Imagine a
seguinte situação hipotética:
Augusto, ao fazer
sua declaração de imposto de renda, informou que teve 2 mil reais de despesas
com tratamento psicológico, fazendo a dedução desse valor do quanto teria que
pagar de imposto. Isso se chama “dedução de despesas para a redução da base de
cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física”.
A Receita
Federal instaurou um procedimento administrativo (ação fiscal) para apurar se
realmente essas deduções ocorreram, tendo Augusto sido convocado a comparecer
ao órgão, levando o comprovante das despesas feitas com o tratamento.
Ocorre que Augusto
não tinha realmente feito esse tratamento e só declarou isso para reduzir o
valor que tinha que pagar de tributo.
Augusto poderá responder penalmente por essa conduta?
SIM, o agente
que faz declaração falsa sobre a existência de despesas com tratamento de
saúde/psicológica, com o fim de reduzir o imposto de renda pode responder pelo
delito previsto no art. 1º, I, da Lei n.°
8.137/90:
Art. 1°
Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou
contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I -
omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
Quando esse crime se consuma?
Os crimes
previstos nos incisos do art. 1º são materiais.
Logo, para que
se consumam exige-se a efetiva supressão ou redução do tributo ou contribuição.
Em suma, esse
crime somente se consuma quando ocorre a constituição definitiva do crédito
tributário por parte do órgão fazendário. Nesse sentido:
Súmula
vinculante n.° 24: Não se tipifica crime material contra a ordem
tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do
lançamento definitivo do tributo.
Desse modo,
enquanto ainda não concluído o procedimento administrativo-tributário, ainda
não se consumou o delito em tela.
Na verdade,
enquanto não houver a constituição definitiva do crédito tributário é ilegal a
instauração de inquérito policial ou qualquer ato investigatório tendente a
apurar crimes tributários (STJ RHC 31.173/RJ).
Voltando ao nosso exemplo:
Augusto, a fim
de garantir a concretização do delito, foi até a Receita Federal levando
comprovantes falsificados de pagamentos supostamente feitos a psicólogo.
A falsidade
foi, contudo, percebida.
Indaga-se: Augusto responderá por uso de documento
falso (art. 304 c/c art. 299 do CP)?
NÃO. O STJ
entende que a apresentação de recibo ideologicamente falso quando o
contribuinte é chamado a comprovar as declarações prestadas tem a finalidade
única e exclusiva de justificar as despesas declaradas e, assim, eximir ou
reduzir o pagamento do tributo.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1154361/MG, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 26/02/2014.
Se o agente não
apresentasse documento que justificasse a despesa anteriormente declarada
estaria frustrada a redução ou supressão do tributo.
Desse modo,
fica evidente que o falso foi o crime-meio pelo qual o agente buscou alcançar a
finalidade de sonegar o imposto.
Deve ser
aplicado, portanto, no caso, o princípio da consunção, sendo o falso absorvido
pelo intento de suprimir ou diminuir tributo.
O STJ possui
entendimento sumulado no sentido de que se o falso é crime-meio e se este falso
não pode mais ser usado para nenhum outro fim (esgotando-se a sua
potencialidade lesiva), deve ser absorvido pelo crime-fim. Veja:
Súmula
17-STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade
lesiva, é por este absorvido.
No caso
em tela, não há que falar em autonomia do crime de falso, eis que este foi usado para praticar o
crime-fim e esgotou ali sua potencialidade lesiva, sendo certo que este
documento não mais tinha potencial para ser usado no cometimento de outros
delitos.
Se a falsificação tivesse potencial extrapolar os limites da incidência
do crime fim, ai sim o agente poderia responder também pelo falso. Ex: se
Augusto tivesse falsificado uma cédula de identidade funcional do psicólogo. Isso
porque esse documento falso poderia ser utilizado, potencialmente, ou seja, em
tese, para cometer outros delitos.
Se Augusto
efetuar o pagamento integral do tributo devido, além da multa, haverá extinção
da punibilidade?
SIM. Se o agente efetua o pagamento do tributo devido, ocorre a extinção
da punibilidade do delito de descaminho, nos termos dos arts. 34, caput, da Lei
nº 9.249/1995, 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 e 83, § 4º, da Lei nº
9.430/1996, com redação dada pela Lei nº 12.382/2011.
Logo, Augusto não responderá por nenhum crime.