Dizer o Direito

domingo, 23 de março de 2014

O crime tributário absorve o delito de uso de documento falso praticado unicamente para assegurar a evasão fiscal



Imagine a seguinte situação hipotética:
Augusto, ao fazer sua declaração de imposto de renda, informou que teve 2 mil reais de despesas com tratamento psicológico, fazendo a dedução desse valor do quanto teria que pagar de imposto. Isso se chama “dedução de despesas para a redução da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física”.

A Receita Federal instaurou um procedimento administrativo (ação fiscal) para apurar se realmente essas deduções ocorreram, tendo Augusto sido convocado a comparecer ao órgão, levando o comprovante das despesas feitas com o tratamento.

Ocorre que Augusto não tinha realmente feito esse tratamento e só declarou isso para reduzir o valor que tinha que pagar de tributo.

Augusto poderá responder penalmente por essa conduta?
SIM, o agente que faz declaração falsa sobre a existência de despesas com tratamento de saúde/psicológica, com o fim de reduzir o imposto de renda pode responder pelo delito previsto no art. 1º, I, da Lei n.° 8.137/90:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

Quando esse crime se consuma?
Os crimes previstos nos incisos do art. 1º são materiais.
Logo, para que se consumam exige-se a efetiva supressão ou redução do tributo ou contribuição.
Em suma, esse crime somente se consuma quando ocorre a constituição definitiva do crédito tributário por parte do órgão fazendário. Nesse sentido:
Súmula vinculante n.° 24: Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

Desse modo, enquanto ainda não concluído o procedimento administrativo-tributário, ainda não se consumou o delito em tela.

Na verdade, enquanto não houver a constituição definitiva do crédito tributário é ilegal a instauração de inquérito policial ou qualquer ato investigatório tendente a apurar crimes tributários (STJ RHC 31.173/RJ).

Voltando ao nosso exemplo:
Augusto, a fim de garantir a concretização do delito, foi até a Receita Federal levando comprovantes falsificados de pagamentos supostamente feitos a psicólogo.
A falsidade foi, contudo, percebida.

Indaga-se: Augusto responderá por uso de documento falso (art. 304 c/c art. 299 do CP)?
NÃO. O STJ entende que a apresentação de recibo ideologicamente falso quando o contribuinte é chamado a comprovar as declarações prestadas tem a finalidade única e exclusiva de justificar as despesas declaradas e, assim, eximir ou reduzir o pagamento do tributo.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1154361/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/02/2014.

Se o agente não apresentasse documento que justificasse a despesa anteriormente declarada estaria frustrada a redução ou supressão do tributo.

Desse modo, fica evidente que o falso foi o crime-meio pelo qual o agente buscou alcançar a finalidade de sonegar o imposto.

Deve ser aplicado, portanto, no caso, o princípio da consunção, sendo o falso absorvido pelo intento de suprimir ou diminuir tributo.

O STJ possui entendimento sumulado no sentido de que se o falso é crime-meio e se este falso não pode mais ser usado para nenhum outro fim (esgotando-se a sua potencialidade lesiva), deve ser absorvido pelo crime-fim. Veja:
Súmula 17-STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

No caso em tela, não há que falar em autonomia do crime de falso, eis que este foi usado para praticar o crime-fim e esgotou ali sua potencialidade lesiva, sendo certo que este documento não mais tinha potencial para ser usado no cometimento de outros delitos.

Se a falsificação tivesse potencial extrapolar os limites da incidência do crime fim, ai sim o agente poderia responder também pelo falso. Ex: se Augusto tivesse falsificado uma cédula de identidade funcional do psicólogo. Isso porque esse documento falso poderia ser utilizado, potencialmente, ou seja, em tese, para cometer outros delitos.

Se Augusto efetuar o pagamento integral do tributo devido, além da multa, haverá extinção da punibilidade?
SIM. Se o agente efetua o pagamento do tributo devido, ocorre a extinção da punibilidade do delito de descaminho, nos termos dos arts. 34, caput, da Lei nº 9.249/1995, 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003 e 83, § 4º, da Lei nº 9.430/1996, com redação dada pela Lei nº 12.382/2011.
Logo, Augusto não responderá por nenhum crime.


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