Dizer o Direito

segunda-feira, 31 de março de 2014

5 anos após o cumprimento ou extinção da pena, a condenação pretérita ainda poderá ser utilizada como maus antecedentes?



O que é reincidência?
A definição de reincidência, para o Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais.

Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é condenada definitivamente por
E depois da condenação definitiva pratica novo(a)
Qual será a consequência?
CRIME
(no Brasil ou exterior)
CRIME
REINCIDÊNCIA
CRIME
(no Brasil ou exterior)
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
REINCIDÊNCIA
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
REINCIDÊNCIA
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
CRIME
NÃO HÁ reincidência.
Foi uma falha da lei.
Mas gera maus antecedentes.
CONTRAVENÇÃO
(no estrangeiro)
CRIME ou CONTRAVENÇÃO
NÃO HÁ reincidência.
Contravenção no estrangeiro não influi aqui.

A reincidência é uma agravante da pena
Se o réu for reincidente, sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal.
O principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele fosse primário.
Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;

Os efeitos negativos da reincidência duram para sempre?
NÃO. Os efeitos deletérios da reincidência perduram pelo prazo máximo de 5 anos, contados da data do cumprimento ou da extinção da pena. Após esse período, ocorre a caducidade da condenação anterior para fins de reincidência. É o que afirma o art. 64, I, do CP:

Art. 64. Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

Assim, diz-se que, em tema de reincidência, o Código Penal adota o sistema da temporariedade, uma vez que os efeitos negativos da reincidência duram apenas por determinado período de tempo. O prazo em que a reincidência ainda vigora é chamado de “período depurador”.

Curiosidade: na redação original do Código Penal (antes da Reforma de 1984), vigorava o sistema da perpetuidade, ou seja, os efeitos negativos da reincidência duravam para sempre.

Exemplo:
Douglas praticou um furto, foi condenado e terminou de cumprir sua pena em 02/02/2010. Em 03/03/2015, ele comete um outro crime. No julgamento desse segundo delito, Douglas não poderá ser considerado reincidente, porque já se passaram mais de 5 anos desde o dia em que terminou de cumprir a pena pelo primeiro crime.


Assim, após o prazo de 5 anos, não poderá mais ser considerado reincidente. Contudo, essa condenação anterior poderá ser valorada como maus antecedentes?
SIM. Posição do STJ
NÃO. Precedentes recentes do STF
Para o entendimento pacificado no STJ, mesmo ultrapassado o lapso temporal de cinco anos, a condenação anterior transitada em julgado pode ser considerada como maus antecedentes, nos termos do art. 59 do CP.
A existência de condenação anterior, ocorrida em prazo superior a 5 anos, contado da extinção da pena, também não poderá ser considerada como maus antecedentes.
Após o prazo de 5 anos previsto no art. 64, I, do CP, cessam não apenas os efeitos decorrentes da reincidência, mas também qualquer outra valoração negativa por condutas pretéritas praticadas pelo agente.
Ora, se essas condenações não mais servem para o efeito da reincidência, com muito maior razão não devem valer para fins de antecedentes criminais.
“Apesar de desaparecer a condição de reincidente, o agente não readquire a condição de primário, que é como um estado de virgem, que, violado, não se refaz. A reincidência é como o pecado original: desaparece, mas deixa sua mancha, servindo, por exemplo, como antecedente criminal (art. 59, caput)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 238).
“O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal.
Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo  perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta.” (Min. Dias Toffoli).
Reincidência: sistema da temporariedade
Maus antecedentes: sistema da perpetuidade
Tanto a reincidência como os maus antecedentes obedecem ao sistema da temporariedade
STJ. 5ª Turma. HC 238.065/SP, Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Conv. TJ/SE), j. em 18/04/2013.

STJ. 6ª Turma. HC 240.022/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 11/03/2014.
STF. 1ª Turma. HC 119200, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/02/2014.

STF. 2ª Turma. HC 110191, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/04/2013.

Obs: há precedentes mais antigos do STF reconhecendo a 1ª corrente. Nesse sentido: RHC 106814, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 08/02/2011.

Obs2: o tema será definido pelo STF no RE 593818 RG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, que foi afetado para julgamento pelo Plenário sob a sistemática da repercussão geral.

Obs3: cuidado. A maioria dos livros de Direito Penal fornece uma explicação em sentido contrário ao que vem sendo decidido pelo STF.

domingo, 30 de março de 2014

Novas súmulas 506 a 510 do STJ




Olá amigos do Dizer o Direito,

Na última quarta-feira (26/03), o STJ aprovou 5 novas súmulas.

Os enunciados aprovados tratam de temas muito específicos e que já estavam pacificados no STJ há alguns anos. Não há nenhuma novidade nem polêmica.

Veja as súmulas aprovadas:

Súmula 506-STJ:
A Anatel não é parte legítima nas demandas entre a concessionária e o usuário de telefonia decorrentes de relação contratual.

Súmula 507-STJ:
A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do artigo 23 da Lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho.

Súmula 508-STJ:
A isenção da Cofins concedida pelo artigo 6º, II, da LC 70/91 às sociedades civis de prestação de serviços profissionais foi revogada pelo artigo 56 da Lei 9.430/96.

Súmula 509-STJ:
É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.

Súmula 510-STJ:
A liberação de veículo retido apenas por transporte irregular de passageiros não está condicionada ao pagamento de multas e despesas.



sábado, 29 de março de 2014

INFORMATIVO Esquematizado 535 STJ



Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 535 STJ.

Bons estudos.



INFORMATIVO Esquematizado 535 STJ - Versão Resumida



Olá amigos do Dizer o Direito,

Segue o INFORMATIVO Esquematizado 535 STJ - Versão Resumida.

Bons estudos.




No procedimento da Lei de Drogas, o interrogatório é o primeiro ato da audiência



A Lei n.° 11.343/2006 tipifica os delitos envolvendo drogas. Além de prever os crimes, a referida Lei também traz o procedimento, ou seja, o rito que deverá ser observado pelo juiz.
Desse modo, a Lei n.° 11.343/2006 traz um procedimento especial que possui algumas diferenças em relação ao procedimento comum ordinário previsto no CPP. Uma das diferenças reside no momento em que é realizado o interrogatório do réu. Vejamos:

CPP (art. 400)
Lei n.° 11.343/2006 (art. 57)
O art. 400 do CPP foi alterado pela Lei n.° 11.719/2008 e, atualmente, o interrogatório deve ser feito depois da inquirição das testemunhas e da realização das demais provas.
Em suma, o interrogatório passou a ser o último ato da audiência de instrução (segundo a antiga previsão, o interrogatório era o primeiro ato).
O art. 57 da Lei de Drogas prevê que, na audiência de instrução e julgamento, o interrogatório do acusado é feito antes da inquirição das testemunhas.
Em suma, o interrogatório é o primeiro ato da audiência de instrução.

O que é mais favorável ao réu: ser interrogado antes ou depois da oitiva das testemunhas?
Depois. Isso porque após o acusado ouvir o relato trazido pelas testemunhas poderá decidir a versão dos fatos que irá apresentar. Se, por exemplo, avaliar que nenhuma testemunha o apontou como o autor do crime, poderá sustentar a negativa de autoria ou optar pelo direito ao silêncio. Ao contrário, se entender que as testemunhas foram sólidas em incriminá-lo, terá como tese mais viável confessar e obter a atenuação da pena.
Dessa feita, a regra do art. 400 do CPP é mais favorável ao réu do que a previsão do art. 57 da Lei n.° 11.343/2006.

Diante dessa constatação, e pelo fato de a Lei n.° 11.719/2008 ser posterior à Lei de Drogas, surgiu uma corrente na doutrina defendendo que o art. 57 foi derrogado e que, também no procedimento da Lei n.° 11.343/2006, o interrogatório deveria ser o último ato da audiência de instrução. Essa tese foi acolhida pela jurisprudência?
NÃO. Segundo o posicionamento que tem prevalecido no STJ e STF, a regra do art. 57 da Lei n.° 11.343/2006 prevalece sobre a regra geral do CPP, sendo legítimo o interrogatório do réu antes da oitiva das testemunhas no rito da Lei de Drogas.

(...) Para o julgamento dos crimes previstos na Lei n.º 11.343/06 há rito próprio, no qual o interrogatório inaugura a audiência de instrução e julgamento (art. 57). Desse modo, a previsão de que a oitiva do réu ocorra após a inquirição das testemunhas, conforme disciplina o art. 400 do Código de Processo Penal, não se aplica ao caso, em razão da regra da especialidade (art. 394, § 2º, segunda parte, do Código de Processo Penal). (...)
STJ. 5ª Turma. HC n. 165.034/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 9/10/2012.

(...) Ao contrário do que ocorre no procedimento comum (ordinário, sumário e sumaríssimo), no especial rito da Lei 11.343/2006, o interrogatório é realizado no limiar da audiência de instrução e julgamento. (...)
STJ. 6ª Turma. HC 212.273/MG, Min. Maria Thereza De Assis Moura, julgado em 11/03/2014.

(...) Se a paciente foi processada pela prática do delito de tráfico ilícito de drogas, sob a égide da Lei 11.343/2006, o procedimento a ser adotado é o especial, estabelecido nos arts. 54 a 59 do referido diploma legal.
II – O art. 57 da Lei de Drogas dispõe que o interrogatório ocorrerá em momento anterior à oitiva das testemunhas, diferentemente do que prevê o art. 400 do Código de Processo Penal. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 116713, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/06/2013.



sexta-feira, 28 de março de 2014

Condenação por fato posterior ao crime em julgamento não gera maus antecedentes


Imagine a seguinte situação:
Em 05/05/2012, Antônio cometeu um roubo e iniciou-se uma ação penal contra ele.
Em 06/06/2013, ele praticou um furto, o que gerou outro processo criminal para apurar, desta vez este delito.
Em 07/07/2014, antes que o processo referente ao roubo chegasse ao fim, o réu foi condenado pelo furto, tendo havido trânsito em julgado após o prazo do recurso.

Na sentença condenatória pelo furto, o juiz poderá agravar a pena pelo fato de Antônio estar respondendo a um processo por roubo?
NÃO. O STJ afirma que, em face do princípio da presunção de não culpabilidade, os inquéritos policiais e ações penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes. Existe, inclusive, um enunciado:
Súmula 444-STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.

Em 08/08/2014, Antônio foi condenado pelo roubo.

Na sentença condenatória pelo roubo, o juiz poderá considerar Antônio reincidente, o que caracteriza uma agravante (art. 61, I, do CP)?
NÃO. Antônio não é reincidente, uma vez que, quando praticou o segundo crime (furto), ainda não havia sido condenado pelo primeiro (roubo) com trânsito em julgado. Logo, não se enquadra na definição de reincidência.

Para relembrar: definição de reincidência
A definição de reincidência, para o Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais. Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 401):

Se a pessoa é condenada definitivamente por
E depois da condenação definitiva pratica novo(a)
Qual será a consequência?
CRIME
(no Brasil ou exterior)
CRIME
REINCIDÊNCIA
CRIME
(no Brasil ou exterior)
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
REINCIDÊNCIA
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
REINCIDÊNCIA
CONTRAVENÇÃO
(no Brasil)
CRIME
NÃO HÁ reincidência.
Foi uma falha da lei.
Mas gera maus antecedentes.
CONTRAVENÇÃO
(no estrangeiro)
CRIME ou CONTRAVENÇÃO
NÃO HÁ reincidência.
Contravenção no estrangeiro não influi aqui.


Na sentença condenatória pelo roubo, o juiz poderá considerar a condenação pelo furto, já transitada em julgado, como circunstância judicial negativa?
Também NÃO.

O réu, na sua sentença, é julgado pelos fatos e circunstâncias que ocorreram até a data do crime. Assim, para o STJ, na dosimetria da pena, os fatos posteriores ao crime em julgamento NÃO podem ser utilizados como fundamento para valorar negativamente a pena-base (culpabilidade, os antecedentes a personalidade, a conduta social do réu etc.).
STJ. 6ª Turma. HC 189.385-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/2/2014.

(...) Impossibilitada a aplicação de antecedentes criminais relativos a infrações praticadas após àquela objeto da denúncia. Precedentes. (...)
STJ. 5ª Turma. HC n. 268.762/SC, Min. Regina Helena Costa, DJe 29/10/2013.

Em suma, as condenações por fatos posteriores ao delito em julgamento (ainda que transitadas em julgado) não podem ser utilizadas para agravar a pena-base.

Vamos mudar um pouco o exemplo? Imagine a agora seguinte situação:
Em 05/05/2012, Pedro cometeu um roubo.
Em 06/06/2013, ele foi condenado pelo roubo, mas recorreu contra a sentença.
Em 07/07/2013, Pedro praticou um furto, iniciando outro processo penal.
Em 08/08/2013, a condenação pelo roubo transitou em julgado.
Em 09/09/2013, Pedro é condenado pelo furto.

Na sentença condenatória pelo furto, o juiz poderá considerar Pedro reincidente (art. 61, I, do CP)?
NÃO. Pedro não é reincidente uma vez que, quando praticou o segundo crime (furto), a condenação pelo delito anterior (roubo) ainda não havia transitado em julgado. Logo, não se enquadra na definição de reincidência que vimos no quadro acima.

Na sentença condenatória pelo furto, o juiz poderá considerar a condenação pelo roubo, já transitada em julgado, como circunstância judicial negativa?
SIM. A condenação por fato anterior ao delito que se julga, mas com trânsito em julgado posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal (STJ. 5ª Turma. HC n. 210.787/RJ, Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 16/9/2013).


quinta-feira, 27 de março de 2014

Concurso público e investigação social



Investigação social
Em alguns concursos públicos, o edital prevê que os candidatos serão submetidos a uma fase do certame denominada de “sindicância da vida pregressa e investigação social”.
Nesta etapa, o órgão ou entidade que está realizando o concurso coleta informações sobre a vida prgressa, bem como a conduta social e profissional do candidato a fim de avaliar se ele possui idoneidade moral para exercer o cargo pleiteado.
Em regra, a investigação social é feita mediante a análise das certidões de antecedentes criminais do candidato. Alguns concursos preveem também que se forneça o nome de autoridades que serão consultadas sobre a índole do candidato. Existem, por fim, editais que exigem a apresentação de um “atestado de boa conduta social e moral” subscrito por uma autoridade declarando que desconhece qualquer fato desabonador na vida do postulante ao cargo.

A investigação social limita-se ao exame da existência de antecedentes criminais ou poderão ser analisados outros aspectos da vida do candidato?
Entende a jurisprudência do STJ que a investigação social não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que eventualmente tenha praticado. Em precedente da 6ª Turma, a Corte decidiu que deve ser analisada a conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir o padrão de comportamento diante das normas exigidas ao candidato da carreira policial, em razão das peculiaridades do cargo que exigem a retidão, lisura e probidade do agente público (STJ. 6ª Turma. RMS 24.287/RO, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), julgado em 04/12/2012).

A investigação social poderá ter caráter eliminatório?
SIM. A maioria das leis que rege as carreiras prevê que um dos requisitos para que qualquer pessoa tome posse no cargo público é a idoneidade moral. Sendo provada a falta dessa condição, é juridicamente possível a eliminação do candidato. Outro fundamento que pode ser invocado para justificar essa medida é o princípio constitucional da moralidade (art. 37 da CF/88).
Vale ressaltar que a investigação social não pode ter caráter classificatório, ou seja, não interfere na pontuação dos candidatos.
Se o eliminado discordar dos critérios utilizados pela banca poderá buscar auxílio do Poder Judiciário, que tem competência para analisar o ato de exclusão do candidato, quando houver flagrante ilegalidade ou descuprimento do edital (STJ. 1a Turma. RMS 44.360/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2013). Isso porque “não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público.” (STF. 1a Turma. ARE 753331 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/09/2013).

Caso seja constatado, na investigação social, que o candidato responde a um inquérito policial, ação penal ou tem contra si uma condenação ainda não transitada em julgado, tal circunstância, obrigatoriamente, implicará a sua eliminação do certame?
NÃO. A jurisprudência entende que o fato de haver instauração de inquérito policial ou propositura de ação penal contra candidato, por si só, não pode implicar a sua eliminação.
A eliminação nessas circunstâncias, sem o necessário trânsito em julgado da condenação, violaria o princípio constitucional da presunção de inocência.

Candidato aprovado para o cargo de Delegado de Polícia e que responde a ação penal, sendo acusado de crimes graves, pode ser eliminado do concurso público?
Como exposto acima, a jurisprudência entende que o candidato indiciado  em inquérito policial  ou condenado em sentença penal sem trânsito em julgado não pode ser eliminado do concurso público com base nessas circunstâncias. No entanto, o STJ possui um precedente recente afirmando que, em caso de cargos públicos de “maior envergadura”, em que os ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, é possível a eliminação do candidato que responde a processo penal acusado de crimes graves, mesmo que ainda não tenha havido trânsito em julgado. Segundo o Min. Ari Pargendler, o “acesso ao Cargo de Delegado de Polícia de alguém que responde ação penal pela prática dos crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado.” (STJ. 1ª Turma. RMS 43.172/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 12/11/2013).
Destaco esse precedente porque recentíssimo e para que saibam que ele existe, mas é importante ressaltar que se trata de julgado polêmico uma vez que o STF possui inúmeros acórdãos afirmando que “viola o princípio da presunção de inocência a exclusão de certame público de candidato que responda a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória.” (STF. 1ª Turma. AI 829186 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/04/2013).

É possível a eliminação de candidato que tenha celebrado transação penal anteriormente?
NÃO. O STJ recentemente decidiu que um candidato aprovado a agente penitenciário federal não poderia ser eliminado do concurso pelo simples fato de ter celebrado transação penal. Conforme afirmou, corretamente, o Min. Relator, a transação penal não pode servir de fundamento para a não recomendação de candidato em concurso público na fase de investigação social, uma vez que não importa em condenação do autor do fato (art. 76 da Lei n.° 9.099/95) (STJ. 2ª Turma. REsp 1302206/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/09/2013). No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. ARE 713138 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/08/2013).

Se a banca examinadora, na fase de investigação social, determina que o candidato responda a um formulário sobre sua vida pregressa e este, propositalmente, omite informações, poderá ser eliminado do concurso por conta dessa conduta?
SIM. A omissão do candidato em prestar informações, conforme determinado pelo edital, na fase de investigação social ou de sindicância da vida pregressa, enseja a sua eliminação do concurso público (STJ. 2ª Turma. AgRg no RMS 39.108/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/04/2013).

É possível eliminar o candidato pelo simples fato de ele possuir seu nome negativado nos serviços de proteção de crédito (exs: SPC, SERASA)?
NÃO. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito (STJ. 5ª Turma. RMS 30.734/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/09/2011).


quarta-feira, 26 de março de 2014

Não é possível ajuizar ação de improbidade administrativa apenas contra o particular



IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

NOÇÕES GERAIS

Conceito

Existe diferença entre os conceitos de “probidade” e “moralidade”?

1ª corrente:
2ª corrente:
3ª corrente:
A moralidade é um conceito mais amplo que o de probidade.
A probidade seria um subprincípio da moralidade.
A probidade é um conceito mais amplo que o de moralidade. Isso porque a Lei n.° 8.429/92 prevê, como ato de improbidade administrativa, não apenas a violação à moralidade, mas também aos demais princípios da Administração Pública, conforme previsto no art. 11 da referida Lei. Assim, todo ato imoral é um ato de improbidade administrativa, mas nem todo ato de improbidade administrativa significa violação ao princípio da moralidade.
Moralidade e probidade seriam expressões equivalentes, considerando que a CF/88 menciona a moralidade como um princípio da Administração Pública (art. 37, caput) e a improbidade como sendo a lesão produzida a esse mesmo princípio (art. 37, § 4º).

Posição de Wallace Paiva Martins Júnior.
Defendida por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves.
É sustentada por José dos Santos Carvalho Filho.

O melhor entendimento é o exposto pela 2ª corrente, sendo possível dizer que a probidade é um gênero, sendo a moralidade uma de suas espécies. A improbidade irá englobar não apenas os atos desonestos ou imorais, mas também os atos ilegais. “Se um agente público causar dano ao erário, mediante ação culposa, por exemplo, não estará presente o componente moral, mas responderá ele pela prática de ato de improbidade administrativa, porquanto sua conduta se amolda ao tipo legal previsto no art. 10 da LIA.” (ANDRADE, Adriano; et. al., p. 640).

Mas, afinal de contas, o que é improbidade administrativa?
Trata-se de um ato praticado por agente público, ou por particular em conjunto com agente público, e que gera enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário ou atenta contra os princípios da Administração Pública.


Previsão constitucional
Existem quatro dispositivos na CF/88 que falam sobre o tema: art. 14, § 9º; art. 15, V; art. 37, § 4º; art. 85, V. Deve-se mencionar ainda o art. 97, § 10, III, do ADCT.

Para fins de direito administrativo, a previsão mais importante é a do art. 37, § 4º:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Assim, de acordo com o § 4º do art. 37 da CF/88, se a pessoa praticar um ato de improbidade administrativa, estará sujeita às seguintes sanções:
• suspensão dos direitos políticos;
• perda da função pública;
• indisponibilidade dos bens e
• ressarcimento ao erário.

Esse rol é exemplificativo ou exaustivo? A lei infraconstitucional poderia prever outras punições, assim como a Lei n.° 8.429/92 fez?
SIM. Para a maioria da doutrina e jurisprudência, o rol de sanções trazido pelo § 4º do art. 37 da CF/88 é exemplificativo e poderia ser ampliado pela Lei n.° 8.429/92.


Lei 8.429/92
No plano legislativo, o Congresso Nacional editou a Lei n.° 8.429/92 regulamentando os casos de improbidade administrativa.

Na época em que a Lei foi aprovada, surgiu a seguinte discussão:
A União possuía competência para legislar sobre improbidade administrativa de forma nacional? A União poderia ter feito uma lei de improbidade válida não apenas para os órgãos e entidades federais, mas também para os Estados, DF e Municípios?
SIM. Segundo a posição amplamente majoritária na doutrina e jurisprudência, a União tinha competência para editar a Lei n.° 8.429/92 disciplinando a improbidade administrativa para todos os entes da Federação. Isso porque a Lei n.° 8.429/92 traz sanções de natureza civil e regras de direito processual, sendo a competência privativa da União para legislar sobre tais temas (art. 22, I).
Para a doutrina, existem apenas três dispositivos da Lei n.° 8.429/92 que tratam de Direito Administrativo e, portanto, quanto a esses, deve-se interpretar que somente se aplicam à União. Trata-se do art. 13, caput; art. 14, § 3º; art. 20, parágrafo único. Nesse sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende (p. 20).


Estrutura da Lei
A Lei n.° 8.429/92 é dividida em seis eixos principais:
• Sujeito passivo do ato de improbidade (art. 1º);
• Sujeito ativo do ato de improbidade (arts. 2º e 3º);
• Tipos de ato de improbidade administrativa (arts. 9º a 11);
• Sanções aplicáveis (art. 12);
• Normas de procedimento administrativo e do processo judicial (arts. 14 a 18);
• Disposições penais (arts. 19 a 22).


A Lei n.° 8.429/92 pode ser aplicada a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor?
NÃO. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que a Lei n.° 8.429/92 não pode ser aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores a sua vigência, ainda que ocorridos após a edição da Constituição Federal de 1988 (REsp 1129121/GO, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, julgado em 03/05/2012).


SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Quando falamos em “sujeitos” da improbidade administrativa, analisamos as pessoas jurídicas envolvidas ou afetadas pelo ato de improbidade, seja na condição de autoras, seja como vítimas.

Vale ressaltar que a presente análise é sob o ponto de vista do direito MATERIAL, ou seja, será examinado o sujeito ativo do ATO de improbidade, isto é, quem praticou o ato no mundo real. Não se está tratando aqui de sujeito ativo ou passivo sob o ponto de vista processual, isto é, quem seria autor ou réu na ação de improbidade.

Assim, quando você ouvir falar em sujeito ativo ou passivo da improbidade, está se falando do ATO e não do processo judicial. Não se deve, portanto, confundir sujeito ativo/passivo do ato de improbidade com o legitimado ativo/passivo da ação de improbidade. O sujeito ativo do ato de improbidade será legitimado passivo (réu) da ação de improbidade; o sujeito passivo do ato, em regra, poderá ser legitimado ativo (autor) da ação de improbidade.


Sujeito passivo (art. 1º)
Sujeito passivo é a pessoa jurídica, de direito público ou privado, que sofre os efeitos deletérios do ato de improbidade administrativa. É como se fosse a “vítima” do ato de improbidade.
A lista das pessoas que podem ser sujeito passivo do ato de improbidade está prevista no art. 1º, caput e parágrafo único da Lei n.° 8.429/92.

Como esse art. 1º é bem confuso, vamos organizá-lo:

Quem pode ser SUJEITO PASSIVO
Exemplos
1) órgãos da Administração direta.
União, Estados, DF, Municípios.
2) entidades da Administração indireta.
Autarquias, fundações, associações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista.
3) empresas incorporadas ao patrimônio público.
A doutrina critica essa previsão, considerando que, se a empresa foi incorporada, ela deixou de existir, fazendo parte agora do patrimônio público como órgão ou entidade.
4) empresas incorporadas ao patrimônio público ou de entidade cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual.
Empresas públicas e sociedades de economia mista (o legislador foi redundante para reforçar a incidência da LIA).
5) entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo (fiscal ou creditício), de órgão público.
Entidades do terceiro setor (organizações sociais, OSCIP etc.), entidades sindicais, partidos políticos.
6) entidades cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual.
Sociedades de propósito específico, criadas para gerir parcerias público-privadas (art. 9º, § 4º da Lei n.° 11079/2004).


Sujeito ativo (arts. 2º e 3º)
Sujeito ativo é a pessoa física ou jurídica que:
• pratica o ato de improbidade administrativa;
• concorre para a sua prática;
• ou dele se beneficia.

O sujeito ativo do ato de improbidade será réu na ação de improbidade.

Os sujeitos ativos podem ser de duas espécies:
a) agentes públicos (art. 2º);
b) terceiros (art. 3º).

O que é o “terceiro” para fins de improbidade administrativa?
Terceiro é a pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo agente público, induziu ou concorreu para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiou direta ou indiretamente.

Desse modo, o papel do terceiro no ato de improbidade pode ser o de:
• induzir (instigar, estimular) o agente público a praticar o ato de improbidade;
• concorrer para o ato de improbidade (auxiliar o agente público a praticar);
• ser beneficiário (obter vantagem direta ou indireta).

O “terceiro” pode ser uma pessoa jurídica?
SIM. Apesar de existirem vozes em sentido contrário (ex: Carvalho Filho), prevalece que “as pessoas jurídicas que participem ou se beneficiem dos atos de improbidade sujeitam-se à Lei 8.429/1992” (STJ. REsp 1.122.177/MT, DJE 27/04/2011).

É possível imaginar que exista ato de improbidade com a atuação apenas do “terceiro” (sem a participação de um agente público)? É possível que, em uma ação de improbidade administrativa, o terceiro figure sozinho como réu?
NÃO. Para que o terceiro seja responsabilizado pelas sanções da Lei n.° 8.429/92, é indispensável que seja identificado algum agente público como autor da prática do ato de improbidade. Logo, não é possível que seja proposta ação de improbidade somente contra o terceiro, sem que figure também um agente público no polo passivo da demanda.

“A responsabilização de terceiros está condicionada à prática de um ato de improbidade por um agente público. É dizer: não havendo participação do agente público, há que ser afastada a incidência da LIA, estando o terceiro sujeito a sanções previstas em outras disposições legais. Pelas mesmas razões, não poderá o particular figurar sozinho no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa, nele tendo de participar, necessariamente, o agente público.
Vê-se, portanto, que o art. 3º encerra uma norma de extensão pessoal dos tipos de improbidade, a autorizar a ampliação do âmbito de incidência da LIA, que passa a alcançar não só o agente público que praticou o ato de improbidade, como também os terceiros que estão ao seu lado, isto é, aqueles que de qualquer modo concorreram para a prática da conduta ímproba, ou dele se beneficiaram.” (ANDRADE, Adriano. et. al. , p. 656).

Como vimos mais acima, os particulares estão sujeitos aos ditames da Lei n.° 8.429/1992 (LIA), não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos. Entretanto, analisando-se o art. 3º da LIA, observa-se que o particular será incurso nas sanções decorrentes do ato ímprobo somente quando: a) induzir, ou seja, incutir no agente público o estado mental tendente à prática do ilícito; b) concorrer juntamente com o agente público para a prática do ato; ou c) beneficiar-se, direta ou indiretamente do ato ilícito praticado pelo agente público.

Diante disso, o STJ reputa inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.

Vejamos o seguinte exemplo: determinado fundo de investimentos mantido pelo Governo Federal concedeu linha de crédito facilitada para uma empresa privada desenvolver um empreendimento na Amazônia. Diante de supostas irregularidades na aplicação dos recursos, o MPF ajuizou ação de improbidade administrativa contra a pessoa jurídica privada e seu diretor presidente. O processo deverá ser extinto sem resolução de mérito por ausência de pressuposto processual.

(...) Nas Ações de Improbidade, inexiste litisconsórcio necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo, por não estarem presentes nenhuma das hipóteses previstas no art. 47 do CPC (disposição legal ou relação jurídica unitária). Precedentes do STJ.
6. É certo que os terceiros que participem ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei 8.429/1992, nos termos do seu art. 3º, porém não há imposição legal de formação de litisconsórcio passivo necessário.
7. A conduta dos agentes públicos, que constitui o foco da LIA, pauta-se especificamente pelos seus deveres funcionais e independe da responsabilização da empresa que se beneficiou com a improbidade.
8. Convém registrar que a recíproca não é verdadeira, tendo em vista que os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado, o que não impede, contudo, o eventual ajuizamento de Ação Civil Pública comum para obter o ressarcimento do Erário. (...)
STJ. 2ª Turma. REsp 896044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/09/2010.

Resumindo:
Para que o terceiro seja responsabilizado pelas sanções da Lei n.° 8.429/92 é indispensável que seja identificado algum agente público como autor da prática do ato de improbidade.
Assim, não é possível a propositura de ação de improbidade exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.171.017-PA, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 25/2/2014 (Info 535).



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