Dizer o Direito

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

STJ nega pensão alimentícia a presa que cumpre pena pela morte dos pais



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vocês devem lembrar do famoso caso de uma garota de classe alta de São Paulo que, em 2002, matou os pais, com a ajuda do namorado e do irmão dele.

Os três foram condenados e cumprem pena por isso. A garota recebeu 38 anos de reclusão.

Não vamos tratar aqui sobre a parte criminal da história, mas sim a respeito da obrigação alimentícia.

Com a morte dos pais, abriu-se a herança.

O que é a herança?
A herança é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida.
Caracteriza-se, por força de lei, como sendo bem imóvel, universal e indivisível.
A herança é formada automaticamente pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.

O que é o espólio?
O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele.
Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).

Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)?
Se já houve inventário, o espólio é representado em juízo pelo inventariante.

Voltando ao caso concreto.
Em 2007, a referida garota, na época com 23 anos, presa em razão do crime, ajuizou ação de alimentos contra o espólio.
Em seu pedido, afirmou que sofria “descaso” e se encontrava em situação de total abandono, necessitando de “alimentos para atender suas necessidades, voltadas à aquisição de artigos de higiene, roupas, medicamentos prescritos por profissionais do presídio, alimentos propriamente ditos, vez que a falta de visita impede essa dádiva, além de materiais para propiciar o desenvolvimento de atividades laborterápicas”.

Como fundamento legal para seu pedido, a autora invocou o art. 1.700 do Código Civil, que estabelece o seguinte:
Art. 1.700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.

A questão chegou até o STJ. A autora tem direito de receber alimentos do espólio?
NÃO.

A jurisprudência do STJ afirma que a transmissão da obrigação alimentar ao espólio somente ocorre nos casos em que, antes de a pessoa morrer, já havia sido estipulado, por sentença judicial ou acordo, a pensão alimentícia. Veja:

(...) A obrigação de prestar alimentos só se transmite ao espólio quando já constituída antes da morte do alimentante. (...) (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 271.410/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 23/04/2013).

(...) Inexistindo condenação prévia do autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível (...) (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 981.180/RS, Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, julgado em 07/12/2010).

Assim, a autora não poderia ter êxito na ação de alimentos proposta em face do espólio porque quando os autores da herança faleceram (pais da garota) não havia alimentos fixados em acordo ou sentença em seu favor.

Em suma, o espólio só teria a obrigação de pagar pelos alimentos se:
• eles já estivessem fixados antes da morte; e
• apenas até os limites das forças da herança.

Desse modo, para o STJ, apesar do art. 1.700 do CC, os alimentos continuam ostentando caráter personalíssimo, de forma que, no que tange à obrigação alimentar, não há que se falar em transmissão do dever jurídico (em abstrato) de prestá-los  (REsp 1130742/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/12/2012).

Nesse mesmo sentido, afirmou o Min. João Otávio de Noronha:
“(...) Não se pode confundir a regra do art. 1.700, segundo o qual a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, com a transmissão do dever jurídico de alimentar, utilizada como argumento para a propositura da presente ação. Trata-se, na verdade, de coisas distintas. O dever jurídico é abstrato e indeterminado e a ele se contrapõe o direito subjetivo, enquanto que a obrigação é concreta e determinada e a ela se contrapõe uma prestação.
Havendo condenação prévia do autor da herança, há obrigação de prestar alimentos e esta se transmite aos herdeiros. Inexistente a condenação, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de alimentar, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível. (...)” (REsp 775180/MT).

O que se transmite, portanto, é a obrigação concreta já fixada antes da morte, mas não o dever jurídico (em abstrato).

O argumento acima já bastava para que o pedido fosse negado. Mas havia, ainda, outros.

Em seu voto, o Ministro Relator Luis Felipe Salomão fez o registro de que a autora foi declarada indigna, com exclusão da herança, em sentença prolatada pela 1ª Vara de Família do Foro Regional de Santo Amaro (SP).

“A própria recorrente deixa nítido que é notório o crime em razão do qual está encarcerada. Por isso, apenas a título de realce, por não ser matéria apreciada pelas instâncias ordinárias, é bem de ver que a admissão da transmissão do dever jurídico em abstrato de prover alimentos ensejaria a teratológica e injusta situação de propiciar que herdeiros, que incorram em uma das situações de indignidade previstas nos incisos do artigo 1.814 do CC/2002, por via transversa, alcancem os bens deixados pelo de cujus”, concluiu o relator.

Por fim, o ministro Luis Felipe Salomão lembrou que o artigo 1.695 do CC/2002 dispõe que “são devidos alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença”.

“O preso tem direito à alimentação suficiente, assistência material, à saúde e ao vestuário e, como visto, a concessão de alimentos demanda a constatação ou presunção legal de necessidade daquele que vindica alimentos. Entretanto, na inicial, em nenhum momento a autora afirma ter buscado trabalhar durante o período em que se encontra reclusa, não obstante a atribuição de trabalho e sua remuneração sejam, simultaneamente, um direito e um dever do preso”, concluiu Salomão.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

As informações foram retiradas do site do STJ.


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