Dizer o Direito

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Comentários à EC 77/2014



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada na semana passada (dia 12/02), a Emenda Constitucional n.° 77/2014, que alterou os incisos II, III e VIII do § 3º do art. 142 da Constituição Federal, para estender aos profissionais de saúde das Forças Armadas a possibilidade de cumulação de cargo a que se refere o art. 37, inciso XVI, alínea "c".

Vamos entender sobre o que trata a EC 77/2014:

É possível que a pessoa acumule mais de um cargo ou emprego público?

Em regra, NÃO.
A CF/88 proíbe a acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos.

Exceções:
A própria CF/88 prevê exceções a essa regra. Veja o que dispõe o art. 37, XVI, em especial a hipótese trazida pela alínea “c”:
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

Na letra “c”, a CF/88 permite que a pessoa acumule dois cargos ou empregos na Administração Pública se forem privativos de profissional de saúde.

Ex1: um cargo de médico do Município e outro de médico do Estado.
Ex2: um cargo de enfermeiro do Estado e outro de enfermeiro de uma fundação federal.

Esse art. 37, XVI, da CF/88 aplica-se também aos militares ou vale apenas para os servidores públicos civis?

Havia polêmica sobre o tema, existindo uma grande parcela da doutrina afirmando que não valia para os militares, uma vez que o art. 142, § 3º, VIII, da CF/88 diz quais incisos do art. 37 se aplicam aos membros das Forças Armadas e esse dispositivo, até então, não mencionava o inciso XVI do art. 37.

Veja como era a redação do art. 142, § 3º, VIII, antes da EC 77/2014:
Art. 142 (...)
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(...)
VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV;

Reparem, mais uma vez, que o § 3º não mencionava o inciso XVI do art. 37. Logo, várias vozes diziam que a possibilidade de acumulação de cargos não se aplicava aos militares por ausência de previsão constitucional, sendo restrita aos servidores públicos civis.

Tal distinção, contudo, não se justificava.

Em diversas partes do país, especialmente nas regiões de fronteira, existem hospitais militares e os profissionais de saúde que ali prestavam serviços ficavam impedidos de trabalhar também para a Administração Pública estadual ou municipal.

Esse cenário era extremamente nocivo ao interesse público, considerando que, nas regiões mais longínquas, muitas vezes a única presença estatal é a das Forças Armadas e os médicos, dentistas e enfermeiros militares que ali atuam poderiam trabalhar também em hospitais ou postos de saúde estaduais ou municipais atendendo a população em geral, mas ficavam impedidos por conta dessa dúvida que pairava diante da lacuna constitucional.

Por isso, em boa hora foi editada a EC 77/2014, corrigindo essa situação ao inserir, no art. 142, § 3º, VIII, a previsão expressa de que a permissão para a acumulação de cargos/empregos de profissionais da saúde aplica-se também aos militares (art. 37, inciso XVI, alínea “c”).

Penso, contudo, que a inovação foi tímida e ficou no meio do caminho. Isso porque poderia ter previsto que todo o inciso XVI do art. 37 pode ser aplicado aos militares, e não apenas a alínea “c”. Não há nenhuma razão lógica ou de interesse público em se vedar, por exemplo, que um médico militar acumule essa atividade com a de professor de uma instituição pública de ensino. Vale ressaltar que essa possibilidade, apesar de não estar prevista no Texto Constitucional, já foi admitida pelo STJ (RMS 39.157-GO – vide tópico abaixo sobre o tema).

Veja abaixo o quadro-comparativo do que foi alterado com a EC 77/2014:

EC 77/2014
ANTES
ATUALMENTE
Art. 142 (...)
§ 3º (...)
II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei;
Art. 142 (...)
§ 3º (...)
II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", será transferido para a reserva, nos termos da lei;
III - O militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;
III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;
VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV;
VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea "c";


EC 77/2014 vale também para os militares estaduais
Importante destacar que, apesar de a EC 77/2014 ter modificado o art. 142, que trata sobre os “membros das Forças Armadas”, essa alteração aplica-se também aos militares dos Estados (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) por força do § 1º do art. 42 da CF/88.

Entendimento do STJ
Importante mencionar que, mesmo antes da EC 77/2014, o Superior Tribunal de Justiça possuía alguns precedentes estendendo as hipóteses de acumulação do art. 37, XVI aos militares que não exercessem funções tipicamente militares, como é o caso dos militares profissionais da saúde. Confira:

(...) A jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, diante da interpretação sistemática do art. 37, XVI, alínea "c", c/c os arts. 42, § 1º, e 142, § 3º, II, todos da Constituição Federal de 1988, admite a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desenvolva, em ambos os casos, funções tipicamente militares. (...)
STJ 6ª Turma. AgRg no RMS 23.736/TO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/05/2013.

(...) É vedado aos integrantes das Forças Armadas, dentre eles os policiais militares estaduais, a cumulação de cargos, conforme dicção do art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal.
2. Esta Corte, ao interpretar os arts. 37, II, e 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, decidiu que a proibição de cumulação de cargos reflete-se apenas nos militares que possuem a função tipicamente das Forças Armadas. Por isso, entendeu que os militares profissionais da saúde estão excepcionados da regra. (...)
STJ 5ª Turma. RMS 28.059/RO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 04/10/2012.

De qualquer forma, como já dito, a modificação constitucional é salutar para espancar quaisquer dúvidas sobre o tema, até porque recentemente foi proferido um julgado da 2ª Turma do STF negando a possibilidade de acumulação (STF 2ª Turma. RE 741304 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 03/12/2013).


Márcio André Lopes Cavalcante
Professor


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