Olá amigos do Dizer o Direito,
Vamos hoje tratar sobre um julgado de FUNDAMENTAL
importância para a concretização, na prática, da autonomia das Defensorias
Públicas.
Vejamos o que foi decidido:
Autonomia funcional,
administrativa e financeira
A EC n.° 45/2004 deu um importante passo
na valorização das Defensorias Públicas estaduais ao prever que a elas deveriam
ser asseguradas autonomia funcional, administrativa e financeira. Veja o que
diz o § 2º ao art. 134, inserido pela referida emenda:
Art. 134 (...) § 2º Às
Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e
administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no
art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004)
Vale ressaltar que a Defensoria
Pública da União (e a do Distrito Federal) também passaram a gozar dessas
autonomias a partir da EC n.°
74/2013, que acrescentou o § 3º do art. 134 da CF/88.
a) Autonomia funcional: é a
prerrogativa assegurada aos Defensores Públicos de, no exercício de suas
funções, não estarem subordinados tecnicamente a ninguém, devendo atuar de
acordo com seu convencimento técnico-jurídico e sempre no interesse do
assistido, respeitando, obviamente, as leis e a Constituição Federal.
b) Autonomia administrativa: consiste
na garantia conferida à Defensoria Pública de que ela própria é quem irá se
governar, tomando as decisões administrativas, sem necessidade de autorização
prévia ou ratificação posterior por parte de outros órgãos ou entidades.
c) Autonomia financeira: é a
própria Defensoria Pública quem, dentro dos limites estabelecidos na LDO, decide
qual será a proposta de seu orçamento que será encaminhada ao Parlamento para
lá ser votada.
A Defensoria Pública pode enviar
sua proposta orçamentária diretamente para a Assembleia Legislativa ou Congresso
Nacional?
NÃO. A CF/88 não assegura essa
possibilidade à Instituição. O que a CF/88 prevê é que a Defensoria Pública irá
aprovar a sua proposta orçamentária e encaminhá-la ao chefe do Poder Executivo.
Este irá consolidar, ou seja, reunir em um único projeto de Lei Orçamentária,
as propostas orçamentárias do Executivo, do Judiciário, do MP e da Defensoria,
encaminhando o projeto para ser apreciado pelo Poder Legislativo.
Feitos esses esclarecimentos
prévios, vejamos um caso julgado pelo STF no final de 2013 envolvendo a
autonomia financeira da Defensoria Pública.
Proposta orçamentária elaborada
pela Defensoria Pública da Paraíba
A Defensoria Pública do Estado da
Paraíba elaborou sua proposta orçamentária e a encaminhou ao Governador.
Na proposta, era previsto que
seriam destinados 71 milhões para as despesas da Defensoria Pública.
Ressalte-se que esse valor foi
calculado com base na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que dizia que o
limite para a elaboração da proposta orçamentária da Defensoria Pública seria o
montante fixado na Lei Orçamentária do ano anterior, acrescido da variação do
IPCA.
Redução dos valores por parte do
Governador do Estado
O Governador do Estado, ao
receber a proposta orçamentária da Defensoria Pública, promoveu três mudanças:
1) A previsão dos recursos para a
Defensoria foi reduzida de 71 para 55 milhões;
2) A proposta orçamentária da
Defensoria Pública foi inserida dentro
do orçamento do Poder Executivo na seção que trata sobre as Secretarias de
Estado;
3) A Defensoria Pública foi
prevista no projeto de lei como se fosse uma Secretária de Estado vinculada ao
Governador.
ADPF proposta pela ANADEP
A Associação Nacional dos
Defensores Públicos (ANADEP) ajuizou ação de descumprimento de preceito
fundamental contra esse ato do Governador do Estado, afirmando que as mudanças
representaram uma violação à autonomia orçamentária da Defensoria, garantida
pelo art. 134, § 2º, da CF/88.
A ANADEP defendeu na ação que a
proposta orçamentária da Defensoria deveria ter sido encaminhada à Assembleia
Legislativa pelo Governador do Estado como sendo um orçamento autônomo (não
integrante do orçamento do Poder Executivo), já que a Defensoria é um órgão
autônomo, que não pode ser equiparado a uma Secretaria de Estado.
O STF conheceu da ação?
SIM. Segundo o Min. Relator, cabe
a arguição de descumprimento de preceito fundamental à hipótese, visto que
preenchidos seus dois requisitos básicos:
a) a inexistência de outro meio
eficaz de sanar a lesividade arguida pela autora; e
b) a efetiva demonstração de
violação, em tese, a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público.
Segundo a jurisprudência do STF,
o cabimento de ADPF pressupõe a “inexistência de outro meio eficaz de sanar a
lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global, como aquele
apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e
imediata” (ADPF nº 33/PA, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 7/12/05).
Sendo o ato em questão dotado de
efeitos concretos e oriundo de autoridade pública, poder-se-ia cogitar da
impetração de mandado de segurança coletivo para impugná-lo. No entanto, a
ANADEP não teria legitimidade ativa para propor o MS no presente caso. Isso
porque o que está sendo discutido é o direito que a Defensoria Pública possui
de que a sua proposta orçamentária para o ano de 2014 seja encaminhada à
Assembleia sem a redução perpetrada pelo Governador do Estado (art. 134, § 2º,
da CF/88).
Logo, o direito que está sendo
defendido é da Defensoria Pública (e não diretamente dos Defensores Públicos).
Sendo um direito da própria
Instituição (e não dos associados), a associação não poderia propor MS como
substituto processual.
Enfim, o único instrumento
processual por meio do qual a ANADEP poderia atacar o ato concreto do
Governador do Estado seria realmente a ADPF.
O pedido da ADPF foi acolhido?
SIM. O Plenário do STF referendou
medida liminar concedida pelo Relator, determinando que o Governador do Estado
da Paraíba e o Secretário de Planejamento façam a imediata complementação do Projeto de Lei Orçamentária para nele
incluir a Proposta Orçamentária da Defensoria Pública como Órgão Autônomo e nos
valores por ela aprovados.
STF. Plenário. ADPF
307 Referendo-MC/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/12/2013.
Em outras palavras, o STF
determinou que a proposta orçamentária da Defensoria Pública seja submetida à
Assembleia Legislativa na forma como foi aprovada pela Instituição, ou seja,
sem as alterações promovidas pelo Governador do Estado.
Vale ressaltar que, apesar de o
julgamento ainda não ter sido concluído, a liminar concedida é, na prática,
irreversível, de forma que podemos considerar que o entendimento do STF sobre o
tema é esse.
A redução proporcionada pelo
Governador do Estado implicou violação à autonomia da Defensoria Pública?
SIM. A proposta orçamentária
elaborada pela Defensoria e encaminhada ao Governador do Estado estava de
acordo com a LDO. No entanto, ao consolidar o projeto de Lei Orçamentária Anual
2014, enviando-o à Assembleia Legislativa, o Governador reduziu a proposta
formulada pela Defensoria.
O corte representou drástica
redução da proposta de orçamento da Instituição, inclusive para valor inferior
ao montante do exercício de 2013.
Estando a proposta orçamentária
da Defensoria compatível com os limites estabelecidos na Lei de Diretrizes
Orçamentárias, nos termos do art. 134, § 2º, da CF/88, não era dado ao Chefe do
Poder Executivo, de forma unilateral, reduzi-la, ao consolidar o projeto de lei
orçamentária anual.
Segundo apontou o Min. Dias
Toffoli, tal conduta constitui inegável desrespeito à autonomia administrativa
da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua
programação administrativa e financeira.
Ademais, para o Ministro, representa
lamentável ranço, no âmbito do Poder Executivo, da concepção anterior à EC nº
45/2004, de uma Defensoria Pública como se vinculada fosse aos ditames daquele
Poder.
Trata-se, enfim, de ato que
atenta contra o desenvolvimento e a consolidação de instituição tão fundamental
para a democracia e, ao mesmo tempo, ainda tão pouco estruturada em alguns
Estados da Federação.
A Defensoria Pública poderia ter
sido classificada, no projeto da Lei Orçamentária enviado pelo Governador à
ALE, como se fosse uma Secretaria de Estado?
NÃO. O STF possui entendimento pacífico
no sentido de que são inconstitucionais leis ou outros atos que subordinem a
Defensoria Pública ao Poder Executivo, por implicar violação à autonomia
funcional e administrativa da instituição (art. 134, § 2º da CF/88). Nesse
sentido, confira-se os seguintes julgados:
(...) A Defensoria Pública
dos Estados tem autonomia funcional e administrativa, incabível relação de
subordinação a qualquer Secretaria de Estado. Precedente. (...)
STF. Plenário. ADI 3965,
Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 07/03/2012.
(...) A EC 45/04 reforçou
a autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, ao
assegurar-lhes a iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, §
2º).
II – Qualquer medida
normativa que suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a
outros Poderes, em especial ao Executivo, implicará violação à Constituição
Federal. Precedentes. (...)
STF. Plenário. ADI 4056,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 07/03/2012.
(...) A EC 45/04 outorgou
expressamente autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas
estaduais, além da iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134,
§ 2º): donde, ser inconstitucional a norma local que estabelece a vinculação da
Defensoria Pública a Secretaria de Estado. (...)
STF. Plenário. ADI 3569, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 02/04/2007.
Ao receber a proposta
orçamentária da Defensoria, caso o Governador entendesse que as despesas ali
previstas estavam muito elevadas, ele poderia tomar alguma providência?
SIM, mas essa providência não era
a redução unilateral dos valores, como foi feito.
Caso o Governador entendesse que
o orçamento da Defensoria estava com números incompatíveis com as capacidades
atuais do Estado, ele deveria encaminhar o projeto de Lei Orçamentária Anual à
Assembleia Legislativa, com a proposta orçamentária da Defensoria na íntegra (como
órgão autônomo e nos valores por ela aprovados) e, a partir daí, pleitear, de
forma democrática e plural, junto ao Poder Legislativo que promovesse as reduções
orçamentárias na proposição da Instituição. No Parlamento, após as discussões
pertinentes, poderiam (ou não) ser aprovadas as reduções sugeridas.
Parabéns ao STF e à ANADEP por esse importantíssimo
precedente que representará um marco para que os chefes do Poder Executivo finalmente
entendam que os tempos são outros e que a Defensoria Pública é efetivamente um
órgão constitucionalmente autônomo e que como tal precisa ser tratado.