Dizer o Direito

terça-feira, 10 de junho de 2014

Comentários à Lei 12.990/2014, que reserva aos negros 20% das vagas em concursos públicos federais





Olá amigos do Dizer o Direito,



Foi publicada hoje a Lei n.°12.990/2014, que prevê cotas para negros em concursos públicos federais.



Vamos conhecer os detalhes sobre a medida:

O que a lei estabelece?
20% das vagas oferecidas nos concursos públicos realizados pela administração pública federal devem ser destinadas a candidatos negros.

A lei obriga quais entidades?
Órgãos, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista federais, ligadas ao Poder Executivo.

Órgãos
(ex: Ministérios)
FEDERAIS
ligadas ao Poder Executivo
Autarquias
(ex: INSS, Bacen)
Fundações
(ex: universidades federais)
Empresas públicas
(ex: Correios, Caixa Econômica)
Sociedades de economia mista
(ex: Petrobrás, Banco do Brasil)

A cota prevista na Lei n.º 12.990/2014 é válida para concursos do MPU e dos Poderes Legislativo e Judiciário da União?
NÃO. A Lei n.° 12.990/2014 tem aplicação restrita ao Poder Executivo federal.
Para que vinculasse os concursos para membros e servidores do MPU e do Poder Judiciário seria necessária a edição de uma lei de iniciativa do MP (art. 127, § 2º, da CF/88) ou do Judiciário (art. 96, II, “b”).
De igual forma, para que a cota abrangesse os concursos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, seria indispensável a edição de resolução das respectivas casas (art. 51, IV e art. 52, XIII) normatizando o tema.
Vale ressaltar, no entanto, que o Presidente do Senado já anunciou que está sendo elaborada uma Resolução da Casa prevendo a reserva de 20% das vagas para negros nos próximos concursos públicos e na contratação dos futuros funcionários terceirizados do Senado. Desse modo, haverá também a cota no Senado, mas não por força da Lei n.º 12.990/2014 e sim por meio de resolução.

A cota é válida para concursos da DPU?
Trata-se de tema polêmico, mas penso que NÃO. Recentemente, a EC 80/2014 conferiu à Defensoria Pública a iniciativa de lei para a sua organização interna (art. 134, §4º c/c art. 96, II, da CF/88). Logo, para que haja cota em concursos públicos de membros ou servidores da Instituição, é indispensável a edição de uma lei de iniciativa do Defensor Público Geral.
Além disso, conforme já decidiu o STF em reiteradas oportunidades, a Defensoria Pública goza de autonomia administrativa (art. 134, §2º, da CF/88), razão pela qual não pode ser considerada como sendo um órgão vinculado à estrutura do Poder Executivo (ADI 3.569, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 2/4/2007). Assim, “qualquer medida normativa que suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a outros Poderes, em especial ao
Executivo, implicará violação à Constituição Federal.” (STF. Plenário. ADI 4.056, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 7/3/2012).
Considerando, no entanto, que a Defensoria Pública sempre apoiou o sistema de cotas, é possível que adote o entendimento institucional de que a Lei se aplica aos seus concursos. Reputo, contudo, que esse não é o melhor caminho. O ideal seria o Defensor Público-Geral Federal encaminhar um projeto de lei prevendo as cotas nos concursos da DPU. Com isso,  reafirmaria a posição institucional a respeito dessa ação afirmativa e ao mesmo tempo não permitiria mitigações à autonomia do órgão.

A cota prevista na Lei n.º 12.990/2014 é válida para concursos estaduais, distritais e municipais?
NÃO. Conforme já salientado, a Lei n.º 12.990/2014 é restrita ao Poder Executivo federal. Vale lembrar, no entanto, que alguns Estados e Municípios já prevêem cotas em concursos estaduais e municipais para negros. É o caso, por exemplo, da Lei n.º 5.695/2014, do Município do Rio de Janeiro.

Número mínimo de vagas
A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (art. 1º, § 1º).
Em outras palavras, se o concurso prever menos que 3 vagas, não haverá cotas para negros.

O que acontece se, ao reservar os 20% de vagas aos negros, surgir um número fracionado? Ex: em um concurso para 9 vagas, 20% será igual a 1,8 vagas. O que fazer nesse caso?
• Se a fração for igual ou maior que 0,5 (cinco décimos): o número de vagas deverá ser aumentado para o primeiro número inteiro subsequente. Ex: concurso para 9 vagas (20% = 1,8). Logo, será arredondado para 2 vagas destinadas a negros.
• Se a fração for menor que 0,5 (cinco décimos): o número de vagas deverá ser diminuído para o número inteiro imediatamente inferior. Ex: concurso para 16 vagas (20% = 3,2). Logo, será arredondado para 3 vagas de negros.

Edital deverá informar o número de vagas da cota
O edital do concurso deverá especificar o total de vagas reservadas aos candidatos negros para cada cargo ou emprego público oferecido.

Quem poderá concorrer às vagas da cota?
Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (art. 2º da Lei).
Esse é o grande ponto nevrálgico da Lei, ou seja, quem pode ser considerado “pardo”, por exemplo? Existe algum critério científico ou objetivo por meio do qual se possa chegar a essa conclusão? Em caso de dúvidas ou situações limítrofes, quem decidirá? Infelizmente não tenho essas respostas.
Em algumas universidades que adotam as cotas, existe uma espécie de colegiado que analisa e decide os pedidos e eventuais denúncias de declarações falsas.
O Decreto que regulamentar a lei e os editais dos concursos deverão trazer regras específicas sobre como funcionará essa autodeclaração.

Declaração falsa
Se ficar constatado que o candidato fez declaração falsa sobre sua cor, a Lei prevê que ele será eliminado do concurso.
Caso a declaração falsa somente seja constatada após o candidato já ter sido nomeado, a sua admissão poderá ser anulada, após processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.
Além disso, o candidato ainda poderá ser processado criminalmente.

Os candidatos negros concorrem apenas às vagas da cota?
NÃO. Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.
Ex: em determinado concurso, 80 vagas eram destinadas à ampla concorrência e 20 reservadas para negros. João, que se autodeclarou preto no momento da inscrição, ficou em 25º lugar na lista de candidatos negros. Ao mesmo tempo, na lista de ampla concorrência, ele ficou em 79º lugar. Logo, ele será nomeado nas vagas destinadas à ampla concorrência.

Candidato negro que foi aprovado nas vagas de ampla concorrência
Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas (art. 3º, § 1º).
Ex: em determinado concurso, 80 vagas eram destinadas à ampla concorrência e 20 reservadas para negros. Pedro, que se autodeclarou preto no momento da inscrição, ficou em 19º lugar na lista de candidatos negros. Ao mesmo tempo, na lista de ampla concorrência, ele ficou em 79º lugar. Logo, ele será nomeado nas vagas destinadas à ampla concorrência e a sua vaga na lista da cota (19º lugar) será utilizada por outro candidato negro.

Candidato negro que desiste da nomeação ou posse
Em caso de desistência de candidato negro aprovado em vaga reservada, a vaga será preenchida pelo candidato negro posteriormente classificado.
Ex: em determinado concurso, 20 vagas eram reservadas para negros. Lucas, que se autodeclarou preto no momento da inscrição, ficou em 20º lugar na lista de candidatos negros. Ocorre que ele desistiu de sua nomeação em razão de ter passado em outro certame. Logo, a administração pública terá que convocar o 21º candidato negro.

O que acontece se as vagas reservadas aos candidatos negros não forem integralmente preenchidas?
Na hipótese de não haver candidatos negros aprovados em número suficiente para ocupar as vagas reservadas, tais vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação.
Ex: em determinado concurso, 4 vagas eram reservadas para candidatos negros. Ocorre que somente 3 candidatos negros fizeram a pontuação mínima exigida (nota de corte). Assim, essa quarta vaga poderá ser preenchida por candidato não negro.

Nomeação dos candidatos
A Lei n.º 12.990/2014 prevê a seguinte regra:
Art. 4º A nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros.

Ao final do concurso, haverá uma relação de aprovados na ampla concorrência, outra lista de aprovados dentre aquelas pessoas que concorreram nas vagas reservadas a negros e, eventualmente, uma terceira lista de candidatos inscritos como deficientes.

Ex: imagine um concurso com 10 vagas. Dessas, 6 eram destinadas à ampla concorrência, 2 para negros e 2 para deficientes. Foram aprovados 45 candidatos na ampla concorrência, 11 nas vagas para negros e 5 nas vagas de deficientes.

A nomeação dos candidatos deverá ser alternada e observando essa proporcionalidade. Assim, os três primeiros candidatos nomeados serão da ampla concorrência, o quarto será da lista de deficientes e o quinto dentre os negros; o sexto, o sétimo e o oitavo da ampla concorrência, o nono dentre os deficientes e o décimo para negros. (obs: agradeço ao colega juiz federal Felipe Benali pelo exemplo)

Vigência do sistema de cotas para negros
O sistema de cotas para negros previsto na Lei nº 12.990/2014 irá durar pelo prazo de 10 anos. Após esse período, acabam as cotas para negros em concursos públicos da administração pública federal, salvo se for verificado que a medida ainda é necessária quando, então, deverá ser editada uma nova lei prorrogando o prazo.

Concursos cujos editais já tenham sido publicados
A Lei n.º 12.990/2014 entrou em vigor hoje, mas ela não se aplica aos concursos públicos cujos editais já tenham sido publicados.

Reserva de vagas para deficientes
Vale ressaltar que, nos concursos para servidores públicos federais, a Lei já prevê a reserva de até 20% das vagas para pessoas portadoras de deficiência (art. 5º, § 2º da Lei n.º 8.112/90).

Clique AQUI para conferir a íntegra da Lei.

Márcio André Lopes Cavalcante
Professor



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