Dizer o Direito

quarta-feira, 5 de março de 2014

Governador do Estado não pode reduzir proposta orçamentária da Defensoria Pública elaborada de acordo com a LDO



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre um julgado de FUNDAMENTAL importância para a concretização, na prática, da autonomia das Defensorias Públicas.

Vejamos o que foi decidido:

Autonomia funcional, administrativa e financeira
A EC n.° 45/2004 deu um importante passo na valorização das Defensorias Públicas estaduais ao prever que a elas deveriam ser asseguradas autonomia funcional, administrativa e financeira. Veja o que diz o § 2º ao art. 134, inserido pela referida emenda:
Art. 134 (...) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004)

Vale ressaltar que a Defensoria Pública da União (e a do Distrito Federal) também passaram a gozar dessas autonomias a partir da EC n.° 74/2013, que acrescentou o § 3º do art. 134 da CF/88.

a) Autonomia funcional: é a prerrogativa assegurada aos Defensores Públicos de, no exercício de suas funções, não estarem subordinados tecnicamente a ninguém, devendo atuar de acordo com seu convencimento técnico-jurídico e sempre no interesse do assistido, respeitando, obviamente, as leis e a Constituição Federal.

b) Autonomia administrativa: consiste na garantia conferida à Defensoria Pública de que ela própria é quem irá se governar, tomando as decisões administrativas, sem necessidade de autorização prévia ou ratificação posterior por parte de outros órgãos ou entidades.

c) Autonomia financeira: é a própria Defensoria Pública quem, dentro dos limites estabelecidos na LDO, decide qual será a proposta de seu orçamento que será encaminhada ao Parlamento para lá ser votada.

A Defensoria Pública pode enviar sua proposta orçamentária diretamente para a Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional?
NÃO. A CF/88 não assegura essa possibilidade à Instituição. O que a CF/88 prevê é que a Defensoria Pública irá aprovar a sua proposta orçamentária e encaminhá-la ao chefe do Poder Executivo. Este irá consolidar, ou seja, reunir em um único projeto de Lei Orçamentária, as propostas orçamentárias do Executivo, do Judiciário, do MP e da Defensoria, encaminhando o projeto para ser apreciado pelo Poder Legislativo.

Feitos esses esclarecimentos prévios, vejamos um caso julgado pelo STF no final de 2013 envolvendo a autonomia financeira da Defensoria Pública.

Proposta orçamentária elaborada pela Defensoria Pública da Paraíba
A Defensoria Pública do Estado da Paraíba elaborou sua proposta orçamentária e a encaminhou ao Governador.
Na proposta, era previsto que seriam destinados 71 milhões para as despesas da Defensoria Pública.
Ressalte-se que esse valor foi calculado com base na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que dizia que o limite para a elaboração da proposta orçamentária da Defensoria Pública seria o montante fixado na Lei Orçamentária do ano anterior, acrescido da variação do IPCA.

Redução dos valores por parte do Governador do Estado
O Governador do Estado, ao receber a proposta orçamentária da Defensoria Pública, promoveu três mudanças:
1) A previsão dos recursos para a Defensoria foi reduzida de 71 para 55 milhões;
2) A proposta orçamentária da Defensoria Pública foi  inserida dentro do orçamento do Poder Executivo na seção que trata sobre as Secretarias de Estado;
3) A Defensoria Pública foi prevista no projeto de lei como se fosse uma Secretária de Estado vinculada ao Governador.

ADPF proposta pela ANADEP
A Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) ajuizou ação de descumprimento de preceito fundamental contra esse ato do Governador do Estado, afirmando que as mudanças representaram uma violação à autonomia orçamentária da Defensoria, garantida pelo art. 134, § 2º, da CF/88.
A ANADEP defendeu na ação que a proposta orçamentária da Defensoria deveria ter sido encaminhada à Assembleia Legislativa pelo Governador do Estado como sendo um orçamento autônomo (não integrante do orçamento do Poder Executivo), já que a Defensoria é um órgão autônomo, que não pode ser equiparado a uma Secretaria de Estado.

O STF conheceu da ação?
SIM. Segundo o Min. Relator, cabe a arguição de descumprimento de preceito fundamental à hipótese, visto que preenchidos seus dois requisitos básicos:
a) a inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesividade arguida pela autora; e
b) a efetiva demonstração de violação, em tese, a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público.

Segundo a jurisprudência do STF, o cabimento de ADPF pressupõe a “inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global, como aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata” (ADPF nº 33/PA, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 7/12/05).

Sendo o ato em questão dotado de efeitos concretos e oriundo de autoridade pública, poder-se-ia cogitar da impetração de mandado de segurança coletivo para impugná-lo. No entanto, a ANADEP não teria legitimidade ativa para propor o MS no presente caso. Isso porque o que está sendo discutido é o direito que a Defensoria Pública possui de que a sua proposta orçamentária para o ano de 2014 seja encaminhada à Assembleia sem a redução perpetrada pelo Governador do Estado (art. 134, § 2º, da CF/88).

Logo, o direito que está sendo defendido é da Defensoria Pública (e não diretamente dos Defensores Públicos).

Sendo um direito da própria Instituição (e não dos associados), a associação não poderia propor MS como substituto processual.

Enfim, o único instrumento processual por meio do qual a ANADEP poderia atacar o ato concreto do Governador do Estado seria realmente a ADPF.

O pedido da ADPF foi acolhido?
SIM. O Plenário do STF referendou medida liminar concedida pelo Relator, determinando que o Governador do Estado da Paraíba e o Secretário de Planejamento façam a imediata complementação do Projeto de Lei Orçamentária para nele incluir a Proposta Orçamentária da Defensoria Pública como Órgão Autônomo e nos valores por ela aprovados.
STF. Plenário. ADPF 307 Referendo-MC/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/12/2013.

Em outras palavras, o STF determinou que a proposta orçamentária da Defensoria Pública seja submetida à Assembleia Legislativa na forma como foi aprovada pela Instituição, ou seja, sem as alterações promovidas pelo Governador do Estado.

Vale ressaltar que, apesar de o julgamento ainda não ter sido concluído, a liminar concedida é, na prática, irreversível, de forma que podemos considerar que o entendimento do STF sobre o tema é esse.

A redução proporcionada pelo Governador do Estado implicou violação à autonomia da Defensoria Pública?
SIM. A proposta orçamentária elaborada pela Defensoria e encaminhada ao Governador do Estado estava de acordo com a LDO. No entanto, ao consolidar o projeto de Lei Orçamentária Anual 2014, enviando-o à Assembleia Legislativa, o Governador reduziu a proposta formulada pela Defensoria.
O corte representou drástica redução da proposta de orçamento da Instituição, inclusive para valor inferior ao montante do exercício de 2013.
Estando a proposta orçamentária da Defensoria compatível com os limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, nos termos do art. 134, § 2º, da CF/88, não era dado ao Chefe do Poder Executivo, de forma unilateral, reduzi-la, ao consolidar o projeto de lei orçamentária anual.
Segundo apontou o Min. Dias Toffoli, tal conduta constitui inegável desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira.
Ademais, para o Ministro, representa lamentável ranço, no âmbito do Poder Executivo, da concepção anterior à EC nº 45/2004, de uma Defensoria Pública como se vinculada fosse aos ditames daquele Poder.
Trata-se, enfim, de ato que atenta contra o desenvolvimento e a consolidação de instituição tão fundamental para a democracia e, ao mesmo tempo, ainda tão pouco estruturada em alguns Estados da Federação.

A Defensoria Pública poderia ter sido classificada, no projeto da Lei Orçamentária enviado pelo Governador à ALE, como se fosse uma Secretaria de Estado?
NÃO. O STF possui entendimento pacífico no sentido de que são inconstitucionais leis ou outros atos que subordinem a Defensoria Pública ao Poder Executivo, por implicar violação à autonomia funcional e administrativa da instituição (art. 134, § 2º da CF/88). Nesse sentido, confira-se os seguintes julgados:

(...) A Defensoria Pública dos Estados tem autonomia funcional e administrativa, incabível relação de subordinação a qualquer Secretaria de Estado. Precedente. (...)
STF. Plenário. ADI 3965, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 07/03/2012.

(...) A EC 45/04 reforçou a autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, ao assegurar-lhes a iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º).
II – Qualquer medida normativa que suprima essa autonomia da Defensoria Pública, vinculando-a a outros Poderes, em especial ao Executivo, implicará violação à Constituição Federal. Precedentes. (...)
STF. Plenário. ADI 4056, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 07/03/2012.

(...) A EC 45/04 outorgou expressamente autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, além da iniciativa para a propositura de seus orçamentos (art. 134, § 2º): donde, ser inconstitucional a norma local que estabelece a vinculação da Defensoria Pública a Secretaria de Estado. (...)
STF. Plenário. ADI 3569, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 02/04/2007.

Ao receber a proposta orçamentária da Defensoria, caso o Governador entendesse que as despesas ali previstas estavam muito elevadas, ele poderia tomar alguma providência?
SIM, mas essa providência não era a redução unilateral dos valores, como foi feito.
Caso o Governador entendesse que o orçamento da Defensoria estava com números incompatíveis com as capacidades atuais do Estado, ele deveria encaminhar o projeto de Lei Orçamentária Anual à Assembleia Legislativa, com a proposta orçamentária da Defensoria na íntegra (como órgão autônomo e nos valores por ela aprovados) e, a partir daí, pleitear, de forma democrática e plural, junto ao Poder Legislativo que promovesse as reduções orçamentárias na proposição da Instituição. No Parlamento, após as discussões pertinentes, poderiam (ou não) ser aprovadas as reduções sugeridas.

Parabéns ao STF e à ANADEP por esse importantíssimo precedente que representará um marco para que os chefes do Poder Executivo finalmente entendam que os tempos são outros e que a Defensoria Pública é efetivamente um órgão constitucionalmente autônomo e que como tal precisa ser tratado.


Dizer o Direito!