Dizer o Direito

terça-feira, 22 de abril de 2014

Análise do art. 1º-D da Lei 9.494/97




Olá queridos amigos do Dizer o Direito,

Como foi o feriado? Tomara que tenham descansado bastante ou aproveitado o tempo para revisar os estudos atrasados.

Por aqui foi muito trabalho para tentar deixar o site em dia :)

Hoje vamos tratar sobre um assunto difícil, mas que é de fundamental importância para quem estuda para os concursos da ADVOCACIA PÚBLICA.

Iremos analisar aqui o famigerado art. 1º-D da Lei 9.494/97, que tem a seguinte redação:

Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.  (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)

Mas antes de chegarmos a esse artigo, vamos fazer uma breve introdução.


REGIME DE PRECATÓRIOS

Se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada, por sentença judicial transitada em julgado, a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito, em regra, sob um regime especial chamado de “precatório” (art. 100 da CF/88).

Exceção ao regime de precatórios
O § 3º do art. 100 da CF prevê uma exceção ao regime de precatórios. Estabelece este dispositivo que, se a condenação imposta à Fazenda Pública for de “pequeno valor”, o pagamento será realizado sem a necessidade de expedição de precatório.

Pequeno valor
Quanto é “pequeno valor” para os fins do § 3º do art. 100?
Este quantum poderá ser estabelecido por cada ente federado (União, Estado, DF, Município) por meio de leis específicas, conforme prevê o § 4º do art. 100:
§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.

União
Para as condenações envolvendo a União, pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, § 1º, da Lei n.° 10.259/2001).

E se o ente federado não editar a lei prevendo o quatum do “pequeno valor”?
Nesse caso, segundo o art. 87 do ADCT da CF/88, para os entes que não editarem suas leis, serão adotados, como “pequeno valor” os seguintes montantes:
I - 40 salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal;
II - 30 salários mínimos para Municípios.

RPV
Nas hipóteses de “pequeno valor”, o pagamento é feito por meio de requisição de pequeno valor (RPV), que se trata de uma ordem expedida pela autoridade judicial à autoridade da Fazenda Pública responsável para pagamento da quantia devida.

Impossibilidade de o credor receber parte em RPV e o restante em precatório:
É vedado o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para que o credor receba parte do valor devido sem precatório (como pequeno valor) e o restante por precatório (§ 8º do art. 100, da CF). Ex: José tinha direito de receber da União 70 salários mínimos; não pode receber 60 salários mínimos agora (sem precatório) e deixar para receber os 10 salários mínimos restantes por meio de precatório.

Possibilidade de renunciar ao que excede o “pequeno valor” para receber sem precatório
O credor poderá, no entanto, renunciar ao valor que exceder o quantum de pequeno valor para receber tudo sem precatório. Ex: João tinha direito de receber da União 70 salários mínimos; decide renunciar a 10 salários mínimos e receber todos os 60 salários mínimos sem precatório. Isso está previsto no parágrafo único do art. 87 do ADCT da CF/88.


EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA (arts. 730 e 731 do CPC)

O procedimento no caso de execução contra a Fazenda Pública pode ser assim resumido:

Citação da Fazenda Pública para embargar
No caso de ser proposta execução contra a Fazenda Pública, a legislação prevê que o Poder Público será citado para, querendo, opor embargos à execução (embargos do devedor), no prazo de 30 dias (o art. 1º B da Lei 9.494/97 ampliou o prazo previsto no art. 730, caput, do CPC).
Assim, a defesa típica da Fazenda Pública, na execução contra ela proposta, são os embargos à execução.
Vale ressaltar que não se aplicam à Fazenda Pública as regras do cumprimento de sentença (art. 475-I e ss.), não havendo aplicação da multa de 10% de que trata o art. 475-J, por exemplo.

O que a Fazenda Pública poderá alegar nos embargos à execução?
• Se a execução for fundada em título judicial: as matérias do art. 741 do CPC.
• Se a execução for fundada em título extrajudicial: as defesas previstas no art. 745 do CPC.

Se a Fazenda Pública apresentar embargos
Recebidos os embargos, a execução fica suspensa.
O magistrado determinará que o exequente/embargado seja ouvido no prazo de 15 dias.
Em seguida, o juiz julgará imediatamente o pedido (art. 330) ou designará audiência de conciliação, instrução e julgamento, proferindo sentença no prazo de 10 dias.
Caso os embargos à execução sejam julgados improcedentes, a execução continuará com a requisição de precatório e a Fazenda Pública será condenada a pagar honorários advocatícios ao exequente/embargado.

Se a Fazenda Pública NÃO apresentar embargos
Nessa hipótese, o juiz deverá expedir o precatório e encaminhá-lo ao Presidente do Tribunal.

Se a Fazenda Pública não embargou a execução, ela, mesmo assim, será condenada a pagar honorários advocatícios ao exequente?
Regra geral: NÃO
O art. 1º-D da Lei n.° 9.494/97 afirma que “não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.”

EXCEÇÃO:
A Fazenda Pública será condenada a pagar honorários ao exequente, mesmo que não apresente embargos à execução, caso a dívida cobrada seja enquadrada como de pequeno valor (§ 3º do art. 100 da CF).

Resumindo:
• o art. 1º-D da Lei 9.494/97 é válido apenas para as execuções contra a Fazenda Pública envolvendo a sistemática de precatórios (art. 100, caput);
• o art. 1º-D da Lei 9.494/97 NÃO se aplica no caso execuções contra a Fazenda Pública cobrando dívidas de pequeno valor (§ 3º do art. 100 da CF/88), nas quais o precatório é dispensado.

Foi o que decidiu o STF:
(...) Fazenda Pública: execução não embargada: honorários de advogado: constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal, com interpretação conforme ao art. 1º-D da L. 9.494/97, na redação que lhe foi dada pela MPr 2.180-35/2001, de modo a reduzir-lhe a aplicação à hipótese de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (C. Pr. Civil, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidos em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, § 3º).
STF. Plenário. RE 420816, Rel. p/ Acórdão Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 29/09/2004.


EXEQUENTE QUE INICIA COBRANDO DÍVIDA SOB A SISTEMÁTICA DO PRECATÓRIO, MAS DEPOIS RENUNCIA AO EXCEDENTE PARA RECEBER EM RPV

Imagine agora a seguinte situação:
Maria propôs uma execução contra a União cobrando uma dívida equivalente a 80 salários-mínimos (execução segundo a sistemática dos precatórios).
A União foi citada para apresentar embargos, tendo, contudo, decidido não embargar.
Não tendo sido embargada, não caberia, como vimos, a condenação em honorários (art. 1º-D).
Ocorre que, em momento posterior, a parte exequente mudou de ideia e decidiu renunciar ao excedente do limite para pagamento de RPV e passou a pleitear a fixação da verba sucumbencial.
Em outras palavras, Maria resolveu renunciar aos 20 salários-mínimos e quis mudar a execução para cobrança de dívida de pequeno valor (sem precatório).

A exequente poderia ter feito isso?
SIM. Conforme analisado acima, o credor poderá renunciar ao valor que exceder o quantum de pequeno valor para receber tudo sem precatório. Isso está previsto no parágrafo único do art. 87 do ADCT da CF:
Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.

Nesse caso, em que a execução contra a Fazenda Pública iniciou-se sob a sistemática do precatório e, posteriormente, o exequente mudou de ideia e renunciou ao excedente pedindo a dívida como sendo de pequeno valor, haverá a aplicação do art. 1º-D?
SIM. Segundo o STF e o STJ, caso o exequente, após a propositura da execução, tenha renunciado ao valor excedente e pleiteado apenas o teto da “dívida de pequeno valor”, neste caso a Fazenda Pública não será condenada a pagar honorários advocatícios, aplicando-se o art. 1º-D.

Confira recente julgado do STF nesse sentido:
(...) No presente caso, a renúncia ao valor excedente àquele previsto no artigo 87 do ADCT para a expedição da requisição de pequeno valor ocorreu com o ajuizamento da execução.
5. O Poder Público não deu causa ao ajuizamento da execução, não podendo, por conseguinte, ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios. (...)
STF. 1ª Turma. RE 679164 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 11/12/2012.

O STJ pacificou o tema em recurso repetitivo:
(...) A renúncia ao valor excedente ao previsto no art. 87 do ADCT, manifestada após a propositura da demanda executiva, não autoriza o arbitramento dos honorários, porquanto, à luz do princípio da causalidade, a Fazenda Pública não provocou a instauração da Execução, uma vez que se revelava inicialmente impositiva a observância do art. 730 CPC, segundo a sistemática do pagamento de precatórios. Como não foram opostos Embargos à Execução, tem, portanto, plena aplicação o art. 1°-D da Lei 9.494/1997. (...)
STJ. 1ª Seção. REsp 1406296/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/02/2014.

Quadro-resumo:
EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
Fazenda não embargou. Será condenada em honorários?
Cobrando dívida superior ao previsto no art. 87 do ADCT (sistemática do precatório).
NÃO
Cobrando dívida inferior ao previsto no art. 87 do ADCT (pequeno valor – dispensa de precatório).
SIM
O exequente iniciou a execução cobrando dívida superior ao previsto no art. 87 do ADCT, mas depois renunciou ao excedente para receber em RPV.
NÃO

É isso aí pessoal. Tema difícil, repleto de detalhes, mas muito importante para Advocacia Pública.

Bons estudos!


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