quarta-feira, 7 de maio de 2014
Renúncia ao mandato de réu com foro por prerrogativa de função
quarta-feira, 7 de maio de 2014
Olá amigos do Dizer o Direito,
Vamos analisar hoje um julgado
muito interessante envolvendo Deputado Federal que respondia a ação penal no
STF e que renunciou ao mandato já próximo de seu julgamento.
O caso concreto foi o seguinte:
Eduardo Azeredo era Deputado
Federal e respondia a uma ação penal que tramitava no STF em virtude do cargo
que ocupava (art. 102, I, “b”, da CF/88).
Foram praticados todos os atos de
instrução (perícias, oitivas de testemunhas, interrogatório etc.).
Após o Ministério Público apresentar
alegações finais pedindo a condenação, o réu renunciou ao seu mandato de
Deputado Federal, informando essa situação ao Tribunal.
Se o parlamentar federal
(Deputado ou Senador) está respondendo a uma ação penal no STF e renuncia ao
cargo antes de ser julgado, cessa o foro por prerrogativa de função e o
processo deverá ser remetido para julgamento em 1ª instância?
Regra geral: SIM
O foro privativo é uma
prerrogativa do cargo ocupado (e não da pessoa física).
Assim, deixando de exercer o
cargo de Deputado Federal ou de Senador, em regra, não há mais motivo para que
ele continue a ser julgado pelo STF.
A isso Alexandre de Moraes chama
de “regra da atualidade”, ou seja, tratando-se de crime comum praticado por
detentores de foro privativo no STF, a competência será desta Corte somente enquanto
durar o cargo ou mandato.
Exceção 1: se o julgamento já havia sido
iniciado.
Imagine que, iniciado o
julgamento de autoridade com foro privativo, o Ministro Relator proferiu seu
voto. Outro Ministro, no entanto, formula pedido de vista, suspendendo o
julgamento. Antes que ele seja retomado, o réu deixa o cargo que ocupava. Nesse
caso, o STF permanece sendo competente porque o julgamento é ato unitário que
se desdobra fisicamente. Em outras palavras, a partir do momento em que foi
aberta a sessão e prolatado o voto, a renúncia ao cargo ou o fim do mandato eletivo
não terão mais influência na competência que foi firmada no momento em que se
iniciou o julgamento. Nesse sentido:
(...) Uma vez iniciado o
julgamento de Parlamentar nesta Suprema Corte, a superveniência do término do
mandato eletivo não desloca a competência para outra instância. (...)
STF. Plenário. Inq 2295, Rel.
p/ Acórdão Min. Menezes Direito julgado em 23/10/2008.
Exceção 2: se a renúncia caracterizou-se
como fraude processual.
Em um caso concreto, o Deputado
Federal Natan Donadon renunciou ao mandato um dia antes da data que estava
marcada para seu julgamento. O STF entendeu que o objetivo dessa renúncia foi o
de escapar do julgamento pelo STF, o que caracterizou fraude processual e abuso
de direito. Em razão disso, a Corte reconheceu que continuava sendo competente
para julgá-lo, tendo proferido acórdão condenatório. Veja trechos da ementa:
(...) Renúncia de mandato: ato
legítimo. Não se presta, porém, a ser utilizada como subterfúgio para
deslocamento de competências constitucionalmente definidas, que não podem ser
objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de ser aproveitada como expediente
para impedir o julgamento em tempo à absolvição ou à condenação e, neste caso,
à definição de penas. 2. No caso, a renúncia do mandato foi apresentada à Casa
Legislativa em 27 de outubro de 2010, véspera do julgamento da presente ação
penal pelo Plenário do Supremo Tribunal: pretensões nitidamente incompatíveis
com os princípios e as regras constitucionais porque exclui a aplicação da
regra de competência deste Supremo Tribunal. (...)
STF. Plenário. AP 396/RO, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/10/2010.
Resumindo:
• Como regra,
o Deputado/Senador que deixa o cargo não mais continua sendo julgado pelo STF.
• Exceção 1: o
STF continuará sendo competente se o julgamento já havia sido iniciado.
• Exceção 2: o
STF continuará sendo competente se a renúncia caracterizou-se como fraude
processual.
Voltando ao caso concreto. O
STF continuou sendo competente para julgar o ex-Deputado Federal Eduardo
Azeredo?
NÃO. O STF decidiu que cessou
sua competência para julgar o réu. Como consequência, determinou a remessa do
feito ao juízo de 1º grau.
Para o STF,
a situação dos autos é diferente do precedente firmado na AP 396/RO (exceção
2). Segundo a Corte, naquele caso, o processo já estaria instruído e pronto
para ser julgado, o que não seria a hipótese do processo de Eduardo Azeredo, em
que ainda faltavam as alegações finais da defesa e a preparação do voto pelo
Relator.
Ademais, afirmou-se que não
havia, na presente hipótese, perigo de prescrição da pena em abstrato.
STF. Plenário. AP 536 QO/MG,
rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/3/2014.
Informação extra
Durante
o julgamento, os Ministros debateram sobre a possibilidade de se fixar um
limite de tempo a partir do qual o réu, mesmo que renunciasse, continuaria a
ser julgado pelo STF. Surgiram as seguintes propostas:
1ª) Recebimento da denúncia.
Se o parlamentar renunciar ao
mandato após o recebimento da inicial acusatória, a competência para o processo
e julgamento da ação penal continua sendo do STF.
Defendida pelos Ministros Luis
Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux e Joaquim Barbosa.
2ª) Encerramento da instrução.
Se o parlamentar renunciar ao
mandato após o encerramento da instrução (após o início do prazo para as
alegações finais), a competência para o processo e julgamento da ação penal continua
sendo do STF.
Sustentada pela Min. Rosa Weber.
3ª) Liberação do processo pelo Min. Relator para o Min. Revisor.
Nas ações penais originárias
julgadas pelo STF existe a figura do Min. Relator e também a do Min. Revisor.
Segundo
a sugestão do Min. Dias Toffoli, o marco para definir se a renúncia produziria
efeitos sobre a competência seria o lançamento, pelo relator da ação penal, do
visto com a liberação do processo ao revisor.
Em outras palavras, se o
parlamentar renunciar ao mandato após o Relator liberar o processo para o
Revisor, a competência para o julgamento da ação penal deveria continuar sendo
do STF.
4ª) A análise da validade da renúncia deve ser feita no caso concreto
Para os Ministros Celso de Mello,
Gilmar Mendes e Marco Aurélio o exame sobre a ocorrência, ou não, de abuso no
direito de renunciar deverá ser feito caso a caso, ou seja, sem uma regra geral
fixa.
Como não se obteve maioria
absoluta em nenhuma das sugestões apresentadas, o Tribunal decidiu que o tema
deveria ser reapreciado em outra ocasião, não sendo, portanto, fixado nenhum
critério objetivo.