sábado, 11 de janeiro de 2014
Não cabe prisão civil do inventariante em razão do inadimplemento do espólio
sábado, 11 de janeiro de 2014
Olá amigos do Dizer o Direito,
As questões envolvendo “pensão
alimentícia” são muito importantes tanto na prática forense como nos concursos
públicos.
Hoje vamos enfrentar o seguinte tema:
caso o alimentante (devedor de alimentos) morra, o espólio continuará tendo a obrigação
de pagar? E se houver descumprimento da obrigação, poderá haver prisão civil do
inventariante?
Vejamos:
O que é a herança?
A
herança é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida.
Caracteriza-se, por força de lei, como
sendo bem imóvel, universal e indivisível.
A herança é formada automaticamente
pela morte e somente será dissolvida quando houver a partilha.
O que é o espólio?
O espólio é o ente despersonalizado que
representa a herança em juízo ou fora dele.
Mesmo sem possuir personalidade
jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex: celebrar
contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar
no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et.
al., Código Civil para concursos.
Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396).
Quem representa o espólio em juízo
(quem age em nome do espólio)?
• Se já houve inventário: o espólio é
representado em juízo pelo inventariante.
• Se ainda não foi aberto inventário: o
espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985 do CPC).
Vale ressaltar que o inventariante é o
responsável pela administração da herança, conforme previsto no Código Civil:
Art. 1.991. Desde a assinatura do
compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será
exercida pelo inventariante.
Fixados estes conceitos, imagine a
seguinte situação hipotética:
Luis ajuizou execução de alimentos sob
o rito do art. 733 do CPC em face do espólio de Januário (seu falecido pai),
representado pela inventariante Madalena (esposa do morto), pleiteando o
recebimento de alimentos referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro,
bem como os vencidos no curso do processo (Súmula 309 do STJ).
A inventariante foi citada para, em 3
dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de
efetuá-lo.
Madalena apresentou, então, uma petição
ao juiz justificando que o espólio não tem como efetuar o pagamento da pensão
alimentícia arbitrada porque os bens que compõem o acervo hereditário não têm
gerado renda.
O juiz entendeu que as justificativas
apresentadas não eram suficientes e, então, decretou a prisão civil de Madalena
(§ 1º do art. 733 do CPC).
Foi interposto agravo de instrumento,
tendo o TJ mantido a decisão do magistrado.
Diante disso, o advogado de Madalena
impetrou habeas corpus no STJ em seu favor.
O que decidiu o STJ em um caso análogo a esse? O
inadimplemento de pensão alimentícia transmitida ao espólio pode acarretar a prisão
civil de seu inventariante?
NÃO.
Não cabe prisão civil do inventariante em razão do descumprimento da
obrigação do espólio de prestar alimentos.
STJ. 4ª Turma. HC 256.793-RN, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 1º/10/2013 (Info 531)
O CC/2002 previu que a “a obrigação de
prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor” (art. 1.700).
O STJ interpreta que, apesar de existir
esse dispositivo, o dever de prestar alimentos continua sendo personalíssimo.
Assim, os herdeiros irão responder pela obrigação até o limite da herança,
tendo em vista que a dívida é oriunda de obrigação pretérita do morto e não
originária dos herdeiros (arts. 1.792 e 1.997 e Enunciado 343 do CJF).
Além disso, a jurisprudência do STJ
admite a transmissão da obrigação alimentar ao espólio apenas nos casos em que,
antes de a pessoa morrer, já havia estipulação, por sentença judicial ou acordo
prévio da obrigação alimentar, de modo a garantir a manutenção do alimentando
durante a tramitação do inventário.
(...) A obrigação de prestar alimentos
só se transmite ao espólio quando já constituída antes da morte do alimentante.
(...) (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 271.410/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti,
julgado em 23/04/2013).
(...) Inexistindo condenação prévia do
autor da herança, não há por que falar em transmissão do dever jurídico de
prestar alimentos, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto, intransmissível
(...) (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 981.180/RS, Rel. Min. Paulo De Tarso
Sanseverino, julgado em 07/12/2010).
Assim, não é possível, portanto, o
ajuizamento de ação de alimentos em face do espólio, se quando do falecimento
do autor da herança (ex: pai do alimentando) não havia alimentos fixados em
acordo ou sentença em seu favor.
Em suma, o espólio tem a obrigação de
pagar pelos alimentos desde que:
• eles já estivessem fixados antes da
morte; e
• apenas até os limites das forças da
herança.
Desse modo, para o STJ, apesar do art.
1.700 do CC, os alimentos continuam ostentando caráter personalíssimo, de forma
que, no que tange à obrigação alimentar, não há que se falar em transmissão do
dever jurídico (em abstrato) de prestá-los (REsp 1130742/DF, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/12/2012).
Nesse mesmo sentido, afirmou o Min.
João Otávio de Noronha:
“(...) Não se pode confundir a regra do
art. 1.700, segundo o qual a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos
herdeiros do devedor, com a transmissão do dever jurídico de alimentar,
utilizada como argumento para a propositura da presente ação. Trata-se, na
verdade, de coisas distintas. O dever jurídico é abstrato e indeterminado e a
ele se contrapõe o direito subjetivo, enquanto que a obrigação é concreta e
determinada e a ela se contrapõe uma prestação.
Havendo condenação prévia do autor da
herança, há obrigação de prestar alimentos e esta se transmite aos herdeiros.
Inexistente a condenação, não há por que falar em transmissão do dever jurídico
de alimentar, em razão do seu caráter personalíssimo e, portanto,
intransmissível. (...)” (REsp 775180/MT).
O
que se transmite, portanto, é a obrigação concreta já fixada antes da morte,
mas não o dever jurídico (em abstrato).
Justamente pelo fato de o dever de
alimentar ser personalíssimo e instramissível é que o STJ entende que não é possível
a decretação de prisão civil do inventariante do espólio, uma vez que a
restrição da liberdade constitui sanção também de natureza personalíssima e que
não pode recair sobre terceiro, estranho ao dever de alimentar, como acontece
com o inventariante.