Dizer o Direito

quarta-feira, 26 de março de 2014

Não é possível ajuizar ação de improbidade administrativa apenas contra o particular



IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

NOÇÕES GERAIS

Conceito

Existe diferença entre os conceitos de “probidade” e “moralidade”?

1ª corrente:
2ª corrente:
3ª corrente:
A moralidade é um conceito mais amplo que o de probidade.
A probidade seria um subprincípio da moralidade.
A probidade é um conceito mais amplo que o de moralidade. Isso porque a Lei n.° 8.429/92 prevê, como ato de improbidade administrativa, não apenas a violação à moralidade, mas também aos demais princípios da Administração Pública, conforme previsto no art. 11 da referida Lei. Assim, todo ato imoral é um ato de improbidade administrativa, mas nem todo ato de improbidade administrativa significa violação ao princípio da moralidade.
Moralidade e probidade seriam expressões equivalentes, considerando que a CF/88 menciona a moralidade como um princípio da Administração Pública (art. 37, caput) e a improbidade como sendo a lesão produzida a esse mesmo princípio (art. 37, § 4º).

Posição de Wallace Paiva Martins Júnior.
Defendida por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves.
É sustentada por José dos Santos Carvalho Filho.

O melhor entendimento é o exposto pela 2ª corrente, sendo possível dizer que a probidade é um gênero, sendo a moralidade uma de suas espécies. A improbidade irá englobar não apenas os atos desonestos ou imorais, mas também os atos ilegais. “Se um agente público causar dano ao erário, mediante ação culposa, por exemplo, não estará presente o componente moral, mas responderá ele pela prática de ato de improbidade administrativa, porquanto sua conduta se amolda ao tipo legal previsto no art. 10 da LIA.” (ANDRADE, Adriano; et. al., p. 640).

Mas, afinal de contas, o que é improbidade administrativa?
Trata-se de um ato praticado por agente público, ou por particular em conjunto com agente público, e que gera enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário ou atenta contra os princípios da Administração Pública.


Previsão constitucional
Existem quatro dispositivos na CF/88 que falam sobre o tema: art. 14, § 9º; art. 15, V; art. 37, § 4º; art. 85, V. Deve-se mencionar ainda o art. 97, § 10, III, do ADCT.

Para fins de direito administrativo, a previsão mais importante é a do art. 37, § 4º:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Assim, de acordo com o § 4º do art. 37 da CF/88, se a pessoa praticar um ato de improbidade administrativa, estará sujeita às seguintes sanções:
• suspensão dos direitos políticos;
• perda da função pública;
• indisponibilidade dos bens e
• ressarcimento ao erário.

Esse rol é exemplificativo ou exaustivo? A lei infraconstitucional poderia prever outras punições, assim como a Lei n.° 8.429/92 fez?
SIM. Para a maioria da doutrina e jurisprudência, o rol de sanções trazido pelo § 4º do art. 37 da CF/88 é exemplificativo e poderia ser ampliado pela Lei n.° 8.429/92.


Lei 8.429/92
No plano legislativo, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 8.429/92 regulamentando os casos de improbidade administrativa.

Na época em que a Lei foi aprovada, surgiu a seguinte discussão:
A União possuía competência para legislar sobre improbidade administrativa de forma nacional? A União poderia ter feito uma lei de improbidade válida não apenas para os órgãos e entidades federais, mas também para os Estados, DF e Municípios?
SIM. Segundo a posição amplamente majoritária na doutrina e jurisprudência, a União tinha competência para editar a Lei n.° 8.429/92 disciplinando a improbidade administrativa para todos os entes da Federação. Isso porque a Lei n.° 8.429/92 traz sanções de natureza civil e regras de direito processual, sendo a competência privativa da União para legislar sobre tais temas (art. 22, I).
Para a doutrina, existem apenas três dispositivos da Lei n.° 8.429/92 que tratam de Direito Administrativo e, portanto, quanto a esses, deve-se interpretar que somente se aplicam à União. Trata-se do art. 13, caput; art. 14, § 3º; art. 20, parágrafo único. Nesse sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende (p. 20).


Estrutura da Lei
A Lei n.° 8.429/92 é dividida em seis eixos principais:
• Sujeito passivo do ato de improbidade (art. 1º);
• Sujeito ativo do ato de improbidade (arts. 2º e 3º);
• Tipos de ato de improbidade administrativa (arts. 9º a 11);
• Sanções aplicáveis (art. 12);
• Normas de procedimento administrativo e do processo judicial (arts. 14 a 18);
• Disposições penais (arts. 19 a 22).


A Lei n.° 8.429/92 pode ser aplicada a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor?
NÃO. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que a Lei n.° 8.429/92 não pode ser aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores a sua vigência, ainda que ocorridos após a edição da Constituição Federal de 1988 (REsp 1129121/GO, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, julgado em 03/05/2012).


SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Quando falamos em “sujeitos” da improbidade administrativa, analisamos as pessoas jurídicas envolvidas ou afetadas pelo ato de improbidade, seja na condição de autoras, seja como vítimas.

Vale ressaltar que a presente análise é sob o ponto de vista do direito MATERIAL, ou seja, será examinado o sujeito ativo do ATO de improbidade, isto é, quem praticou o ato no mundo real. Não se está tratando aqui de sujeito ativo ou passivo sob o ponto de vista processual, isto é, quem seria autor ou réu na ação de improbidade.

Assim, quando você ouvir falar em sujeito ativo ou passivo da improbidade, está se falando do ATO e não do processo judicial. Não se deve, portanto, confundir sujeito ativo/passivo do ato de improbidade com o legitimado ativo/passivo da ação de improbidade. O sujeito ativo do ato de improbidade será legitimado passivo (réu) da ação de improbidade; o sujeito passivo do ato, em regra, poderá ser legitimado ativo (autor) da ação de improbidade.


Sujeito passivo (art. 1º)
Sujeito passivo é a pessoa jurídica, de direito público ou privado, que sofre os efeitos deletérios do ato de improbidade administrativa. É como se fosse a “vítima” do ato de improbidade.
A lista das pessoas que podem ser sujeito passivo do ato de improbidade está prevista no art. 1º, caput e parágrafo único da Lei n.° 8.429/92.

Como esse art. 1º é bem confuso, vamos organizá-lo:

Quem pode ser SUJEITO PASSIVO
Exemplos
1) órgãos da Administração direta.
União, Estados, DF, Municípios.
2) entidades da Administração indireta.
Autarquias, fundações, associações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista.
3) empresas incorporadas ao patrimônio público.
A doutrina critica essa previsão, considerando que, se a empresa foi incorporada, ela deixou de existir, fazendo parte agora do patrimônio público como órgão ou entidade.
4) empresas incorporadas ao patrimônio público ou de entidade cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual.
Empresas públicas e sociedades de economia mista (o legislador foi redundante para reforçar a incidência da LIA).
5) entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo (fiscal ou creditício), de órgão público.
Entidades do terceiro setor (organizações sociais, OSCIP etc.), entidades sindicais, partidos políticos.
6) entidades cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual.
Sociedades de propósito específico, criadas para gerir parcerias público-privadas (art. 9º, § 4º da Lei n.° 11079/2004).


Sujeito ativo (arts. 2º e 3º)
Sujeito ativo é a pessoa física ou jurídica que:
• pratica o ato de improbidade administrativa;
• concorre para a sua prática;
• ou dele se beneficia.

O sujeito ativo do ato de improbidade será réu na ação de improbidade.

Os sujeitos ativos podem ser de duas espécies:
a) agentes públicos (art. 2º);
b) terceiros (art. 3º).

O que é o “terceiro” para fins de improbidade administrativa?
Terceiro é a pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo agente público, induziu ou concorreu para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiou direta ou indiretamente.

Desse modo, o papel do terceiro no ato de improbidade pode ser o de:
• induzir (instigar, estimular) o agente público a praticar o ato de improbidade;
• concorrer para o ato de improbidade (auxiliar o agente público a praticar);
• ser beneficiário (obter vantagem direta ou indireta).

O “terceiro” pode ser uma pessoa jurídica?
SIM. Apesar de existirem vozes em sentido contrário (ex: Carvalho Filho), prevalece que “as pessoas jurídicas que participem ou se beneficiem dos atos de improbidade sujeitam-se à Lei 8.429/1992” (STJ. REsp 1.122.177/MT, DJE 27/04/2011).

É possível imaginar que exista ato de improbidade com a atuação apenas do “terceiro” (sem a participação de um agente público)? É possível que, em uma ação de improbidade administrativa, o terceiro figure sozinho como réu?
NÃO. Para que o terceiro seja responsabilizado pelas sanções da Lei n.° 8.429/92, é indispensável que seja identificado algum agente público como autor da prática do ato de improbidade. Logo, não é possível que seja proposta ação de improbidade somente contra o terceiro, sem que figure também um agente público no polo passivo da demanda.

“A responsabilização de terceiros está condicionada à prática de um ato de improbidade por um agente público. É dizer: não havendo participação do agente público, há que ser afastada a incidência da LIA, estando o terceiro sujeito a sanções previstas em outras disposições legais. Pelas mesmas razões, não poderá o particular figurar sozinho no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa, nele tendo de participar, necessariamente, o agente público.
Vê-se, portanto, que o art. 3º encerra uma norma de extensão pessoal dos tipos de improbidade, a autorizar a ampliação do âmbito de incidência da LIA, que passa a alcançar não só o agente público que praticou o ato de improbidade, como também os terceiros que estão ao seu lado, isto é, aqueles que de qualquer modo concorreram para a prática da conduta ímproba, ou dele se beneficiaram.” (ANDRADE, Adriano. et. al. , p. 656).

Como vimos mais acima, os particulares estão sujeitos aos ditames da Lei n.° 8.429/1992 (LIA), não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos. Entretanto, analisando-se o art. 3º da LIA, observa-se que o particular será incurso nas sanções decorrentes do ato ímprobo somente quando: a) induzir, ou seja, incutir no agente público o estado mental tendente à prática do ilícito; b) concorrer juntamente com o agente público para a prática do ato; ou c) beneficiar-se, direta ou indiretamente do ato ilícito praticado pelo agente público.

Diante disso, o STJ reputa inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.

Vejamos o seguinte exemplo: determinado fundo de investimentos mantido pelo Governo Federal concedeu linha de crédito facilitada para uma empresa privada desenvolver um empreendimento na Amazônia. Diante de supostas irregularidades na aplicação dos recursos, o MPF ajuizou ação de improbidade administrativa contra a pessoa jurídica privada e seu diretor presidente. O processo deverá ser extinto sem resolução de mérito por ausência de pressuposto processual.

(...) Nas Ações de Improbidade, inexiste litisconsórcio necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo, por não estarem presentes nenhuma das hipóteses previstas no art. 47 do CPC (disposição legal ou relação jurídica unitária). Precedentes do STJ.
6. É certo que os terceiros que participem ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei 8.429/1992, nos termos do seu art. 3º, porém não há imposição legal de formação de litisconsórcio passivo necessário.
7. A conduta dos agentes públicos, que constitui o foco da LIA, pauta-se especificamente pelos seus deveres funcionais e independe da responsabilização da empresa que se beneficiou com a improbidade.
8. Convém registrar que a recíproca não é verdadeira, tendo em vista que os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado, o que não impede, contudo, o eventual ajuizamento de Ação Civil Pública comum para obter o ressarcimento do Erário. (...)
STJ. 2ª Turma. REsp 896044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/09/2010.

Resumindo:
Para que o terceiro seja responsabilizado pelas sanções da Lei n.° 8.429/92 é indispensável que seja identificado algum agente público como autor da prática do ato de improbidade.
Assim, não é possível a propositura de ação de improbidade exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.171.017-PA, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 25/2/2014 (Info 535).



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