Dizer o Direito

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Existe direito real de habitação para o companheiro sobrevivente (união estável)?


Olá amigos do Dizer o Direito,

Um tema que tem sido bastante cobrado nas provas e que é difícil de ser encontrado, de forma completa, nos manuais, é Direito Real de Habitação para o companheiro sobrevivente (união estável).

Pensando nisso, preparamos esse breve roteiro com alguns tópicos e julgados importantes sobre o assunto.

Bons estudos.

Direito real de habitação
O direito real de habitação é previsto no Código Civil nos seguintes termos:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Exemplo:
João era casado com Maria e faleceu deixando quatro filhos e, como herança, um único apartamento que estava em seu nome e onde ele morava com a esposa. Nesse caso, Maria terá direito real de habitação sobre esse imóvel.

O que significa isso?
Em palavras simples, a pessoa que tem direito real de habitação poderá residir no imóvel. Logo, mesmo havendo quatro filhos como herdeiros, Maria terá direito de residir no apartamento.
O direito real de habitação tem por objetivo garantir o direito fundamental à moradia (art. 6º, caput, da CF/88) e o postulado da dignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III).

Recai sobre o imóvel destinado à residência da família
O cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, desde que seja o único dessa natureza e que integre o patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido no momento da abertura da sucessão (STJ. 3ª Turma. REsp 1273222/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/06/2013).

O regime de bens do casamento interfere no reconhecimento do direito real de habitação?
NÃO. Poderá ser assegurado o direito real de habitação qualquer que seja o regime de bens.

Até quando dura o direito real de habitação?
O titular do direito real de habitação poderá, se quiser, morar no imóvel até a sua morte. Trata-se, portanto, de um direito vitalício.

O fato de o cônjuge falecido ter tido filhos com outra mulher, interfere no direito real de habitação da esposa sobrevivente?
NÃO. O direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos (STJ. 3ª Turma. REsp 1134387/SP, julgado em 16/04/2013).

Se o cônjuge sobrevivente casar novamente, ele continuará tendo direito real de habitação?
SIM (posição majoritária). Isso porque o Código Civil de 1916 previa que o direito real de habitação seria extinto caso o cônjuge sobrevivente deixasse de ser viúvo, ou seja, caso se casasse ou iniciasse uma união estável (art. 1.611, § 2º). Como o CC-2002 não repetiu essa regra, entende-se que houve um silêncio eloquente e que não mais existe causa de extinção do direito real de habitação em caso de novo casamento ou união estável. Veja o que diz a doutrina:

“Comparando-se o art. 1831 do Código Civil de 2002 com o seu antecessor (art. 1.611, CC 1916), houve substancial acréscimo qualitativo do direito real de habitação em favor do cônjuge sobrevivente. Primeiro, o cônjuge passa a desfrutar do direito real de habitação, independente do regime de bens adotado no matrimônio - no CC de 1916, só caberia em prol do meeiro no regime da comunhão universal. Segundo, no CC de 1916 o direito de habitação era vidual, posto condicionada a sua permanência à manutenção da viuvez. Doravante, mesmo que o cônjuge sobrevivente case novamente ou inaugure união estável, não poderá ser excluído da habitação, pois tal direito se torna vitalício.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2012, p. 856-857).

O direito real de habitação precisa ser inscrito no registro imobiliário?
NÃO. O STJ possui precedentes afirmando que o direito real de habitação em favor do cônjuge sobrevivente se dá ex vi legis, ou seja, por força de lei, dispensando registro no registro imobiliário, já que guarda estreita relação com o direito de família (STJ. 3ª Turma. REsp 565.820/PR, julgado em 16/09/2004).

Existe direito real de habitação no caso da morte de companheiro (união estável)? João vivia em união estável com Maria e faleceu deixando quatro filhos e, como herança, um único apartamento que estava em seu nome e onde ele morava com a companheira. Nesse caso, Maria terá direito real de habitação sobre esse imóvel?
SIM. O STJ possui o entendimento tranquilo de que a companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação sobre o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido.

O art. 1.831 do CC-2002 fala apenas em cônjuge. Qual é o fundamento para estender o direito real de habitação também aos companheiros?
De fato, o art. 1.831 do CC-2002, ao tratar sobre o direito real de habitação, menciona apenas o cônjuge sobrevivente, silenciando quanto à extensão desse direito ao companheiro sobrevivente. No entanto, esse dispositivo do CC deverá ser interpretado conforme a regra contida no art. 226, § 3º, da CF/88, que reconhece a união estável como entidade familiar.
Assim, deve-se buscar uma interpretação que garanta à pessoa que viva em união estável os mesmos direitos que ela teria caso fosse casada.
O art. 226, § 3º da CF/88 é uma norma de inclusão, sendo contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair efeitos discriminatórios entre cônjuge e companheiro.
Desse modo, o direto real de habitação contido no art. 1.831 do CC deve ser aplicado também ao companheiro sobrevivente.

Lei n.° 9.278/96
O argumento acima (equiparação constitucional dos cônjuges e companheiros) é o mais correto e pertinente. Vale ressaltar, no entanto, que você pode encontrar alguns doutrinadores mencionando, ainda, mais um fundamento pelo qual o direito real de habitação poderia ser concedido aos companheiros: o fato de a Lei n.° 9.278/96 conceder esse direito à união estável.
De qualquer modo, seja por uma razão, seja por outra, o certo é que o direito real de habitação é extensível ao companheiro supérstite (sobrevivente).

Enunciado 117 da I Jornada de Direito Civil:
117: O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei 9.278, seja em razão da interpretação analógica do artigo 1.831, informado pelo artigo 6º, caput, da Constituição de 88.

Imagine agora seguinte situação:
João vivia em união estável com Maria e faleceu deixando quatro filhos e, como herança, um apartamento que estava em seu nome e onde ele morava com a companheira.
Além disso, João deixou um seguro de vida, em que sua esposa figurava como beneficiária da apólice, tendo ela, portanto, recebido 300 mil reais de indenização da seguradora.
Com o dinheiro, Maria comprou uma casa, que aluga para terceiros.

Diante disso, indaga-se: Maria continuará tendo direito real de habitação sobre o apartamento?
SIM. O fato de a companheira ter adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do de cujus não tem o condão de exclui-la do direito real de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro, ao tempo da abertura da sucessão, uma vez que, segundo o art. 794 do CC, no seguro de vida, para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeitos às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
Dessa forma, se o dinheiro do seguro não se insere no patrimônio do de cujus, não há falar em restrição ao direito real de habitação, porquanto o imóvel adquirido pela companheira sobrevivente não faz parte dos bens a inventariar.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.249.227-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013 (Info 533).

Vamos agora testar o que vocês aprenderam. Julgue os itens a seguir:

1) (Promotor MPSP 2013) Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação. (     )

2) (Promotor MPTO 2012) Em uma sucessão, sobrevindo cônjuge, a ele será conferido direito real de habitação relativo ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem dessa natureza, em qualquer situação de regime de bens. (     )

3) (Juiz TJDFT 2014 CESPE) O direito real de habitação não pode ser estendido ao companheiro. (     )

4) (Juiz TJDFT 2014 CESPE) Ao cônjuge sobrevivente assegura-se o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar e o regime de bens do casamento tenha sido o da comunhão universal. (     )

5) (DPE/SP 2013) O Código Civil assegura o direito real de habitação no imóvel destinado à moradia da família, dentre outros requisitos, ao cônjuge supérstite, silenciando em relação ao companheiro sobrevivente, que pode invocar tal direito com fundamento no princípio da isonomia entre as entidades familiares e na Lei no 9.278/96 (União Estável). (     )

6) (Juiz TJDFT 2014 CESPE) O direito real de habitação tem por finalidade impedir que os herdeiros deixem o companheiro sobrevivente sem moradia e ao desamparo, visto que este não tem qualquer participação na herança do de cujus. (     )

7) (Juiz TJDFT 2014 CESPE) Será correta a sentença que, em ação de inventário, homologue a partilha sem manifestação acerca do direito real de habitação da viúva meeira em relação ao imóvel em que o casal tenha residido, porquanto, para tanto, exige-se o ajuizamento de ação própria. (     )

8) (Juiz TJRN 2013 CESPE) Patrick, casado com Malva, faleceu em razão de acidente automobilístico em que viajava toda a família, deixando as filhas Pietra, de quarenta e cinco anos de idade, e Marcela, de quarenta anos de idade, frutos de seu casamento. Deixou, ainda, os netos Henrique, de vinte e um anos de idade, interditado por decisão judicial, e Alex, de dezoito anos de idade, ambos da prole da filha Manuela, pré-morta. Qualquer que seja o regime de bens do casamento, a Malva, cônjuge sobrevivente, é assegurado o direito real de habitação relativo ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. (     )

9) (VIII OAB 2012) O cônjuge sobrevivente, mesmo se constituir nova família, continuará a ter direito real de habitação sobre o imóvel em que residiu com seu finado cônjuge. (     )

10) A companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do CC) sobre o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido, ainda que tenha adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido do seguro de vida do de cujus. (     )


Respostas
1. C
2. C
3. E
4. E
5. C
6. E
7. E
8. C
9. C
10. C



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

É possível que a parte junte novos documentos em sede de apelação no processo civil?


Olá amigos do Dizer o Direito,

Estamos concluindo amanhã os comentários ao Informativo 533 do STJ.

Enquanto esperam, confiram esse interessante tema de Processo Civil: possibilidade de a parte juntar novos documentos em sede de apelação.

Vejamos:

Qual é o momento para que as partes produzam a prova documental? Em outros termos, em qual momento a parte deverá juntar aos autos os documentos destinados a provar suas alegações?

REGRA:
Como regra, os documentos devem ser juntados aos autos juntamente com a petição inicial (no caso do autor) ou com a resposta (no caso do réu). Isso encontra-se previsto no art. 396 do CPC:
Art. 396.  Compete à parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com os documentos destinados a provar-lhe as alegações.

EXCEÇÕES:
O art. 397 do CPC prevê expressamente duas exceções a essa regra.
Assim, é lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos:
a) quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados; ou
b) para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

A jurisprudência do STJ amplia estas hipóteses e afirma que é admitida a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação mesmo em situações não previstas no CPC desde que cumpridos três requisitos:
1) não se trate de documento indispensável à propositura da ação (se o documento era indispensável e não foi juntado, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito – arts. 283 e 284 do CPC);
2) não haja má fé na ocultação do documento;
3) seja ouvida a parte contrária (art. 398 do CPC).

É possível a juntada de documentos na fase recursal?
SIM. Para o STJ, a apresentação de prova documental é admissível inclusive na fase recursal, desde que não caracterizada a má-fé e observado o contraditório (REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/09/2011).

Esse entendimento foi reafirmado em julgado noticiado no Informativo 533 do STJ.

Resumindo o tema:
É possível que a parte junte novos documentos em sede de apelação, desde que atendidos os seguintes requisitos:
a) não se trate de documento indispensável à propositura da ação;
b) não haja indício de má fé;
c) seja ouvida a parte contrária, garantindo-se o contraditório (art. 398 do CPC).
STJ. 1ª Turma. REsp 1.176.440-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17/9/2013 (Info 533).

Por hoje é isso, pessoal.

Trabalhando firme no Informativo, esperamos publicá-lo amanhã.

Fiquem com Deus!



quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Ação negatória de paternidade: legitimidade, mera dúvida, recusa de DNA e paternidade socioafetiva



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre um interessante caso envolvendo alguns aspectos da ação negatória de paternidade.

Imagine a seguinte situação:
João namorava Beatriz, quando esta ficou grávida.
A criança nasceu, recebeu o nome de André, e João a registrou como sendo seu filho e de Beatriz, tendo esta garantido que ele era o genitor do menor.
Quatro anos mais tarde, João propôs ação negatória de paternidade contra André (representado por sua mãe), com pedido de anulação do registro de nascimento.
Na ação, o autor alegou que sempre teve dúvidas sobre a paternidade e que, na época da concepção, soube que Beatriz manteve outros relacionamentos. Afirmou, ainda, que agora percebe que não existe nenhuma semelhança física entre ele e o réu, o que reforçaria que foi enganado no momento do registro. Pediu a realização de exame de DNA.

Falecimento de João e procedimento de habilitação
Logo após ser proposta a ação, e antes de ser apresentada contestação, o autor faleceu.
Os pais de João pediram a habilitação, com o objetivo de sucedê-lo no processo (art. 1.055 do CPC).

Contestação do réu
André, representado por sua mãe, apresentou contestação, alegando:
a) No que se refere à sucessão processual, aduziu que os pais do autor não podem sucedê-lo no processo, considerando que se trata de ação de cunho personalíssimo, devendo o feito ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, IX do CPC;
b) Quanto ao mérito, afirmou que, durante todos esses anos, o autor nunca manifestou que tivesse dúvidas sobre a paternidade, somente fazendo isso agora porque estava em débito com a pensão alimentícia.
c) Por fim, sustentou que a filiação socioafetiva sobrepõe-se à filiação biológica.

Exame de DNA
No dia designado para que fosse feita a coleta do material genético para o exame de DNA, André e sua mãe não compareceram, recusando-se em se submeter a essa prova pericial.

Súmula 301 do STJ
Diante da recusa do réu em fazer o exame de DNA, os pais de João pediram a procedência dos pedidos, presumindo a inexistência de filiação. Para tanto, invocaram o art. 231 do CC e o raciocínio da Súmula 301 do STJ aplicável ao caso a contrario sensu:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Súmula 301-STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

Um caso semelhante a esse chegou ao STJ (3ª Turma. REsp 1.272.691-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013). Vejamos, por partes, o que foi decidido:

O direito de contestar a paternidade é personalíssimo?
SIM. A legitimidade ordinária ativa da ação negatória de paternidade compete exclusivamente ao pai registral, por ser ação de estado, que protege direito personalíssimo e indisponível do genitor (art. 27 do ECA), não comportando sub-rogação dos avós, porquanto direito intransmissível (STJ 3ª Turma. REsp 1328306/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14/05/2013).
Em outras palavras, somente o pai registral tem legitimidade para ajuizar a ação negatória de paternidade. Os avós registrais da criança não podem propor essa demanda.

Mesmo sendo personalíssimo, os avós do pai registral podem continuar a ação por ele proposta (sucederem o autor)?
SIM. O direito de contestar a paternidade é personalíssimo realmente, como vimos acima. No entanto, mesmo sendo personalíssimo, os avós registrais podem continuar com a ação em caso de falecimento do pai/autor. Isso porque o pai registral, quando vivo, manifestou sua vontade ao ajuizar a ação. Em outros termos, ele exerceu seu direito personalíssimo.
O ingresso dos herdeiros no polo ativo (na condição de sucessores) não representa o exercício do direito de contestar a paternidade, mas sim o mero prosseguimento da vontade manifestada pelo titular do direito.
Portanto, ainda que se trate de direito personalíssimo, tendo o pai registral concretizado sua intenção de contestar a paternidade ainda em vida, admite-se a sucessão processual de seus ascendentes, a fim de dar prosseguimento à ação proposta.

Resumindo:
• Dar início à ação negatória de paternidade: só quem pode fazer é o pai (herdeiros do pai não podem);
• Prosseguir na ação negatória de paternidade já ajuizada pelo pai e que faleceu durante o processo: os herdeiros podem continuar a demanda como seus sucessores.

A ação negatória de paternidade deve ser julgada procedente?
NÃO. Isso porque não é possível ao juiz declarar a nulidade do registro de nascimento com base, exclusivamente, na alegação de dúvida acerca do vínculo biológico do pai com o registrado, sem provas robustas da ocorrência de erro escusável quando do reconhecimento voluntário da paternidade.

Sobre o tema, o Código Civil prevê a seguinte regra:
Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

Segundo a Min. Nancy Andrighi, “o registro de nascimento tem valor absoluto, independentemente de a filiação ter se verificado no âmbito do casamento ou fora dele, não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as provas do erro ou falsidade”.

Devido ao valor absoluto do registro, o erro apto a caracterizar o vício de consentimento deve ser escusável, não se admitindo, para esse fim, que o erro decorra de simples negligência de quem registrou.

Assim, em processos relacionados ao direito de filiação, é necessário que o julgador aprecie as controvérsias com prudência para que o Poder Judiciário não venha a prejudicar a criança pelo mero capricho de um adulto que, livremente, a tenha reconhecido como filho em ato público e, posteriormente, por motivo vil, pretenda “livrar-se do peso da paternidade”.

Se o relacionamento era um namoro eventual e o autor tinha dúvidas sobre a paternidade, deveria ter exigido, antes de fazer o registro, um exame de DNA.

Portanto, o mero arrependimento não pode aniquilar o vínculo de filiação estabelecido, e a presunção de veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da falta de provas insofismáveis do vício de consentimento para a desconstituição do reconhecimento voluntário da paternidade.

O fato de o réu não ter comparecido para realizar o exame de DNA pode ser utilizado contra ele para que a ação seja julgada procedente?
NÃO. Em ação negatória de paternidade, o não comparecimento do filho menor de idade para submeter-se ao exame de DNA não induz, por si só, presunção de inexistência de paternidade.
A Súmula 301-STJ induz presunção relativa, de modo que a mera recusa à submissão ao exame não implica automaticamente reconhecimento da paternidade ou seu afastamento, pois deve ser apreciada em conjunto com os demais elementos probatórios.

Segundo a Min. Nancy Andrighi, é necessário que haja uma ponderação mínima para que se evite o uso imoderado de ações judiciais que têm o potencial de expor a intimidade das pessoas envolvidas e causar danos irreparáveis nas relações interpessoais.

Nesse contexto, não é ético admitir que essas ações sejam propostas de maneira impensada ou por motivos espúrios, como as movidas por sentimentos de revanchismo, por relacionamentos extraconjugais ou outras espécies de vinganças processuais injustificadas.

Portanto, deve-se fazer uma ponderação de interesses. Se de um lado, o autor tem o direito à identidade e à verdade biológica, como direitos da personalidade; de outro, o réu possui direito à honra e à intimidade. Ambos são direitos fundamentais.

O sistema de provas no processo civil brasileiro permite que sejam utilizados todos os meios legais e moralmente legítimos para comprovar a verdade dos fatos. Assim, o exame genético, embora de grande proveito, não pode ser considerado o único meio de prova da paternidade, em um verdadeiro processo de sacralização do DNA.

A recusa ao DNA não pode, por si só, resultar na procedência do pedido formulado em investigação ou negação de paternidade, pois a prova genética não gera presunção absoluta, cabendo ao autor comprovar a possibilidade de procedência do pedido por meio de outras provas. Em outras palavras, além da recusa ao exame, deve haver indícios de que aquilo que foi alegado é verdadeiro. No caso concreto, verifica-se que o autor, na petição inicial, não trouxe qualquer evidência ou indício que caracterizassem dúvida razoável acerca da paternidade, a justificar o ajuizamento da ação negatória.

Nesse contexto, a interpretação a contrario sensu da Súmula 301 do STJ, de forma a desconstituir a paternidade devido ao não comparecimento do menor ao exame genético, atenta contra a diretriz constitucional e preceitos do CC e do ECA, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro protege, com absoluta prioridade, a dignidade e a liberdade da criança e do adolescente, instituindo o princípio do melhor interesse do menor e seu direito à identidade e desenvolvimento da personalidade.

Vale ressaltar, ainda, que, no caso concreto, o não comparecimento do menor ao exame há de ser atribuído à mãe, visto que é ela a responsável pelos atos do filho de quatro anos.

Mesmo se tivesse sido provada a ausência de filiação biológica, seria possível manter a paternidade com base na filiação socioafetiva?
SIM. Segundo já decidiu o STJ em outra oportunidade, o êxito em ação negatória de paternidade, consoante os princípios do CC/2002 e da CF/1988, depende da demonstração, a um só tempo, de dois requisitos:
a) Inexistência da origem biológica;
b) Não ter sido construída uma relação socioafetiva entre pai e filho registrais.

Assim, para que a ação negatória de paternidade seja julgada procedente não basta apenas que o DNA prove que o “pai registral” não é o “pai biológico”. É necessário também que fique provado que o “pai registral” nunca foi um “pai socioafetivo”, ou seja, que nunca foi construída uma relação socioafetiva entre pai e filho (STJ. 4ª Turma. REsp 1.059.214-RS, Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/2/2012).

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Internação compulsória decretada em ação de interdição civil para pessoa que já cumpriu medida socioeducativa



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje tratar sobre um tema muito relevante e extremamente polêmico.

Trata-se de um homicídio ocorrido em São Paulo e que causou grande comoção nacional. 

A vítima foi uma jovem estudante e o autor do ato infracional um adolescente.

Quando terminou o prazo de internação da medida socioeducativa (3 anos), discutiu-se se seria possível, de algum modo, mantê-lo segregado considerando que, segundo os laudos psiquiátricos, ele apresentaria uma doença mental e uma agressividade acentuada e, na visão dos peritos, poderia vir a praticar novos crimes.

Vejam abaixo o caso com maiores detalhes e o que foi decidido:

Imagine a seguinte situação adaptada:
João, com 17 anos de idade, praticou estupro e homicídio, tendo recebido, como medida socioeducativa, internação por prazo indeterminado.
Após cumprir a internação por três anos ininterruptos, o juiz decidiu extinguir a internação, conforme determina o art. 121, §§ 3º e 4º do ECA:
Art. 121 (...)
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.

Diante desse cenário e a fim de evitar que João fosse solto, o Ministério Público ajuizou ação civil de interdição em face de João, cumulada com pedido de internação psiquiátrica compulsória.

O juiz concedeu a tutela antecipada e João foi internado em um hospital psiquiátrico.

Atuando em favor de João, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus contra essa decisão alegando, dentre outros argumentos, que não há em nosso Direito, nenhum dispositivo legal que autorize a prisão de doente ou deficiente mental em processo civil de interdição.

A questão chegou até o STJ. Vejamos os principais pontos decididos:

É possível a impetração de habeas corpus para questionar internação decretada em ação civil de interdição?
SIM. É cabível a impetração de habeas corpus para reparar suposto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção decorrente de decisão proferida por juízo cível que tenha determinado, no âmbito de ação de interdição, internação compulsória.
A hipótese de determinação de internação compulsória, embora em decisão proferida por juízo cível, apresenta-se capaz, ao menos em tese, de configurar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, justificando, assim, o cabimento do remédio constitucional, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF/88.

O STJ manteve a decisão do juiz que decretou a internação de João?
SIM. Segundo decidiu o STJ, é possível determinar, no âmbito de ação de interdição, a internação compulsória de quem tenha acabado de cumprir medida socioeducativa de internação, desde que comprovado o preenchimento dos requisitos para a aplicação da medida mediante laudo médico circunstanciado, diante da efetiva demonstração da insuficiência dos recursos extra-hospitalares.

Qual o fundamento legal utilizado pelo STJ?
O art. 6º da Lei n.° 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Veja o que diz o dispositivo:
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

No caso concreto, João foi avaliado por médicos e psicólogos que emitiram laudo indicando que ele deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico e psicológico em medida de contenção, por tratar-se de pessoa extremamente perigosa.

A internação psiquiátrica de que trata o art. 6º pode ser decretada em uma ação de interdição?
SIM. A internação do art. 6º da Lei n.° 10.216/2001 tem aplicação no processo civil ou penal, indistintamente, podendo ser decretada em processo de interdição.
A Defensoria Pública argumentava que, ao se admitir que João fosse internado compulsoriamente sem ter cometido crime algum estar-se-ia ressuscitado o sistema do  duplo binário, que, no Direito Penal já foi extirpado pela Reforma de 1984 da Parte Geral do Código Penal. O STJ concordou com a tese?
NÃO. Para o STJ, a decretação da internação compulsória não representa, por vias indiretas e ilícitas, o restabelecimento do sistema do duplo binário, já extinto no Direito Penal. Isso porque o paciente não está sendo internado por força de uma medida de segurança (sanção penal). Em outras palavras, ele não cumpriu pena nem agora está internado por força de medida de segurança. Trata-se simplesmente de uma ordem de internação expedida com fundamento em razões de natureza psiquiátrica, conforme permitido pelo art. 6º, parágrafo único, III, da Lei n.° 10.216/2001.

O que era o sistema do duplo binário?
No sistema do duplo binário, o réu, após cumprir a pena pela prática de um crime, era submetido a uma perícia e, se ainda fosse considerado perigoso, deveria cumprir medida de segurança de internação. Por isso era chamado de “duplo trilho” ou “dupla via” considerando que o réu semi-imputável perigoso cumpria pena e mais a medida de segurança.
O sistema do duplo binário foi extinto com a Lei n.° 7.209/84, que alterou a Parte Geral do Código Penal, dando lugar ao sistema vicariante (ou unitário). Por meio deste sistema, o juiz, ao constatar que o réu é semi-imputável perigoso irá decidir se aplica pena (com causa de diminuição) ou se determina que ele cumpra medida de segurança. Trata-se de uma opção: ou uma ou outra. É o que está previsto no art. 98 do CP.

A internação é o tratamento preferencial no caso de pessoas portadoras de transtornos mentais?
NÃO. A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (art. 4º). Assim, a internação psiquiátrica somente será realizada quando houver um laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos (art. 6º).

Processos a que se referem essa explicação:
STJ. 3ª Turma. HC 135.271-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 17/12/2013.
STJ. 4ª Turma. HC 169.172-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2013.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

STJ admite que o impetrante desista do MS mesmo após já ter sido prolatada sentença de mérito (atualização do Livro)


Desistência do mandado de segurança
É plenamente possível que o impetrante desista do mandado de segurança impetrado. Vale ressaltar que, para que haja a desistência do MS, não é necessária a concordância da parte adversa. Isso porque no caso de mandado de segurança não se aplica o art. 267, § 4º, do CPC (STJ. REsp 930.952-RJ).

A grande celeuma era a seguinte:
É possível que o impetrante desista do MS após já ter sido prolatada sentença de mérito?
SIM. Quem primeiro decidiu assim foi o STF.

No julgamento do RE 669367/RJ, o Plenário da Corte decidiu que a desistência do mandado de segurança é uma prerrogativa de quem o propõe e pode ocorrer a qualquer tempo, sem anuência da parte contrária e independentemente de já ter havido decisão de mérito, ainda que favorável ao autor da ação (RE 669367/RJ, Red. para acórdão Min. Rosa Weber, julgado em 02/05/2013).
Para o STF, o MS é uma ação conferida em benefício do cidadão contra o Estado e, portanto, não gera direito à autoridade pública coatora de ver o mérito da questão resolvido.

Principais argumentos veiculados pela Ministra Relatora:
• O impetrante pode desistir de mandado de segurança a qualquer tempo, ainda que proferida decisão de mérito a ele favorável, e sem anuência da parte contrária.
• O mandado de segurança, enquanto ação constitucional, com base em alegado direito líquido e certo frente a ato ilegal ou abusivo de autoridade, não se reveste de lide, em sentido material.
• Não se aplica, ao mandado de segurança, a condição disposta na parte final do art. 267, § 4º, do CPC (“§ 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação”).
• Mesmo após a sentença de mérito, é possível que o impetrante desista do mandado de segurança sem precisar renunciar ao direito. Logo, não incide o art. 269, V, do CPC.
• Se, no caso concreto, for constatada eventual má-fé do impetrante, esta deverá ser combatida mediante os instrumentos próprios previstos na lei processual. O que não se pode é, com base nisso, querer impedir o autor de desistir da ação.

A 2ª Turma do STJ, no final de 2013, aderiu a esse posicionamento e afirmou expressamente que o impetrante pode desistir de mandado de segurança sem a anuência do impetrado mesmo após a prolação da sentença de mérito (REsp 1.405.532-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 10/12/2013).

O tema caminha, portanto, para ser considerado pacífico.

Resumindo:
O impetrante pode desistir de mandado de segurança a qualquer tempo, ainda que proferida decisão de mérito a ele favorável, e sem anuência da parte contrária.
O mandado de segurança, enquanto ação constitucional, com base em alegado direito líquido e certo frente a ato ilegal ou abusivo de autoridade, não se reveste de lide, em sentido material.
STF. Plenário. RE 669367/RJ, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 2/5/2013 (Info 704).
STJ. 2ª Turma. REsp 1.405.532-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 10/12/2013 (Info 533).

Clique aqui para baixar a atualização do livro “Principais Julgados de 2012” quanto a esse assunto.






sábado, 22 de fevereiro de 2014

O MP e a Defensoria Pública possuem benefício de prazo?



Olá amigos do Dizer o Direito,

Vamos hoje dar uma dica rápida envolvendo prerrogativa de prazo, MP e Defensoria Pública.

No processo CIVIL, o MP e a Defensoria Pública possuem algum benefício de prazo?

MP: sim
Defensoria Pública: sim
Prazo em quádruplo para contestar.
Prazo em dobro para recorrer.
Fundamento: art. 188 do CPC.
Contam-se em dobro todos os seus prazos.
Fundamento: LC 80/94.


No processo PENAL, o MP e a Defensoria Pública possuem algum benefício de prazo?

MP: não
Defensoria Pública: sim
Em matéria penal, o MP não possui prazo recursal em dobro (STJ EREsp 1.187.916-SP, j. em 27/11/2013).
Também em matéria penal, contam-se em dobro todos os prazos da DP (STJ AgRg no AgRg no HC 146.823, j. em 03/09/2013).


Já sabiam disso?

Trata-se de informação relevantíssima tanto para as provas como para a atuação prática.

Um grande abraço e fiquem com Deus.




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O princípio da autodefesa não autoriza o uso de documento falso nem a atribuição de falsa identidade



A CF/88 estabelece, em seu art. 5º, incisos LV e LXIII:
Art. 5º (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

No processo penal a ampla defesa abrange:
Defesa técnica: exercida por advogado ou defensor público;
Autodefesa: exercida pelo próprio réu. Por conta da autodefesa, o réu não é obrigado a se auto incriminar.

O Pacto de San José da Costa Rica, que vige em nosso ordenamento jurídico com caráter supralegal, estabelece em seu art. 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Por fim, o Código de Processo Penal também preconiza:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Por força desses dispositivos, a doutrina e a jurisprudência entendem que, no interrogatório, tanto na fase policial, como em juízo, o réu poderá:

a) Ficar em silêncio, recusando-se a responder as perguntas sobre os fatos pelos quais ele está sendo acusado.
Obs1: prevalece que o réu não pode negar-se a responder as perguntas relativas à sua qualificação, sendo o direito ao silêncio relativo apenas à segunda parte do interrogatório.
Obs2: o silêncio do interrogado não pode ser interpretado como confissão ficta, devendo ser encarado pelo magistrado como mera ausência de resposta.
Obs3: o direito ao silêncio também é conhecido como nemo tenetur se detegere.

b) Mentir ou faltar com a verdade quanto às perguntas relativas aos fatos
Obs1: diferentemente das testemunhas, o réu não tem o dever de dizer a verdade porque tem o direito constitucional de não se auto incriminar. Logo, o réu, ao ser interrogado e mentir, não responde por falso testemunho (art. 342 do CP).
Obs2: o direito de mentir não permite que impute falsamente o crime a terceira pessoa inocente. Caso isso ocorra responderá por denunciação caluniosa (art. 399, CP).
Obs3: em alguns países, como nos EUA, é crime mentir durante o interrogatório. Ressalte-se que, no direito norte-americano também se garante ao acusado o direito ao silêncio e à não auto incriminação (privilegie against self-incrimination), no entanto, na hipótese de o réu decidir responder as perguntas, não poderá faltar com a verdade. Trata-se do chamado crime de perjúrio.

Limites da autodefesa
A autodefesa é um direito ilimitado?
Não. A autodefesa não é um direito absoluto. Exemplo disso, já consagrado há muito tempo, é o fato de que se o réu, em seu interrogatório, imputar falsamente o crime a pessoa inocente responderá por denunciação caluniosa (art. 399, CP).

Autodefesa e uso de documento falso (art. 304 do CP)
Como expressão do direito a autodefesa, o réu pode apresentar um documento falso para não se prejudicar criminalmente? (Ex: João é parado em uma blitz da PM e, sabendo que havia um mandado de prisão contra si expedido, apresenta a cédula de identidade de seu irmão)
Não. Na hipótese retratada, João poderia ser condenado por uso de documento falso. Esse é o entendimento do STF e STJ:
O fato de o paciente ter apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão digital de outrem, configura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder antecedentes criminais consubstancia autodefesa.
STF. 2ª Turma. HC 92763, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 12/02/2008.

Autodefesa e falsa identidade (art. 307 do CP)
Inicialmente, cumpre estabelecer a distinção entre falsa identidade e uso de documento falso.

Art. 307 – Falsa identidade
Art. 304 – Uso de documento falso
Consiste na simples atribuição de falsa identidade, sem a utilização de documento falso.
Aqui há obrigatoriamente o uso de documento falso.
Ex: ao ser parado em uma blitz, o agente afirma que seu nome é Pedro Silva, quando, na verdade, ele é João Lima.
Ex: ao ser parado em uma blitz, o agente afirma que seu nome é Pedro Silva e apresenta o RG falsificado com esse nome, quando, na verdade, ele é João Lima.

Assim como no caso do uso de documento falso, também na hipótese de falsa identidade, o STF entende que há crime quando o agente, não se incriminar, atribui a si uma identidade que não é sua. Essa questão já foi, inclusive, analisada pelo Pleno do STF em regime de repercussão geral:
O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.
STF. Plenário. RE 640139 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011.

(...) O Plenário Virtual, ao analisar o RE 640.139/DF, reconheceu a repercussão geral do tema versado nestes autos e, na ocasião, reafirmou a jurisprudência, já consolidada no sentido de que comete o delito tipificado no art. 307 do Código Penal aquele que, conduzido perante a autoridade policial, atribui a si falsa identidade com o intuito de ocultar seus antecedentes.  (...)
STF. 2ª Turma. RE 648223 AgR, Rel.  Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 18/10/2011

Trata-se também da posição do STJ:
É típica a conduta do acusado que, no momento da prisão em flagrante, atribui para si falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que em alegada situação de autodefesa. Isso porque a referida conduta não constitui extensão da garantia à ampla defesa, visto tratar-se de conduta típica, por ofensa à fé pública e aos interesses de disciplina social, prejudicial, inclusive, a eventual terceiro cujo nome seja utilizado no falso.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.362.524-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/10/2013 (recurso repetitivo).

Em suma, tanto o STF como o STJ entendem que a alegação de autodefesa não serve para descaracterizar a prática dos delitos do art. 304 ou do art. 307 do CP.



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Em execução provisória, descabe o arbitramento de honorários advocatícios em benefício do exequente



É cabível a condenação em honorários advocatícios no cumprimento de sentença quando esta se encontra ainda na fase de execução provisória?
NÃO. Em execução provisória, descabe o arbitramento de honorários advocatícios em benefício do exequente.
STJ. 2ª Seção. REsp 1.291.736-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/11/2013 (recurso repetitivo) (Info 533).

Princípio da causalidade
O que deve ser observado para a definição do cabimento de honorários advocatícios é o princípio da causalidade, ou seja, deverá arcar com as verbas de advogado quem deu causa à lide, conceito intimamente relacionado à “evitabilidade do litígio”.

Execução provisória corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente
A fase de execução provisória, por força de expressa disposição legal, “corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente” (art. 475-O, I, do CPC). Isso significa que a execução provisória se inicia por deliberação exclusiva do credor provisório (e não por iniciativa do devedor provisório). Mesmo podendo esperar o trânsito em julgado, o credor decide iniciar desde logo a execução (que ainda é provisória).

Dessa forma, como quem dá causa à instauração do procedimento provisório é o exequente (e não o executado), não se pode, em razão do princípio da causalidade, admitir, no âmbito da execução provisória, o arbitramento de honorários advocatícios em benefício dele próprio (do exequente).

Se o manejo da execução provisória constitui faculdade do credor, a ser exercitada por sua conta e responsabilidade, as despesas decorrentes da execução provisória, inclusive os honorários de seu advogado, hão de ser suportados pelo próprio exequente.

Sem o trânsito em julgado não há o acertamento definitivo do direito material
Além do mais, tenha ou não o vencedor o direito de propor execução provisória, é certo que ele ainda não tem, em sede de cumprimento provisório de sentença (no qual resta pendente recurso sem efeito suspensivo), o acertamento definitivo do seu direito material, do qual decorreriam os honorários de sucumbência relativos à fase de execução.

O executado provisório pode receber honorários advocatícios
Vale ressaltar que o STJ decidiu que não cabem honorários no âmbito de execução provisória em benefício do exequente.  No entanto, é possível que haja arbitramento de honorários na execução provisória em favor do executado provisório, caso a execução provisória seja extinta ou o seu valor seja reduzido.

Resumindo. Honorários advocatícios na execução provisória:
·         Não cabem em favor do exequente;
·         Cabem em favor do executado, caso a execução provisória seja extinta ou o seu valor seja reduzido.

Se a execução provisória transformar-se em definitiva, haverá arbitramento de honorários advocatícios em favor do exequente?
Pode haver. Se a execução provisória converter-se em definitiva, o juiz deverá franquear ao devedor a possibilidade de cumprir, voluntária e tempestivamente, a condenação imposta. Caso o devedor seja intimado e, mesmo assim, não cumpra a obrigação em 15 dias, deverá o magistrado condená-lo ao pagamento dos honorários advocatícios e também da multa do art. 475-J do CPC.

Relevância do julgamento
Trata-se de decisão muito importante porque pacifica o tema no âmbito do STJ. Antes desse precedente, que foi proferido pela 2ª Seção, sob a sistemática do recurso repetitivo, havia alguma divergência entre a 3ª e a 4ª Turmas a respeito do assunto.



Cláusula de barreira em concurso público é CONSTITUCIONAL



Imaginem que o edital de um concurso público preveja a seguinte regra:

“Será considerado habilitado na prova objetiva o candidato que obtiver nota igual ou superior a 60 (sessenta), sendo convocados para as provas discursivas apenas os candidatos classificados dentro de 10 vezes o número de vagas oferecidas para o cargo.
Os candidatos classificados fora desse número serão considerados eliminados.”

A norma acima exposta e que é encontrada em diversos editais de concurso é chamada de “cláusula de barreira”.

Desse modo, a “cláusula de barreira” é uma norma do edital que prevê a eliminação do candidato que, mesmo tendo obtido nota mínima suficiente para aprovação, não ficou classificado entre os melhores candidatos correspondentes a um percentual do número de vagas oferecidas.

Havia uma discussão sobre a legitimidade da cláusula de barreira.

No dia de ontem (19/02/2014), o Supremo Tribunal Federal considerou que é CONSTITUCIONAL a utilização da regra de barreira em concursos públicos.

O STF concluiu que a cláusula de barreira não viola os princípios da isonomia nem da proporcionalidade porque estabelece critérios objetivos, gerais e abstratos para restringir os candidatos convocados para as fases seguintes do concurso público, sendo um instrumento necessário para selecionar os melhores candidatos diante de um grande número de pessoas que busca ocupar os cargos públicos.

O Min. Rel. Gilmar Mendes argumentou que as regras restritivas em editais de certames, sejam elas eliminatórias ou de barreira, desde que fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho dos candidatos, concretizam o princípio da igualdade e da impessoalidade no âmbito dos concursos públicos.

“A cláusula de barreira elege critério diferenciador de candidatos em perfeita consonância com os interesses protegidos pela Constituição”.

STF. Plenário. RE 635739/AL, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/02/2014.

As informações foram obtidas no site oficial do STF.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Curso EBEJI: Revisão de Informativos do STF e do STJ do 2º semestre de 2013


Olá amigos do Dizer o Direito,

Gostaríamos de convidá-los a conhecer o Curso de Revisão da jurisprudência do STF e do STJ –  2º Semestre de 2013, promovido pela EBEJI.

Nesse curso, são comentadas as principais decisões do STF e do STJ divulgadas nos Informativos do 2º semestre de 2013.

No corpo docente do curso temos o professor e Juiz Federal Márcio André Lopes Cavalcante editor do site www.dizerodireito.com.br, que ministrará as matérias Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Administrativo; o professor Ubirajara Casado, responsável pela disciplinas Processo Civil e Constitucional, o professor Denis França, Advogado da União com atuação no STF que ministrará Direito Penal e Processo Penal e o professor Renato Grilo, Procurador da Fazenda Nacional com atuação do STJ que ministrará Direito Tributário e Financeiro.

O curso é voltado especialmente para aqueles que se preparam para concursos públicos, sendo também recomendado aos profissionais do Direito que buscam se manter atualizados com os recentes entendimentos dos Tribunais Superiores.

As informações completas sobre o Curso podem ser encontradas no site da EBEJI.



Dizer o Direito!