Olá amigos do Dizer o Direito,
Vamos hoje tratar sobre um importantíssimo julgado do STJ a respeito de
alienação fiduciária em garantia.
O tema é de extrema relevância na prática forense e será também cobrado
nas provas de concurso. Aguardem.
Antes de verificarmos o que o STJ decidiu, convém fazermos uma breve revisão
sobre a alienação fiduciária em garantia.
Conceito
“A alienação fiduciária em garantia é
um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a
propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição
financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado
quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa
Cruz. Direito Empresarial Esquematizado.
São Paulo: Método, 2012, p. 565).
Regramento
O Código Civil de 2002 trata de forma
genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-A. Existem,
no entanto, leis específicas que também regem o tema:
• alienação fiduciária envolvendo bens
imóveis: Lei nº 9.514/97;
• alienação fiduciária de bens móveis
no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº
911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento
bancário com garantia de alienação fiduciária.
Nas hipóteses em que houver legislação
específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:
Art. 1.368-A. As demais espécies de
propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina
específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições
deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.
Resumindo:
Alienação fiduciária de
bens MÓVEIS fungíveis e infungíveis quando o credor
fiduciário for instituição financeira
|
Alienação fiduciária de
bens MÓVEIS infungíveis quando o credor fiduciário for
pessoa natural ou jurídica (sem ser banco)
|
Alienação fiduciária de
bens IMÓVEIS
|
Lei nº 4.728/65
Decreto-Lei
nº 911/69
|
Código
Civil de 2002
(arts.
1.361 a 1.368-A)
|
Lei nº 9.514/97
|
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS NO ÂMBITO DO
MERCADO FINANCEIRO E DE CAPITAIS
Imagine a seguinte situação hipotética:
Antônio quer comprar um carro de R$
30.000,00, mas somente possui R$ 10.000,00. Antônio procura o Banco “X”, que
celebra com ele contrato de financiamento
com garantia de alienação fiduciária.
Assim, o Banco “X” empresta R$
20.000,00 a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do
empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse
direta com Antônio.
Em outras palavras, Antônio ficará
andando com o carro, mas no documento, a propriedade do automóvel é do Banco
“X” (constará “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a
propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro
pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio.
O que acontece em caso de
inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)?
Havendo mora por parte do mutuário, o
procedimento será o seguinte (regulado pelo DL 911/69):
1)
Protesto do título ou notificação do credor:
O credor (mutuante) deverá fazer o
protesto do título ou a notificação extrajudicial do devedor, por meio do
Cartório de Registro de Títulos e Documentos, de que este se encontra em
débito, comprovando, assim, a mora.
Súmula 72 do STJ: A comprovação da mora
é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.
Obs: a notificação não precisa ser
pessoal, bastando que seja entregue no endereço do devedor:
Na alienação fiduciária, a mora do
devedor deve ser comprovada pelo protesto do título ou pela notificação
extrajudicial feita por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos,
entregue no endereço do domicílio do devedor, sendo dispensada a sua
notificação pessoal.
STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp
418.617/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 06/02/2014.
2)
Ajuizamento da ação:
Após comprovar a mora, o mutuante
(Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que
lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69).Essa busca e apreensão prevista
no L 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer
procedimento posterior.
3)
Concessão da liminar:
O juiz concederá a busca e apreensão de
forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o
inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69).
4)
Apreensão do bem:
O bem é apreendido e entregue ao
credor.
5)
Possibilidade de pagamento integral da dívida:
No prazo de 5 dias após o cumprimento
da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a
integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor
fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus
(§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:
Art. 3º (...)
§ 1º Cinco dias após executada a
liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e
exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições
competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade
em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da
propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)
§ 2º No prazo do § 1º, o devedor
fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente,
segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na
qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)
O que se entende por “integralidade da
dívida pendente”? Para que o devedor possa ter de volta o bem, ele deverá pagar todo o
valor do financiamento ou somente as parcelas já vencidas e não pagas (purgação
da mora)?
Ex: Antônio financiou o veículo em 60
parcelas. A partir da 20ª prestação ele começou a não mais pagar. Estão
vencidas 5 parcelas.
Para ter de volta o bem ele terá que
pagar somente as 5 parcelas vencidas (purgação mora) ou todo o financiamento
restante (40 parcelas)?
Todo o débito.
Segundo decidiu o STJ, a Lei n.° 10.931/2004, que alterou o DL 911/69, não
mais faculta ao devedor a possibilidade de purgação de mora, ou seja, não mais
permite que ele pague somente as prestações vencidas.
Para que o devedor fiduciante consiga
ter o bem de volta ele terá que pagar a integralidade da dívida, ou seja, tanto
as parcelas vencidas e vincendas (mais os encargos), no prazo de 5 dias após a
execução da liminar.
Em nosso exemplo, Antônio terá que
pagar, em 5 dias, as 40 parcelas restantes.
O devedor purga a mora quando ele
oferece ao credor as prestações que estão vencidas e mais o valor dos prejuízos
que este sofreu (art. 401, I, do CC). Nesse caso, purgando a mora, o devedor
consegue evitar as consequências do inadimplemento. Ocorre que na alienação
fiduciária em garantia, a Lei n.° 10.931/2004
passou a não mais permitir a purgação da mora.
Vale ressaltar que o tema acima foi
decidido em sede de recurso repetitivo, tendo o STJ firmado a seguinte
conclusão, que será aplicado em todos os processos semelhantes:
Nos
contratos firmados na vigência da Lei n.° 10.931/2004,
que alterou o art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei 911/1969, compete ao devedor,
no prazo de cinco dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão,
pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e
comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade
do bem móvel objeto de alienação fiduciária.
STJ. 2ª
Seção. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014
(recurso repetitivo).
Nos
contratos anteriores à vigência da Lei n.° 10.931/2004 é permitida a purgação da mora?
SIM. Antes da Lei n.° 10.931/2004 era permitida a purgação
da mora desde que o devedor já tivesse pago no mínimo 40% do valor financiado.
Tal entendimento estava, inclusive, consagrado em um enunciado do STJ:
Súmula 284-STJ: A purga da mora, nos
contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos
40% (quarenta por cento) do valor financiado.
A súmula
284-STJ ainda é válida?
•
Para contratos anteriores à Lei 10.931/2004: SIM.
•
Para contratos posteriores à Lei 10.931/2004: NÃO.
6)
Contestação:
No prazo de 15 dias após o cumprimento
da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante apresentará resposta (uma
espécie de contestação).
Obs1: a resposta poderá ser apresentada
ainda que o devedor tenha decidido pagar a integralidade da dívida, caso
entenda ter havido pagamento a maior e deseje a restituição.
Obs2: nesta defesa apresentada pelo
devedor, é possível que ele invoque a ilegalidade das cláusulas contratuais
(ex: juros remuneratórios abusivos). Se ficar provado que o contrato era
abusivo, isso justificaria o inadimplemento e descaracterizaria a mora.
7) Sentença: da
sentença proferida cabe apelação, apenas no efeito devolutivo.
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