A CF/88 estabelece, em seu art.
5º, incisos LV e LXIII:
Art. 5º (...)
LV - aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LXIII - o preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado;
No processo penal a ampla defesa
abrange:
• Defesa técnica: exercida por
advogado ou defensor público;
• Autodefesa: exercida pelo
próprio réu. Por conta da autodefesa, o réu não é obrigado a se auto
incriminar.
O Pacto
de San José da Costa Rica, que vige em nosso ordenamento jurídico com
caráter supralegal, estabelece em seu art. 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada
a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
Por fim, o Código de Processo
Penal também preconiza:
Art. 186. Depois de
devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado
será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de
permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio,
que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da
defesa.
Por força desses dispositivos, a
doutrina e a jurisprudência entendem que, no interrogatório, tanto na fase
policial, como em juízo, o réu poderá:
a) Ficar em silêncio,
recusando-se a responder as perguntas sobre os fatos pelos quais ele está sendo
acusado.
Obs1: prevalece que o réu não pode negar-se a responder as perguntas
relativas à sua qualificação, sendo o direito ao silêncio relativo apenas à
segunda parte do interrogatório.
Obs2: o silêncio do interrogado
não pode ser interpretado como confissão ficta, devendo ser encarado pelo
magistrado como mera ausência de resposta.
Obs3: o direito ao silêncio
também é conhecido como nemo tenetur se
detegere.
b) Mentir ou faltar com a verdade quanto
às perguntas relativas aos fatos
Obs1: diferentemente das
testemunhas, o réu não tem o dever de dizer a verdade porque tem o direito
constitucional de não se auto incriminar. Logo, o réu, ao ser interrogado e
mentir, não responde por falso testemunho (art. 342 do CP).
Obs2: o direito de mentir não permite
que impute falsamente o crime a terceira pessoa inocente. Caso isso ocorra
responderá por denunciação caluniosa (art. 399, CP).
Obs3: em alguns países, como nos
EUA, é crime mentir durante o interrogatório. Ressalte-se que, no direito
norte-americano também se garante ao acusado o direito ao silêncio e à não auto
incriminação (privilegie against
self-incrimination), no entanto, na hipótese de o réu decidir responder as
perguntas, não poderá faltar com a verdade. Trata-se do chamado crime de perjúrio.
Limites da autodefesa
A autodefesa é um direito ilimitado?
Não. A autodefesa não é um direito absoluto. Exemplo disso, já
consagrado há muito tempo, é o fato de que se o réu, em seu interrogatório,
imputar falsamente o crime a pessoa inocente responderá por denunciação
caluniosa (art. 399, CP).
Autodefesa e uso de documento falso (art. 304 do CP)
Como expressão do direito a autodefesa, o réu pode apresentar um
documento falso para não se prejudicar criminalmente? (Ex: João é parado em uma
blitz da PM e, sabendo que havia um mandado de prisão contra si expedido, apresenta
a cédula de identidade de seu irmão)
Não. Na hipótese retratada, João
poderia ser condenado por uso de documento falso. Esse é o entendimento do STF e
STJ:
O fato de o paciente ter
apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão
digital de outrem, configura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo
adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento
falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder
antecedentes criminais consubstancia autodefesa.
STF. 2ª Turma. HC 92763, Rel.
Min. Eros Grau, julgado em 12/02/2008.
Autodefesa e falsa identidade (art. 307 do CP)
Inicialmente, cumpre estabelecer
a distinção entre falsa identidade e uso de documento falso.
Art. 307 – Falsa identidade
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Art. 304 – Uso de documento falso
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Consiste na simples atribuição
de falsa identidade, sem a utilização de documento falso.
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Aqui há obrigatoriamente o uso
de documento falso.
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Ex: ao ser parado em uma blitz,
o agente afirma que seu nome é Pedro Silva, quando, na verdade, ele é João
Lima.
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Ex: ao ser parado em uma blitz,
o agente afirma que seu nome é Pedro Silva e apresenta o RG falsificado com
esse nome, quando, na verdade, ele é João Lima.
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Assim como no caso do uso de
documento falso, também na hipótese de falsa identidade, o STF entende que há
crime quando o agente, não se incriminar, atribui a si uma identidade que
não é sua. Essa questão já foi, inclusive, analisada pelo Pleno do STF em
regime de repercussão geral:
O princípio constitucional
da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui
falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus
antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307
do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites
subjetivos das partes.
STF. Plenário. RE 640139
RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011.
(...) O Plenário Virtual,
ao analisar o RE 640.139/DF, reconheceu a repercussão geral do tema versado
nestes autos e, na ocasião, reafirmou a jurisprudência, já consolidada no
sentido de que comete o delito tipificado no art. 307 do Código Penal aquele que,
conduzido perante a autoridade policial, atribui a si falsa identidade com o
intuito de ocultar seus antecedentes. (...)
STF. 2ª Turma. RE 648223
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado
em 18/10/2011
Trata-se também da posição do STJ:
É típica a conduta do
acusado que, no momento da prisão em flagrante, atribui para si falsa
identidade (art. 307 do CP), ainda que em alegada situação de autodefesa. Isso
porque a referida conduta não constitui extensão da garantia à ampla defesa,
visto tratar-se de conduta típica, por ofensa à fé pública e aos interesses de
disciplina social, prejudicial, inclusive, a eventual terceiro cujo nome seja
utilizado no falso.
STJ. 3ª Seção. REsp
1.362.524-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/10/2013 (recurso
repetitivo).
Em suma, tanto o STF como o STJ entendem
que a alegação de autodefesa não serve para descaracterizar a prática dos
delitos do art. 304 ou do art. 307 do CP.