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segunda-feira, 7 de abril de 2014

“Caso Varig”: responsabilidade da União por plano econômico que determinou o congelamento das tarifas



“Plano Cruzado”
Na década de 80, o Brasil lutava constantemente para combater a inflação, principal problema da economia nacional na época.
Em virtude disso, houve vários planos econômicos que impuseram algumas medidas muito duras tanto para as empresas como para os consumidores.
Um dos mais famosos programas econômicos do período foi o chamado “Plano Cruzado”, lançado pelo então Presidente José Sarney, que recebeu esse nome porque determinou a troca da moeda nacional, que deixou de ser o “Cruzeiro” e foi substituída pelo “Cruzado”.

Congelamento de preços de bens e serviços
A medida de maior destaque e repercussão do “Plano Cruzado” foi determinar o congelamento do preço dos bens e serviços.
Os preços das passagens aéreas também foram congelados, ou seja, as companhias não podiam, salvo autorização do Governo, reajustar o valor das tarifas.
O Plano Cruzado foi sendo substituído por outros planos econômicos (Bresser, Verão etc), mas o congelamento das tarifas do setor aéreo durou até janeiro de 1992.

Ação de indenização
A Varig, maior companhia aérea do período, foi a mais impactada com a medida.
Diante disso, em 1993, ela ajuizou uma ação, na Justiça Federal em Brasília, contra a União, pedindo o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de serviço de transporte aéreo, com o ressarcimento dos prejuízos suportados em razão do congelamento.
A empresa argumentou que era concessionária de serviço público e que o congelamento das tarifas violou seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, considerando que ela ficou operando com prejuízos.

Principal argumento de defesa da União
A AGU defendeu, como principal tese, que a União ao instituir os planos econômicos e determinar o congelamento de preços estava atuando de forma legítima, buscando melhorar a economia do país e regular o serviço público em prol de toda a coletividade.
Vale ressaltar que, segundo a CF/88, cabe à União, por meio de lei, dispor sobre a política tarifária adotada pelas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos (art. 175, parágrafo único, III). Logo, a conduta perpetrada foi LÍCITA.

Parecer do MPF
O Ministério Público federal opinou de forma contrária ao pleito da Varig.
Dentre outras razões invocadas, o Parquet afirmou que toda a coletividade sofreu prejuízos e teve que arcar com os ônus decorrentes do congelamento de preços determinado pelo plano econômico, de modo que não havia sentido apenas a Varig ser indenizada.

O que decidiu o STF? A Varig tem direito de ser indenizada?
SIM. Plenário. RE 571969/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 12/3/2014.

Vejamos abaixo os principais argumentos:

Situação peculiar da empresa: concessionária de serviço público
Para a Min. Carmen Lúcia, relatora do recurso, realmente toda a sociedade brasileira se viu submetida às determinações do plano econômico. No entanto, a situação da Varig era peculiar porque se tratava de uma concessionária de serviço público. Assim, essa empresa não tinha liberdade para atuar segundo a sua própria conveniência, já que estava vinculada aos termos do contrato de concessão que foram pré-determinadas pela União, que também foi a autora das medidas econômicas de congelamento.

Violação ao equilíbrio econômico-financeiro
Deve-se esclarecer que, para o STF, as medidas impostas pelo plano econômico foram lícitas. Desse modo, a conduta da União, no caso, foi LÍCITA. Apesar isso, houve um prejuízo financeiro à Varig e isso deve ser reparado.
Segundo a Relatora, como concessionária de serviço público, a Varig foi obrigada a cumprir o tabelamento de preços, o que lhe causou graves prejuízos já que houve a quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
De que forma houve a quebra desse equilíbrio? Ora, os serviços de transporte aéreo deveriam continuar sendo prestados já que essa era a obrigação contratual da Varig, mas, em compensação, ela tinha que suportar um ônus novo, antes não previsto no contrato, qual seja, a impossibilidade de que as tarifas fossem reajustadas. Os custos do serviço iam sendo aumentados (combustível, salários, manutenção das aeronaves etc), mas isso não podia ser repassado para o preço das passagens. A empresa passou a trabalhar de forma deficitária.

Responsabilidade civil por atos lícitos
Os atos que compuseram o “Plano Cruzado”, apesar de não serem ilegais e de estarem justificados pelo interesse públicos, provocaram diretamente danos à Varig.
Vale ressaltar que é possível a responsabilidade civil do Estado não apenas por atos ilícitos, mas também por condutas LÍCITAS. Esse é um exemplo.
A responsabilidade do Estado pela prática de atos lícitos ocorre quando deles decorram prejuízos específicos, expressos e demonstrados.

Conclusão
Desse modo, o STF, reconheceu que a União, na qualidade de contratante, possui responsabilidade civil por prejuízos suportados pela companhia aérea em decorrência do congelamento das tarifas de aviação determinada pelos planos econômicos.

Fundamentos constitucionais:
·         Necessidade de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão (princípio constitucional da estabilidade econômico-financeira): art. 37, XXI;
·         Responsabilidade civil do Estado também pode ser por atos lícitos que causem prejuízos: art. 37, § 6º.

Como votaram os Ministros:
A favor da indenização
Contrários à indenização
Impedidos ou ausentes
Min. Carmen Lúcia
Min. Luís Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Celso de Mello
Min. Joaquim Barbosa
Min. Gilmar Mendes
Min. Teori Zavascki
Min. Luiz Fux
Min. Dias Toffoli
Min. Marco Aurélio

Votos divergentes
Os dois votos divergentes foram dos Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes.
O Min. Joaquim Barbosa afirmou que as medidas determinadas nos planos econômicos foram feitas com base em atos legislativos de caráter genérico e impessoal, que afetaram indistintamente todas as empresas e pessoas. Assim, não seria possível indenizar apenas uma empresa ou pessoa por supostos danos por eles causados.
De igual sorte, sustentou que não seria devido aplicar ao caso a teoria da imprevisão uma vez que a assinatura do contrato de concessão entre a União e a Varig ocorreu em época de combate à inflação, sendo, portanto, tais medidas previsíveis e normais para o período.

Valor da indenização
O valor da indenização ainda será calculado pela Justiça Federal de Brasília, em 1ª instância, em liquidação da sentença. No entanto, em cálculos iniciais realizados pela AGU, o montante devido seria de 3 bilhões de reais. Por outro lado, os ex-funcionários da Varig argumentam que a dívida chega a 6 bilhões de reais.

Deve-se esclarecer que a Varig já foi à falência e o dinheiro dessa condenação será revertido em favor dos ex-funcionários que até hoje lutam por seus direitos trabalhistas e previdenciários.


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