Imagine a seguinte situação
adaptada:
O Tribunal de Contas da União
instaurou um procedimento de tomada de contas com o objetivo de investigar a
evolução patrimonial suspeita dos dirigentes de um determinado sindicato em
virtude da existência de indícios de que estaria havendo malversação dos
recursos decorrentes da contribuição sindical compulsória.
Mandado de segurança
Ao tomar conhecimento do
procedimento, o sindicato impetrou, no STF (art. 102, I, “d”, da CF/88), mandado
de segurança contra o TCU. Os argumentos apresentados foram os seguintes:
• as contribuições sindicais
compulsórias não configuram recursos públicos federais;
• os sindicatos não podem ser
enquadrados como entes públicos da administração direta ou indireta a atrair a
competência do TCU;
• a fiscalização pelo TCU de atos
do sindicato configura ofensa à liberdade e autonomia sindical (art. 8º, I, da
CF/88).
O que
decidiu o STF? Os sindicatos estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de
Contas a respeito dos valores recebidos a título de contribuição sindical?
SIM. As
contribuições sindicais compulsórias possuem natureza tributária, constituem
receita pública e estão, portanto, os responsáveis pela sua gestão sujeitos à
competência fiscalizatória do TCU.
Ademais, a
atividade de controle do TCU sobre a atuação das entidades sindicais não
representa violação à autonomia sindical.
STF. 1ª Turma.
MS 28465, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/03/2014.
Vejamos os pontos mais relevantes
a respeito do tema.
Contribuição sindical
Com o objetivo de garantir o seu
custeio, a CF/88 assegurou às entidades sindicais duas contribuições
diferentes. Veja:
Art. 8º (...)
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que,
em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para
custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
Desse modo, apesar de a redação
do inciso ser um pouco truncada, é possível perceber que ele fala em duas espécies
de contribuição:
1ª) Contribuição fixada pela assembleia
geral;
2ª) Contribuição prevista em lei.
Confira as diferenças entre elas:
Contribuição CONFEDERATIVA
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Contribuição SINDICAL
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Prevista na 1ª parte do art. 8º,
IV, da CF/88.
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Prevista na 2ª parte do art. 8º,
IV, da CF/88.
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Também chamada de “contribuição
de assembleia”.
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Também chamada de “imposto
sindical”, expressão incorreta porque não é imposto.
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NÃO é tributo.
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É um TRIBUTO.
Trata-se de contribuição
parafiscal (ou especial).
É instituída pela União, mas a
sua arrecadação é destinada aos sindicatos.
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Fixada pela assembleia geral do
sindicato (obrigação ex voluntate).
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Instituída por meio de lei
(obrigação ex lege).
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É considerada VOLUNTÁRIA.
Somente é paga pelas pessoas
que resolveram se filiar ao sindicado.
Súmula 666-STF: A contribuição
confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, só é exigível dos
filiados ao sindicato respectivo.
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É COMPULSÓRIA.
Deve ser paga por todos aqueles
que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou
de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma
categoria ou profissão ou, inexistindo este, à Federação correspondente à
mesma categoria econômica ou profissional.
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Não precisa obedecer aos princípios
tributários.
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Deverá respeitar os princípios
tributários (legalidade, anterioridade etc.).
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O quadro acima é bastante
conhecido. A informação nova vem agora: os sindicatos estão sujeitos à
fiscalização do Tribunal de Contas a respeito dos valores recebidos a título de
contribuição?
• Contribuição confederativa:
NÃO.
• Contribuição sindical: SIM.
Segundo decidiu o STF, as
contribuições sindicais são compulsórias e possuem natureza tributária. Logo, podem
ser classificadas como “receita pública”. Desse modo, sendo receitas públicas, estão
sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União, nos termos do art. 70,
parágrafo único e art. 71, I, da CF/88.
Os destinatários de contribuições
parafiscais estão sujeito à fiscalização do TCU. Com efeito, deverá prestar
contas qualquer pessoa pública ou privada, sem distinção quanto a compor ou não
a Administração Pública, que gerencie dinheiro público. O produto da
arrecadação tributária, embora repassado a entidade privada, é dinheiro
público, sujeito à competência fiscalizatória das instituições públicas
dirigidas a essa modalidade específica de controle.
No plano legislativo, a Lei n.° 8.443/92 (Lei Orgânica do
TCU) é ainda mais clara:
Art. 5º A jurisdição do
Tribunal abrange:
V - os responsáveis por
entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam
contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social;
Essa fiscalização do TCU sobre os
valores recebidos como contribuição sindical, viola a autonomia dos sindicatos,
prevista no art. 8º, I, da CF/88?
NÃO. Isso porque o simples fato
de o TCU fazer a fiscalização sobre receitas públicas repassadas pela União aos
sindicatos não significa interferência ou intervenção na organização sindical. Conforme
ressaltou o Min. Marco Aurélio:
“Autonomia sindical e
fiscalização pública – do Tribunal de Contas, das Polícias Federal e estaduais,
dos órgãos ambientais – são temas que não se antagonizam, mas antes se complementam.
Logo, o direito à autonomia,
ainda que de índole constitucional, não chega ao extremo de conferir ao titular
a blindagem à fiscalização.
Fosse assim, como bem salientado
por Francisco Ribeiro Neves, “poder-se-ia imaginar um cenário no qual também as
universidades públicas deixarão de prestar contas em nome da autonomia
universitária (art. 207 da CF/88)” em O
veto presidencial e a necessidade de os sindicatos prestarem contas ao Tribunal
de Contas da União sobre a contribuição sindical. Acrescento que o mesmo
poderia acontecer quanto às agências reguladoras, ao Ministério Público, à
Defensoria Pública e aos demais órgãos que gozam de autonomia administrativa.”
Em suma, os sindicatos estão
obrigados a prestar contas ao TCU sobre os valores da contribuição sindical e
isso não viola a autonomia sindical.