
Hoje é sábado, mas também é dia de estudos. Até que consigam passar, o
lazer ficará um pouco comprometido.
Aliás, descanso de concurseiro é respondendo provas de concursos
anteriores :)
Brincadeiras a parte, hoje o tema tratado envolve direito penal militar
e será objeto da prova de vocês da DPU cujo edital está prestes a sair.
Imagine a seguinte situação
adaptada:
João (civil) trabalhava como despachante
naval e, em determinado dia, apresentou, perante a Marinha do Brasil, um
documento falso, com o objetivo de regularizar uma embarcação.
O Ministério Público militar
entendeu que estava caracterizado crime militar e denunciou João pela prática
do delito previsto no art. 315 do Código Penal Militar:
Uso de documento falso
Art. 315. Fazer uso de
qualquer dos documentos falsificados ou alterados por outrem, a que se referem
os artigos anteriores:
Pena - a cominada à
falsificação ou à alteração.
O Conselho Permanente de Justiça
para a Marinha condenou o réu, decisão mantida pelo Superior Tribunal Militar.
Por meio de habeas corpus a questão
chegou até o STF.
A conduta narrada configura realmente
crime militar?
NÃO.
Compete à Justiça Militar
processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da
CF/88).
A lei que prevê os crimes
militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969) que, em seu art.
9º, define os crimes militares, em tempo de paz, e no art. 10 os crimes
militares em tempo de guerra.
Em regra, os crimes militares em
tempo de paz são praticados somente por militares. No entanto,
excepcionalmente, é possível que civis também cometam crimes militares.
Assim, o art. 9º, III, define os
crimes militares impróprios, ou seja, aqueles em que a Justiça Militar irá
julgar condutas ilícitas praticadas por civis, ainda que em tempo de paz.
Veja a redação do dispositivo:
Art. 9º Consideram-se
crimes militares, em tempo de paz:
(...)
III - os crimes praticados
por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições
militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como
os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob
a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à
administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado,
ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício
de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em
formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação,
exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar
sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar,
ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem
pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para
aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.
Segundo observa, com precisão, a
Min. Rosa Weber, o STF confere intepretação restritiva às hipóteses do inciso
III do art. 9º do CPM. Assim, para a Corte, as condutas praticadas por civis somente
devem ser enquadradas como crimes militares em caráter excepcional, apenas nos casos
em que a ofensa ao bem jurídico tutelado recair sobre a função de natureza
militar, a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da Lei e
da ordem etc. Nesse sentido: HC 86.216/MG, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJe
24/10/2008.
Na situação analisada, a 1ª Turma
do STF entendeu que a conduta do réu (civil) não afrontou a ordem militar, de
modo a ensejar a fixação da competência da Justiça Castrense para processamento
e julgamento do feito.
A atividade desempenhada pelo condenado
(despachante naval) não se qualifica ou se insere em função eminentemente
militar.
Além disso, o documento
falsificado e a finalidade da falsificação atingem apenas bens e serviços de
cunho administrativo (e não militares).
Desse modo, a competência para
julgar o delito é da Justiça Federal comum (e não da Justiça Militar).
Vale ressaltar que o STF já tinha
outros precedentes no sentido de que é da Justiça Federal comum a competência
para processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação de
documento ou uso de documento falso (arts. 311 e 315, do CPM), junto à Marinha
do Brasil. Ex: falsificação da Carteira de Habilitação Naval de Amador expedida
pela Marinha do Brasil. Confira:
(...) 1. O delito militar
praticado por civil, em tempo de paz, tem caráter excepcional. A Justiça
Militar somente terá competência para julgar condutas de civis quando ofenderem
os bens jurídicos tipicamente associados à função castrense, tais como a defesa
da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.
2. Compete à Justiça
Federal analisar e decidir as ações penais contra civil denunciado pelo crime
de falsificação de Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou Habilitação de
Arrais-Amador, ambas expedidas pela Marinha do Brasil. Precedentes.
3. Ordem concedida.
STF. 1ª Turma. HC 104619, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgado em 08/02/2011.
E por que a competência é da
Justiça Federal comum?
Porque o crime foi cometido contra
um serviço fiscalizado pela Marinha, que é um órgão da União. Logo, amolda-se
na hipótese prevista no art. 109, IV, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes
federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e
as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da
União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as
contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral;
No caso concreto, o réu já havia
sido condenado quando, então, foi reconhecida a incompetência absoluta da
Justiça Militar para julgar a causa. O que acontece com os atos processuais
praticados?
A maioria dos Ministros, seguindo
voto do Min. Luis Roberto Barroso, entendeu que, ao reconhecer a incompetência
da justiça militar, caberia ao STF somente anular a decisão condenatória e
remeter o processo para ser analisado pela Justiça Federal de 1ª instância. Lá,
o juiz federal irá decidir se anula, ou não, os demais atos do processo.
Reputou-se que, se o próprio STF já anulasse todo o processo haveria um “salto
jurisdicional”. Logo, caberá ao juiz federal decidir acerca da subsistência, ou
não, dos atos já praticados.
O Ministro Luiz Fux acrescentou
que a jurisdição é una e que, diante da declaração de incompetência, deverão os
autos ser remetidos ao juízo competente que irá, então, decidir sobre a
validade dos atos. Trata-se de uma tendência já adotada até pela Corte de
Cassação da Itália e que é chamada de translatio
judicii, ou seja, o juiz que foi reputado competente, ao receber o
processo, absorve a causa e poderá, se entender necessário, renovar os atos
processuais.
Vale ressaltar, no entanto, que esse é um tema ainda polêmico.
Vale ressaltar, no entanto, que esse é um tema ainda polêmico.
RESUMINDO:
Compete à Justiça Militar processar e
julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88).
A lei que prevê os crimes militares é o
Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969) que, em seu art. 9º, define os
crimes militares, em tempo de paz, e no art. 10 os crimes militares em tempo de
guerra.
Em regra, os crimes militares em tempo de
paz são praticados somente por militares. No entanto, excepcionalmente, é
possível que civis também cometam crimes militares.
O art. 9º, III, do CPM define os crimes
militares impróprios, ou seja, aqueles em que a Justiça Militar irá julgar
condutas ilícitas praticadas por civis, ainda que em tempo de paz.
O delito militar praticado por civil, em
tempo de paz, deve ser encarado de forma excepcional e interpretado
restritivamente. Assim, a Justiça Militar somente terá competência para julgar
condutas de civis quando ofenderem os bens jurídicos tipicamente associados à
função castrense, tais como a defesa da Pátria e a garantia dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem.
Compete à Justiça Federal comum jugar o
civil que falsifica ou utiliza documento falso perante à Marinha do Brasil.
STF. 1ª Turma.
HC 121189/PR, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Roberto
Barroso, julgado em 19/8/2014 (Info 755).