Dizer o Direito

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Embargos de declaração opostos com o alegado objetivo de fazer o prequestionamento podem ser considerados protelatórios?



Embargos de declaração
Os embargos de declaração são uma espécie de recurso, que é julgado pelo próprio órgão que prolatou a decisão. Ex: os embargos de declaração opostos em face de uma sentença são julgados pelo próprio juiz que proferiu a decisão.
O prazo dos embargos de declaração é de 5 dias.

Hipóteses de cabimento
Segundo o CPC, cabem embargos de declaração quando o pronunciamento judicial apresentar obscuridade, contradição ou omissão (art. 535):
Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:
I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.

Obs: nos juizados especiais, além da obscuridade, contradição e omissão, cabem também os embargos no caso de dúvida (art. 48 da Lei n.° 9.099/95).

Vejamos cada uma das hipóteses de cabimento dos embargos no CPC:

a) Obscuridade: ocorre quando a decisão judicial não é clara o suficiente para que a pessoa que está lendo tenha certeza das questões jurídicas que foram resolvidas.

b) Contradição: ocorre quando falta coerência, uma vez que o julgador, na mesma decisão judicial, manifesta pronunciamentos que são inconciliáveis entre si, ou seja, há uma incompatibilidade nos fundamentos ou nas conclusões expostas.

c) Omissão: ocorre quando o julgador não se manifesta a respeito de alguma questão que exigia o seu pronunciamento, seja porque ele foi provocado pelas partes, seja porque deveria conhecer da matéria de ofício.
Ex1: o autor formulou três pedidos e o juiz só se manifestou sobre dois.
Ex2: o autor não pediu que o réu fosse condenado em honorários advocatícios e o juiz nada falou a respeito na sentença; o autor poderá opor embargos de declaração porque isso é matéria que o juiz deve conhecer de ofício e condenar o vencido independentemente de provocação expressa.

Embargos de declaração com objetivo de prequestionamento
O STF e o STJ somente admitem o recurso extraordinário e o recurso especial se a questão constitucional ou a questão federal que está sendo alegada no RE/REsp tiver sido suscitada e decidida nas instâncias ordinárias. Ex: a parte quer interpor recurso especial contra acórdão do TJ alegando que este violou o art. 25 da Lei Federal n.° 8.666/93. Essa é a questão federal que será submetida ao STJ. No entanto, o STJ somente irá aceitar o REsp se esse tema (violação do art. 25) tiver sido suscitado pelo recorrente e decidido pelo TJ. Essa exigência é chamada de prequestionamento e existe tanto para o conhecimento do RE como do REsp.
Por conta disso, a parte já deverá alegar, em seu recurso (ou contrarrazões) que, se o TJ/TRF decidirem contra a sua tese, haverá violação de determinado dispositivo de lei federal ou da CF/88. Ex: “se o TJ decidir que a empresa recorrente não pode celebrar o contrato com a administração pública, essa Corte estará violando o que dispõe o art. 25 da Lei de Licitações e Contratos”.
Apesar disso, pode acontecer de o TJ/TRF decidirem contra a tese da parte e, mesmo assim, não se manifestarem explicitamente sobre o dispositivo constitucional ou federal suscitado. Ainda usando o mesmo exemplo, imagine que o TJ afirmou que a empresa não tinha direito de celebrar o contrato com a administração, mas não se manifestou sobre o art. 25 da Lei n.° 8.666/93.
Nesse caso, a parte deverá opor embargos de declaração afirmando que houve omissão do acórdão sobre a questão federal suscitada. Em tal hipótese, dizemos que os embargos de declaração têm por finalidade fazer o prequestionamento.
Vale ressaltar que, se o Tribunal não se manifestou sobre a questão constitucional ou federal suscitada, e se não foram opostos os embargos de declaração, o RE ou o REsp não será conhecido por ausência de prequestionamento.

Em regra, os embargos de declaração opostos com o objetivo de fazer o prequestionamento são conhecidos, sendo considerados pertinentes. Esse é o entendimento sumulado do STJ:
Súmula 98-STJ: Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório.

Interrupção do prazo recursal
Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes (art. 538 do CPC).
Ex: juiz prolatou uma decisão interlocutória. Logo, a parte prejudicada teria o prazo de 10 dias para interpor o recurso cabível para o caso (agravo). No entanto, essa parte vislumbrou a existência de uma contradição no pronunciamento judicial. Desse modo, antes de interpor o agravo, decidiu opor embargos de declaração. Somente quando o juiz julgar esses embargos é que começará a contar o prazo de 10 dias para o agravo.
Vale ressaltar que os embargos de declaração, ainda que rejeitados, interrompem o prazo recursal.
Ocorre que, algumas vezes, a parte prejudicada pela decisão opõe embargos de declaração sem apontar nenhuma obscuridade, contradição ou omissão, mas apenas pedindo a reconsideração do que foi decidido. Em verdade, o que a parte faz é formular um pedido de reconsideração (que não tem previsão no CPC), utilizando o nome de “embargos de declaração”. Em tais casos, diante do desvirtuamento do instituto, a jurisprudência do STJ entende que esses “embargos de declaração” não tem o condão (poder) de interromper o prazo para os demais recursos. Em outras palavras, esses embargos não serão conhecidos e a parte ainda terá perdido o prazo para interpor o recurso que seria cabível. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. REsp 1.214.060/GO, Rel. Min. Mauro Campbell, DJe de 28/9/2010.

Obs: no Juizado Especial, os embargos de declaração, quando opostos contra sentença, não interrompem, mas apenas suspendem o prazo (art. 50, da Lei n.° 9.099/95).

Embargos de declaração com manifesto caráter protelatório
Se a parte quer procrastinar (prolongar indevidamente o processo), os embargos de declaração podem se mostrar como um instrumento eficaz para isso. Podemos apontar três razões:
1) Não se exige preparo. Preparo é o pagamento das despesas relacionadas com o processamento do recurso. Nos embargos de declaração não existe preparo, ou seja, a parte não tem nenhum custo econômico para a sua interposição.
2) Os embargos interrompem o prazo recursal. Isso significa que, mesmo sendo rejeitados, a parte recorrente terá de volta todo o prazo para interpor o novo recurso.
3) As hipóteses de cabimento dos embargos têm uma dose de subjetivismo. Ex: mesmo sem que haja efetivamente esse vício, a parte pode dizer que existe uma obscuridade. Tal argumento não será aceito, mas é plenamente possível que o recorrente extraia um trecho isolado da decisão e “encaixe” essa argumentação.

Ciente dessa realidade, o legislador previu duas sanções processuais para os casos em que os embargos de declaração forem opostos com caráter manifestamente protelatórios. Confira:

1ª) MULTA tipificada no parágrafo único do art. 538 do CPC:
Art. 538 (...) Parágrafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.

2ª) INDENIZAÇÃO prevista no art. 17, VII c/c art. 18, § 2º do CPC:
Art. 17.  Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
(...)
§ 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.

O que pode ser considerado como embargos de declaração manifestamente protelatórios?
Podemos apontar duas hipóteses de embargos de declaração manifestamente protelatórios:
1ª) O recorrente não aponta, de forma concreta, nenhuma das hipóteses de cabimento (obscuridade, contradição ou omissão), ficando bem claro que seu objetivo foi apenas o de prolongar indevidamente o processo.
2ª) O recorrente visa rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente julgado pelo rito do recurso repetitivo ou da repercussão geral.

Exemplos da 2ª hipótese:
Ex1: o TJ decide que o banco responde objetivamente pelos danos causados ao cliente em razão de uma fraude praticada em sua conta bancária. O TJ aplicou entendimento exposto na súmula 479 do STJ. Apesar disso, o banco opõe embargos de declaração afirmando que o TJ deve se pronunciar sobre determinados dispositivos de lei federal com o objetivo de prequestionar a matéria e fazer com que ele possa interpor recurso especial contra essa decisão.

Ex2: o TRF decide que determinado candidato não tem direito de fazer prova de segunda chamada em teste físico de concurso público. O TRF tomou essa decisão aplicando o entendimento do STF já manifestado em recurso extraordinário submetido à repercussão geral (RE 630733/DF). Apesar disso, o referido candidato opõe embargos de declaração afirmando que o TRF deve se pronunciar sobre determinados dispositivos da CF/88 (princípio da isonomia etc) com o objetivo de prequestionar a matéria e fazer com que ele possa interpor recurso extraordinário contra essa decisão.

Em ambos os casos, esses embargos declaratórios serão considerados protelatórios, mesmo tendo sido opostos com o objetivo declarado de fazer o prequestionamento. Isso porque quando o acórdão do Tribunal a quo, embargado, estiver perfeitamente ajustado à orientação pacífica do Tribunal ad quem, não haverá nenhuma possibilidade de sucesso de eventual recurso ao Tribunal ad quem.

Nas exatas palavras do Min. Sidnei Beneti:
“(...) não havendo, a rigor, nenhuma possibilidade de sucesso de recurso nesta Corte, não havia como imaginar válido efetivo propósito de prequestionamento (Súmula STJ n. 98) para recurso já manifestamente inviável para esta Corte.”

Assim, esses embargos de declaração não têm qualquer utilidade jurídica ou prática já que não há sentido nenhum fazer o prequestionamento, tendo em vista que o recurso a ser interposto (RE ou REsp) será manifestamente inviável no Tribunal ad quem, por se encontrar em discordância com a jurisprudência dominante.

Logo, perceba que o STJ construiu um abrandamento à regra exposta na Súmula 98-STJ. Vejamos:

Embargos de declaração opostos com o alegado objetivo de fazer o prequestionamento são considerados protelatórios?

Regra: NÃO. Trata-se da súmula 98-STJ: Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório.

Exceção: se o acórdão embargado estiver em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, em harmonia com precedente julgado pelo rito dos arts. 543-C e 543-B do CPC, aí então tais embargos serão considerados como protelatórios, a fim de desestimular a interposição de recursos manifestamente inviáveis.

RESUMINDO:
Caracterizam-se como protelatórios os embargos de declaração que visam rediscutir matéria já apreciada e decidida pela Corte de origem em conformidade com súmula do STJ ou STF ou, ainda, precedente julgado pelo rito dos artigos 543-C e 543-B do CPC.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.410.839-SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo) (Info 541).


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