O que é a herança?
A herança é o conjunto de bens deixado
pela pessoa falecida.
Caracteriza-se, por força de lei, como
sendo bem imóvel, universal e indivisível.
A herança é formada automaticamente
pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.
O que é o espólio?
O espólio é o ente despersonalizado que
representa a herança em juízo ou fora dele.
Mesmo sem possuir personalidade
jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar
contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar
no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et.
al., Código Civil para concursos.
Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).
Quem representa o espólio em juízo
(quem age em nome do espólio)?
• Se já houve inventário: o espólio é
representado em juízo pelo inventariante.
• Se ainda não foi aberto inventário: o
espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985 do CPC).
Fixados esses conceitos, imagine a
seguinte situação hipotética:
João, viúvo, pai de Hugo, José e Luiz,
faleceu em decorrência de suposta falha no atendimento hospitalar.
Foi aberto inventário, tendo Hugo sido
nomeado como inventariante.
Os filhos decidem contratar um advogado
para ajuizar uma ação de indenização contra o hospital pelos danos morais e
materiais que eles sofreram com a morte do genitor.
O advogado propõe a ação de indenização
indicando como autor o espólio.
O advogado agiu de maneira correta?
NÃO. O espólio não tem legitimidade
para postular indenização pelos danos materiais e morais supostamente
experimentados pelos herdeiros, ainda que se alegue que os referidos danos
teriam decorrido de erro médico de que fora vítima o falecido.
Na situação exposta, o direito à
reparação pelos danos causados com a morte é dos filhos de João por conta de
direito próprio deles (e não por um direito que tenha sido transmitido com a
herança). Assim, o direito à reparação pela morte de João nada tem a ver com a
herança (não foi um bem deixado pelo falecido com a sua morte). Logo, o autor
da demanda não deve ser o espólio.
Resumindo: o direito no qual se funda a
ação é próprio dos herdeiros, e não um direito do de cujus que foi transmitido.
Vejamos, ao contrário, duas situações
em que a legitimidade seria do espólio:
O espólio teria legitimidade para
ajuizar a ação se o direito à indenização pertencesse ao falecido e tivesse
sido transmitido aos herdeiros com a morte.
Ex1: suponhamos que, antes de João
falecer, tenha sido publicada uma reportagem no jornal atacando a sua honra.
João ajuizou uma ação de indenização contra o periódico, tendo, no entanto,
morrido antes que a demanda fosse julgada. Nesse exemplo, considerando a natureza patrimonial
do direito de ação por danos morais, esse direito se transmitirá aos herdeiros.
Logo, o espólio possui legitimidade para suceder o autor na ação de indenização,
operando-se a substituição processual, nos termos do art. 43 do CPC.
Ex2: a reportagem foi publicada
atacando a honra de João. Ocorre que não deu tempo de ele tomar providências
contra o periódico. Nessa hipótese, muito embora se reconheça o caráter pessoal
da referida ação, o STJ e a doutrina majoritária consideram que o direito de ação
por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores
da vítima. Logo, o espólio tem legitimidade para intentar a ação de reparação por
danos morais. Nesse sentido é o art. 943 do CC e o Enunciado 454 do CJF.
Art. 943. O direito de exigir reparação
e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.
Enunciado 454-CJF: Art. 943. O direito
de exigir reparação a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange
inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela
vítima.
Vale ressaltar que o direito de
personalidade da pessoa morta não foi transmitido com a herança. O direito da
personalidade extinguiu-se com a morte do titular. O que se transmitiu, nesse
caso, foi apenas o direito patrimonial de requerer a indenização.
Agora, por fim, uma última hipótese:
Suponha que a reportagem atacando a
honra de João foi publicada somente após a sua morte. Nesse caso, será possível
o ajuizamento de ação de indenização por danos morais? Quem terá legitimidade
para figurar no polo ativo: o espólio ou os herdeiros?
SIM, será possível a propositura de
ação de indenização por danos morais. A legitimidade ativa para essa demanda é
dos herdeiros, nos termos do parágrafo único do art. 12 do CC:
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a
ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de
morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge
sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Se o dano ocorre depois da morte do
titular, não produz efeitos jurídicos ao morto. Contudo, tal ofensa atinge,
indiretamente, os familiares vivos da pessoa morta, caracterizados como “lesados
indiretos”. Assim sendo, os herdeiros, considerados como “lesados indiretos”
pelas ofensas devem propor a ação em nome próprio. Como explicam Cristiano
Chaves e Nelson Rosenvald:
“(...) é um direito reconhecido às pessoas vivas de ter salvaguardada a personalidade dos seus parentes (e do cônjuge ou companheiro) falecidos, sob pena de afronta à sua própria personalidade. Isto porque ao violar a honra, imagem, sepultura etc., de uma pessoa morta, atinge-se, obliquamente (indiretamente, na linguagem do Código Civil), os seus parentes (e o cônjuge ou companheiro) vivos.
Bem por isso, os lesados indiretos atuam em nome próprio, defendendo um interesse próprio, consistente na defesa da personalidade de seus parentes (ou de seu cônjuge ou companheiro) falecidos. Agem, pois, por legitimidade ordinária, autônoma, e não em substituição processual.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 198)
Nessa última hipótese, o espólio
poderia ingressar com ação de indenização por danos morais?
NÃO. O espólio não tem legitimidade
para buscar reparação por danos morais decorrentes de ofensa post mortem à imagem e à memória de
pessoa. Logo, a legitimidade é dos herdeiros (e não do espólio). Nesse sentido:
STJ. 3ª Turma. REsp 1.209.474-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado
em 10/9/2013.
Quadro-resumo:
Ofensa a direito da personalidade da
pessoa enquanto viva, tendo esta ajuizado ação de indenização, mas falecido
antes do trânsito em julgado.
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O espólio é legitimado a prosseguir
na demanda.
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Ofensa a direito da personalidade da
pessoa enquanto viva. Esta faleceu sem ter ajuizado a ação.
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O espólio é legitimado a propor a
ação de indenização.
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Ofensa à memória da pessoa já
falecida.
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Os herdeiros (e não o espólio) são
legitimados para propor a ação de indenização.
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Dor e sofrimento causado pela morte
da pessoa.
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Os herdeiros (e não o espólio) são
legitimados para propor a ação de indenização.
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Precedentes do STJ sobre o tema:
4ª Turma. REsp 1.143.968-MG, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/2/2013 (Info 517).
4ª Turma. REsp 1.209.474-SP, Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/9/2013 (Info 532).