Dizer o Direito

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Entenda a decisão do STF que barrou a redistribuição de vagas de Deputado Federal feita pelo TSE


Poder legislativo federal
No âmbito federal, o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe de duas casas legislativas (bicameralismo federativo):

Câmara dos Deputados
Senado Federal
São representantes do povo.
São representantes dos Estados e do DF.
Eleitos pelo sistema proporcional.
Eleitos segundo o princípio majoritário.
O número total de Deputados Federais e a sua quantidade por Estado/DF serão estabelecidos em lei complementar (art. 45, § 1º, CF/88).
Atualmente, são 513 no total.
Essa quantidade por Estado/DF deverá ser proporcional à população.
No ano anterior à eleição deverão ser feitos os ajustes necessários para que nenhum Estado/DF tenha menos de 8 ou mais de 70 Deputados.
Cada Estado/DF terá 3 Senadores, independentemente da população.
São 81 Senadores no total.
O mandato é de 4 anos (1 legislatura).
O mandato é de 8 anos (2 legislaturas).
A cada 4 anos há eleição para todos os cargos de Deputado Federal.
A cada 4 anos há eleição para Senador, no entanto, não são disputados os três cargos de cada Estado.
Em 2014 será disputado 1 cargo de Senador por Estado/DF (renovação de 1/3 porque os outros dois ainda estão no meio do mandato de 8 anos).
Em 2018, serão disputados 2 cargos de Senador (renovação de 2/3 já que o eleito em 2014 ainda estará no meio do mandato de 8 anos).
Idade mínima necessária: 21 anos.
Idade mínima necessária: 35 anos.

Número de Deputados Federais
Pois bem, como vimos acima, a CF/88 afirmou que o número de Deputados deveria ser proporcional à população de cada Estado/DF (quanto maior a população do Estado, maior o número de Deputados).
Importante sublinhar que o número de Deputados não é proporcional ao número de eleitores do Estado, mas sim à população (população = total de pessoas daquele Estado, incluindo quem não for eleitor).

A CF/88 não previu o número total de Deputados Federais nem a quantidade por Estado/DF. A Carta determinou que isso deveria ser fixado em uma Lei Complementar. Leia com atenção o comando constitucional abaixo destacado:
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.
§ 1º - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

Essa Lei Complementar foi editada?
SIM. Trata-se da Lei Complementar n.° 78/93, que disciplina a fixação do número de Deputados.

A LC 78/93 estabeleceu os seguintes critérios:
• O número total de Deputados Federais no país não pode ser maior que 513;
• O número de Deputados Federais por Estado/DF deverá ser proporcional à sua população;
• Nenhum Estado pode ter menos que 8 Deputados Federais;
• O Estado mais populoso deverá ter 70 Deputados Federais;
• O cálculo da população é baseado no censo do IBGE;
• Em cada ano anterior às eleições, o IBGE deverá fornecer ao TSE a atualização estatística demográfica das unidades da Federação (art. 1º da LC);
• Com base nesses dados, o TSE faz o cálculo da quantidade de Deputados Federais por Estado/DF e encaminha para os TRE’s e para os partidos políticos o número de vagas a serem disputadas (parágrafo único do art. 1º da LC).

Obs: vale lembrar que a definição do número de Deputados Federais é importante, dentre outros motivos, pelo fato de que é com base nisso que será calculado o quantitativo de Deputados Estaduais/Distritais (art. 27 da CF/88).

Veja a íntegra do art. 1º da LC 78/93:
Art. 1º Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da Federação.
Parágrafo único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas.

Resolução TSE 23.389/2013
Com base nesse art. 1º, em 2013, o TSE editou a Resolução n.° 23.389 alterando o número de vagas de Deputado Federal de cada Estado/DF e, consequentemente, o número de vagas de Deputados Estaduais a serem disputadas nas eleições de 2014.
Assim, pela Resolução do TSE, alguns Estados perderiam vagas de Deputados Federais (como era o caso da PB que perderia duas vagas) e outros ganhariam (a exemplo de MG, que teria duas vagas extras).

Decreto Legislativo 424/2013-Congresso Nacional
A referida Resolução sofreu forte resistência dos Estados prejudicados que, então, se mobilizaram e conseguiram aprovar, no Congresso Nacional, o Decreto Legislativo 424/2013 que sustou os efeitos da Resolução TSE 23.389/2013.

Qual foi o fundamento para a edição desse Decreto Legislativo?
O Congresso Nacional argumentou que o TSE exorbitou do seu poder regulamentar, ou seja, que ele, a pretexto de regulamentar a LC 78/93, teria atuado como um verdadeiro legislador, invadindo a esfera de competência do Poder Legislativo.
Em situações de abuso do poder regulamentar, a CF/88 autoriza que o Congresso Nacional edite um Decreto Legislativo sustando a eficácia do ato que regulamentou a lei.
Vale ressaltar que não importa o instrumento infralegal utilizado, podendo o Congresso sustar decreto, resolução, instrução normativa, portaria etc., desde que este tenha extrapolado o poder de tão somente regulamentar a lei.
Confira a previsão dessa competência no texto constitucional:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

ADI e ADC
Além dessa providência do Congresso Nacional, os Estados prejudicados propuseram seis ADIs no STF pedindo a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da LC 78/93 e da Resolução TSE 23.389/2013.
A Mesa do Senado Federal, por sua vez, ajuizou uma ADC requerendo que o STF declarasse a validade do Decreto Legislativo 424/2013.
Todas essas ações foram julgadas em conjunto.

O que decidiu o STF quanto às ADI’s propostas contra a LC 78/93 e a Resolução do TSE?
O STF, por maioria, decidiu que o parágrafo único do art. 1º da LC 78/93 e a Resolução TSE 23.389/2013 são INCONSTITUCIONAIS.

O § 1º do art. 45 da CF/88 afirmou claramente que o número total de Deputados e a representação por Estado/DF deveriam ser estabelecidos por lei complementar (ato do Poder Legislativo). Logo, essa competência não poderia ter sido delegada ao TSE, como fez a LC 78/93.

Para a Min. Rosa Weber, o § 1º do art. 45 da CF/88 não permite a delegação à Justiça Eleitoral ou ao TSE da responsabilidade de fixar o número de representantes do Poder Legislativo. Isso porque, analisando a história das Constituições brasileiras, percebe-se que, quando o constituinte pretendeu delegar essa atribuição à Justiça Eleitoral, ele o fez expressamente, como foi o caso da CF/1934. Dessa forma, houve uma opção do constituinte de 1988 no sentido de que essa definição ficasse a cargo do Congresso Nacional.

Ademais, a LC 78/93 não estabeleceu critérios nítidos e exatos de como deveria ser feito o cálculo da proporcionalidade do número de Deputados Federais, sendo extremamente lacônica nesse ponto. Assim, a LC 78/93 não atendeu ao comando constitucional do § 1º do art. 45.

Para a Min. Rosa Weber, mesmo a LC 78/93 tendo apresentado essa falha, não poderia o TSE querer preencher essa lacuna e definir, ele próprio, o critério a ser utilizado. Por isso, a Resolução também padece de vício.

O Min. Joaquim Barbosa reforçou que a tarefa de fixar o número total de Deputados e a representação por unidade federativa não é matéria a ser tratada em via administrativa, sendo o Parlamento o local próprio para a discussão.

O Min. Luiz Fux frisou que a interpretação histórica revela, de forma inequívoca, que a mens legis da CF/88 (art. 45, § 1º) não foi a de delegar esse poder ao TSE. Destacou ainda que a LC 78/93 acabava suprimindo uma prerrogativa constitucional do Parlamento, havendo violação a uma cláusula pétrea, qual seja, a da separação de Poderes.

O Min. Ricardo Lewandowski argumentou que o constituinte atribuiu ao legislador complementar a tarefa de fixação, tanto do número total de deputados, como da representação por Estado-membro e pelo Distrito Federal, tendo em conta a natureza eminentemente política da matéria a ser tratada. Assinalou que este é um tema mais do que sensível, e só pode ser versado por um instrumento legal de hierarquia superior como, no caso, lei complementar.

Portanto, a maioria dos Ministros considerou que o parágrafo único do art. 1º da LC 78/93 e, consequentemente, a Resolução TSE 23.389/2013 são inconstitucionais.

Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Roberto Barroso e Dias Toffoli.

Um dos argumentos dos autores da ADI é o de que a LC 78/93 e a Resolução do TSE teriam violado o § 2º do art. 4º do ADCT. Essa tese foi acolhida pelo STF?
NÃO. Como vimos acima, a LC 78/93 e a Resolução TSE 23.389/2013 foram julgadas inconstitucionais por violarem o princípio da separação dos poderes e o § 1º do art. 45 da CF/88.
O STF, contudo, não concordou com o argumento de que esses atos impugnados teriam afrontado o § 2º do art. 4º do ADCT. Para a Corte, este dispositivo do ADCT não tem nada a ver com a discussão em tela. Vejamos o que ele diz:
Art. 4º (...) § 2º - É assegurada a irredutibilidade da atual representação dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados.

O § 2º do art. 4º, § 2º do ADCT é, como o próprio nome indica, uma norma transitória e, como tal, só valia para proteger aquele mandato vigente à época da promulgação da CF/88. Nesse sentido, o Min. Celso de Melo afirmou que o § 2º do art. 4º do ADCT não poderia ser invocado como parâmetro de controle, dado que o conteúdo eficacial do referido dispositivo teria se exaurido, consideradas as circunstâncias históricas daquele momento em que promulgados a CF/1988 e o ADCT.

Portanto, não tem pertinência a invocação do § 2º do art. 4º do ADCT no presente debate.

E o que decidiu o STF quanto ao Decreto Legislativo 424/2013 editado pelo Congresso Nacional?
Atenção. O STF julgou a ADC improcedente e decidiu que Decreto Legislativo 424/2013 também é INCONSTITUCIONAL.

Foram apontados dois argumentos principais:
1) O Decreto Legislativo 424/2013 foi publicado em 05/12/2013, ou seja, há menos de um ano das eleições de outubro de 2014. Assim, na prática, o Congresso Nacional alterou as regras do processo eleitoral menos de um ano antes das eleições, mudança que viola o princípio da anterioridade eleitoral, insculpido no art. 16 da CF/88:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

2) Não é possível que um Decreto Legislativo retire atribuição outorgada ao TSE por meio de Lei Complementar.
A LC 78/93, bem ou mal, delegou ao TSE a atribuição para fazer os cálculos e definir o número de Deputados. Isso é uma realidade.
Se o Congresso Nacional entendia que essa delegação era inválida, ele deveria ter provocado o STF para julgar a LC inconstitucional.
O que o Congresso não poderia fazer era sustar a Resolução do TSE que foi formalmente autorizada por uma Lei.
Vale ressaltar que o art. 49, V, da CF/88 NÃO prevê que o Congresso Nacional tenha atribuição para sustar atos normativos emanados pelo Poder Judiciário, mesmo que estes, em tese, exorbitem o poder regulamentar. Veja novamente a redação do art. 49, V para confirmar:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

A atribuição do Poder Legislativo de controlar o Poder Executivo é uma das principais competências outorgadas ao Parlamento pelas Constituições modernas. Porém, essa competência não pode ser estendida ao Poder Judiciário por meio de interpretação extensiva.

Desse modo, o Decreto Legislativo 424/2013, ao sustar um ato do Poder Judiciário, violou o princípio da independência do Poder Judiciário, cláusula pétrea.

TESE DA MODULAÇÃO DE EFEITOS: VENCIDA
Discutiu-se eventual modulação de efeitos da decisão do STF nas ADI’s.
Uma corrente de Ministros defendia que o STF declarasse a inconstitucionalidade do art. 1º da LC e da Resolução do TSE, mas que os critérios estabelecidos na Resolução perdurassem até que fosse editada nova Lei Complementar disciplinando a matéria. Assim, o STF iria declaração a inconstitucionalidade dos dispositivos, mas sem pronúncia de nulidade.

Essa tese da modulação, contudo, precisava da concordância de 2/3 dos Ministros (8 votos), conforme prevê o art. 27 da Lei n.° 9.868/99, não tendo sido atingido esse quórum.
Assim, como não houve modulação dos efeitos, o parágrafo único do art. 1º da LC 78/93 e a Resolução TSE 23.389/2013 foram expurgados do ordenamento jurídico e, nas eleições de outubro de 2014, deverão ser adotados os mesmos critérios aplicados nas eleições de 2010.

RESUMINDO:
• O art. 1º da LC 78/93 e a Resolução TSE 23.389/2013 são INCONSTITUCIONAIS por violarem o § 1º do art. 45 da CF/88 e a independência do Poder Legislativo;
• O Decreto Legislativo 424/2013, editado pelo Congresso Nacional, é INCONSTITUCIONAL por violar o art. 49, V, da CF/88 e a independência do Poder Judiciário.
• Nas eleições de outubro de 2014 deverão ser adotados os mesmos critérios aplicados nas eleições de 2010, ou seja, o número de vagas de Deputados Federais não foi alterado.


QUADRO-RESUMO:


A CF/88 previu que o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, deve ser estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população (§ 1º do art. 45).

Em 1993, foi editada a LC 78/93, que disciplina a fixação do número de Deputados.

O art. 1º da LC 78/93 previu que, em cada ano anterior às eleições, o IBGE deverá fornecer ao TSE a atualização estatística demográfica das unidades da Federação. Com base nesses dados, o TSE faz o cálculo da quantidade de Deputados Federais por Estado/DF e encaminha para os TRE’s e para os partidos políticos o número de vagas a serem disputadas.

Em 2013, com base no art. 1º da LC 78/93, o TSE editou a Resolução 23.389 alterando o número de vagas de Deputado Federal de cada Estado/DF e, consequentemente, o número de vagas de Deputados Estaduais a serem disputadas nas eleições de 2014.

O Congresso Nacional, argumentando que o TSE exorbitou do seu poder regulamentar, publicou o Decreto Legislativo 424/2013 sustando os efeitos da Resolução TSE 23.389/2013.

O STF entendeu que:

• O parágrafo único do art. 1º da LC 78/93 e a Resolução TSE 23.389/2013 são INCONSTITUCIONAIS por violarem o § 1º do art. 45 da CF/88 e a independência do Poder Legislativo.

• O Decreto Legislativo 424/2013, editado pelo Congresso Nacional, é INCONSTITUCIONAL por violar o art. 49, V, da CF/88 e a independência do Poder Judiciário.

• Nas eleições de outubro de 2014 deverão ser adotados os mesmos critérios aplicados nas eleições de 2010, ou seja, o número de vagas de Deputados Federais não foi alterado.

STF. Plenário. ADI 4947, 5020, 5028, 5130, 4963, 4965 e ADC 33/DF, Rel. p. Acórdão Min. Rosa Weber, julgados em 18/6/2014 (Info 751).



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