terça-feira, 4 de março de 2014
Estupro e conjunção carnal não concretizada: tentativa ou crime consumado?
terça-feira, 4 de março de 2014
Imagine a seguinte situação
adaptada:
Fulano (maior de idade) despiu a
calça da vítima (criança com 9 anos), deixando-a apenas de calcinha. O agente,
ainda vestido, tirou somente o pênis para fora da calça e deitou-se por cima da
menor, passando a mão em seu corpo. Nesse exato momento, ele ouve um barulho,
assusta-se e, por circunstâncias alheias à sua vontade, não realiza o coito
vaginal.
Como você tipificaria essa
conduta?
Tese do MP
O Promotor de Justiça ofereceu
denúncia contra o réu pelo crime consumado de estupro de vulnerável (art. 217-A
do CP) e sustentou essa imputação em todas as fases do processo.
Tese da defesa
A defesa advogou a tese de que a
conduta do agente caracteriza-se como mera tentativa de estupro de vulnerável,
não se podendo afirmar que houve consumação.
Segundo alegou a defesa, seria
mais coerente o reconhecimento do crime tentado, já que não houve penetração,
beijos, lesão, tendo o acusado apenas tirado o pênis fora das calças e deitado
em cima da vítima, ambos com roupas.
Desse modo, existiu contato
físico entre o réu e a vítima, mas não houve penetração e a ação foi muito
rápida.
Por fim, a defesa argumentou que
o art. 217-A do Código Penal viola claramente o princípio da proporcionalidade,
considerando que a pessoa que pratica condutas menos graves, como um beijo
lascivo ou um toque rápido no pênis, responde com a mesma pena do réu que
efetivamente realiza conjunção carnal com a vítima.
O que o decidiu o STJ? Qual das
duas teses foi acolhida?
Houve estupro de vulnerável
consumado (tese do MP).
Encontra-se consolidado, no STJ,
o entendimento de que o delito de estupro, na atual redação dada pela Lei
12.015/2009, inclui atos libidinosos praticados de diversas formas, incluindo
os toques, os contatos voluptuosos e os beijos lascivos, consumando-se o crime
com o contato físico entre o agressor e a vítima (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp
1359608/MG, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/11/2013).
Assim, o estupro de vulnerável
consuma-se não apenas quando há conjunção carnal, mas sim todas as vezes em que
houver a prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos.
Essa foi a intenção punitiva do
legislador, não podendo o Poder Judiciário, de forma manifestamente contrária à
lei, utilizar-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para
reconhecer a forma tentada do delito, em razão da alegada menor gravidade da
conduta (STJ. 6ª Turma. REsp 1313369/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
25/06/2013).
O juiz, nesses casos, deverá
utilizar o princípio da proporcionalidade não para tipificar o crime
(desclassificando para estupro tentado), mas sim para fazer a dosimetria da
pena dentro dos limites previstos na lei (de 8 a 15 anos). Assim, o julgador
poderá aplicar uma pena maior para as hipóteses em que houve conjunção carnal,
por exemplo, e uma reprimenda mais próxima ao mínimo para as situações em que
houve outros atos libidinosos menos invasivos.
Vale ressaltar que, em tese, é até possível a tentativa no caso do crime do
art. 217-A do CP. No entanto, para que seja tentativa, o agente não pode ter
praticado algum ato libidinoso, pois, se já o tiver, o crime se consumou.
Resumindo:
A
consumação do delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) se
dá não apenas quando há conjunção carnal, mas sim todas as vezes em que houver
a prática de qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos.
No
caso, o agente deitou-se por cima da vítima com o membro viril à mostra, após
retirar-lhe as calças, o que, de per si, configura ato libidinoso para a
consumação do delito de estupro de vulnerável.
O
STJ entende que é inadmissível que o Julgador, de forma manifestamente
contrária à lei e utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, reconheça a forma tentada do delito, em razão da alegada
menor gravidade da conduta.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.353.575-PR,
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/12/2013 (Info 533).