sexta-feira, 11 de julho de 2014
É possível manter a prisão preventiva do réu mesmo que ele tenha sido condenado a regime semiaberto e tenha recorrido contra a sentença?
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Olá amigos do Dizer o Direito,
Vamos hoje tratar sobre um tema muito importante para a prática forense
e os concursos do Ministério Público e da Magistratura.
Imagine a seguinte situação:
João é réu em um processo penal
acusado da prática de estelionato previdenciário (art. 171, § 3º do CP).
Durante a instrução, o réu tentou
fugir, razão pela qual foi preso preventivamente para assegurar a aplicação da
lei penal.
O magistrado proferiu sentença
condenando o acusado a uma pena de 3 anos, a ser cumprida em regime semiaberto.
Na sentença, o juiz decidiu que o condenado deveria continuar preso
cautelarmente, ou seja, deveria aguardar o julgamento de eventual recurso preso
(art. 387, § 1º do CPP).
A defesa interpôs apelação contra
a decisão postulando a absolvição de João.
Além disso, a defesa também
impetrou habeas corpus pedindo que João aguardasse o julgamento do recurso em
liberdade.
A argumentação da defesa foi a
seguinte: o réu foi condenado ao regime semiaberto. Ainda que a sentença seja
mantida, ele não ficará no regime fechado. Logo, não é possível que o réu permaneça
preso se a sentença já fixou regime semiaberto. A manutenção da prisão cautelar
é incompatível para condenados ao regime semiaberto.
O STJ concordou com a tese da defesa?
NÃO. Para o STJ, não há
incompatibilidade no fato de o juiz, na sentença, ter condenado o réu ao regime
inicial semiaberto e, ao mesmo tempo, ter mantido sua prisão cautelar.
Se ainda persistem os motivos que
ensejaram a prisão cautelar (no caso, o risco de fuga), o réu deverá ser
mantido preso mesmo que já tenha sido condenado ao regime inicial semiaberto.
Deve ser adotada, no entanto, a
seguinte providência: o condenado permanecerá preso, porém, ficará recolhido e seguirá
as regras do regime prisional imposto na sentença. Em outras palavras, o réu,
enquanto aguarda seu recurso preso, deverá receber o tratamento dispensado aos
condenados ao regime semiaberto.
Em nosso exemplo, João sairá da
Penitenciária (local destinado ao regime fechado) e deverá ser transferido para
uma colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, eis que esse é o
local de cumprimento da pena para o regime semiaberto. Lá, o condenado,
enquanto aguarda o recurso, já poderá usufruir dos benefícios da execução
penal, como o trabalho e a frequência a cursos.
Em suma, o que o STJ decidiu é
que, se o réu estava preso durante todo o processo criminal, e, na sentença,
foi condenado ao regime semiaberto, isso não significa que o juiz terá que
revogar a prisão cautelar e conceder-lhe a liberdade. A providência a ser
adotada pelo magistrado é a de garantir que esse condenado receba o tratamento
destinado aos presos do regime semiaberto.
STJ. 5ª Turma. HC 289.636-SP,
Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 20/5/2014 (Info 540).
Veja outros precedentes do STJ no
mesmo sentido:
(...) A orientação
pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao
condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu preso durante a
persecução criminal, se presentes os motivos para a segregação preventiva.
2. Entretanto, verificado
que ao recorrente foi imposto o regime inicial semiaberto de cumprimento da
pena, faz-se necessário compatibilizar a custódia cautelar com o modo de
execução determinado na sentença condenatória, sob pena de estar-se impondo ao
apenado regime mais gravoso de segregação tão somente pelo fato de ter optado
pela interposição de recurso.
3. Recurso ordinário
improvido, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício apenas para
determinar que o recorrente aguarde o julgamento de eventual recurso em
estabelecimento adequado ao regime fixado na condenação.
STJ. 5ª Turma. RHC
41.665/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 05/06/2014.
(...) 3. Ainda que se
considere haver elementos suficientes para a negativa do direito de recorrer em
liberdade, é certo que, tendo sido fixado o regime semiaberto como inicial para
o cumprimento da pena reclusiva, configura constrangimento ilegal manter o
apenado submetido a regime fechado. Não se mostrando razoável que o réu aguarde
o julgamento do recurso em regime prisional mais gravoso do que àquele que foi
estabelecido na sentença condenatória.
Precedentes.
4. Habeas corpus não
conhecido. Ordem concedida de ofício para assegurar ao paciente sua imediata
colocação no regime semiaberto, enquanto aguarda o trânsito em julgado da
condenação.
STJ. 6ª Turma. HC
269.288/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 15/08/2013.
CUIDADO COM O PRECEDENTE A
SEGUIR EXPLICADO:
Caso concreto:
João e mais outras três pessoas foram
presas em flagrante e denunciadas pela prática dos delitos previstos no art.
334, § 1º, “c” e “d” e art. 288, ambos do Código Penal.
A pena do art. 334 é de 1 a 4 anos.
A reprimenda imposta ao art. 288 é de 1
a 3 anos.
Liberdade provisória
João interpôs um pedido de liberdade
provisória, tendo o juiz indeferido o benefício e mantido a prisão cautelar.
A discussão sobre a liberdade do réu
chegou até o STJ.
Decisão do STJ
A 5ª Turma do STJ decidiu conceder a
liberdade ao acusado.
Para a Corte, é ilegal a manutenção da
prisão provisória na hipótese em que seja plausível antever que o início do
cumprimento da pena, em caso de eventual condenação, será feita em regime menos
rigoroso que o fechado.
No caso concreto, o STJ vislumbrou que,
se o réu for condenado, ele não o será no regime fechado. Logo, por essa razão,
não deveria responder o processo preso.
Conforme afirmou o Ministro, a prisão
provisória é providência excepcional no Estado Democrático de Direito, só sendo
justificável quando atendidos os critérios de adequação, necessidade e
proporcionalidade.
Dessa forma, para a imposição da
medida, é necessário demonstrar concretamente a presença dos requisitos
autorizadores da preventiva (art. 312 do CPP) — representados pelo fumus comissi delicti e pelo periculum libertatis — e, além disso,
não pode a referida medida ser mais grave que a própria sanção a ser possivelmente
aplicada na hipótese de condenação do acusado. É o que se defende com a
aplicação do princípio da homogeneidade, corolário do princípio da
proporcionalidade, não sendo razoável manter o acusado preso em regime mais
rigoroso do que aquele que eventualmente lhe será imposto quando da condenação.
STJ.
5ª Turma. HC 182.750-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013 (Info
523).
O que fazer na prática?
Pela leitura dos votos, percebe-se
que, a par do debate jurídico, o que realmente influencia para que o STJ
mantenha ou não a prisão é a existência de indícios concretos de que a custódia
é necessária para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução
criminal ou para evitar riscos à aplicação da lei penal. Em outras palavras,
mesmo sendo possível antever que o regime será o semiaberto, a prisão cautelar é
mantida quando se mostrar realmente necessária. O fato de o possível regime ser
o semiaberto serve apenas como mais um elemento de fundamentação para a
concessão da liberdade quando não houver motivos para a prisão.
O que fazer nos concursos
públicos?
Em provas práticas (alegações
finais, recurso, habeas corpus etc.) deve-se adotar a tese favorável à defesa
(no caso da Defensoria Pública) ou à acusação (em concursos do MP).
Se a prova for objetiva ou
discursiva, deve-se ficar atento para os elementos fornecidos pelo enunciado da
questão porque provavelmente estará sendo utilizado o caso concreto (ex:
pode-se dizer que o réu já foi condenado e recorreu. Nesse caso, estará sendo
adotado como paradigma o HC 289.636-SP).
Na dúvida, o entendimento que
prevalece é o exposto no HC 289.636-SP (Info 540), ou seja, é possível manter a
prisão preventiva do réu mesmo que ele tenha sido condenado a regime semiaberto
e tenha recorrido contra a sentença.