Imagine a seguinte situação:
Pedro é portador de uma grave
doença e seu médico prescreveu determinado medicamento que não é fornecido pela
rede pública de saúde.
O paciente, por intermédio da
Defensoria Pública, ajuíza ação ordinária contra o Estado-membro pedindo o
fornecimento desse medicamento.
O juiz defere a tutela antecipada
determinado o fornecimento do medicamento no prazo de 5 dias. Na decisão, o
magistrado alerta que, se o Poder Público não cumprir a medida, ele irá
determinar o bloqueio e o sequestro de verbas do Estado e a sua transferência
para conta corrente de titularidade do autor a fim de que ele mesmo compre o
medicamento de que precisa.
Indaga-se: o juiz pode fazer
isso? Pode determinar ao Poder Público o fornecimento de medicamento a portador
de doença grave, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas públicas?
SIM. É possível ao magistrado
determinar, de ofício ou a requerimento das partes, o bloqueio ou sequestro de
verbas públicas como medida coercitiva para o fornecimento de medicamentos pelo
Estado na hipótese em que a demora no cumprimento da obrigação acarrete risco à
saúde e à vida do demandante.
O art. 461 do CPC preconiza:
Art. 461. Na ação que
tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
O juiz, para que a sua decisão
tenha “força” e desperte no réu a ânsia de cumpri-la, deve determinar alguma
medida coercitiva. O § 5º prevê, exemplificativamente, algumas medidas que
poderão ser impostas. É certo que, além das ali listadas, o magistrado poderá impor
outras que julgue mais eficazes. Veja o dispositivo:
§ 5º Para a efetivação da
tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o
juiz, de ofício ou a
requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de
atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial.
Vale ressaltar que o Poder
Judiciário não deve compactuar com a desídia do Estado, que condenado pela
urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis à proteção da
saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial
deferida e aos valores fundamentais da vida e da saúde. Nesse sentido: AgRg no
REsp 1002335/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.09.2008.
Mas os bens públicos não são
impenhoráveis? Isso não seria uma forma de penhora de bens públicos? Ademais,
não haveria uma quebra na regra dos precatórios?
Sim. No entanto, entendeu-se que o
direito à saúde, garantido constitucionalmente (arts. 6º e 196), deveria
prevalecer sobre princípios de Direito Financeiro ou Administrativo.
O direito fundamental à saúde
deverá prevalecer sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar
que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo.
Assim, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos e da
submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia indicação
orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios consagrados
pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, um conflito específico e
insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos
valores conflitantes merece ser específica e concretamente prestigiado, sendo
certo que o direito à saúde deverá ser prestigiado (Min. Teori Zavascki em voto
proferido no STJ, REsp. 840.912/RS, DJ de 23/04/2007).
Assim, se, no caso concreto,
estiver demonstrada que a aquisição do medicamento é medida urgente e
impostergável para a saúde do autor, deve-se concluir que prevalece o direito
fundamental à saúde em detrimento da regra que diz que os recursos públicos são
impenhoráveis. Isso porque haveria um grande risco à vida do cidadão caso ele
fosse obrigado a aguardar o procedimento de execução por quantia certa contra a
Fazenda Pública, extremamente lento e burocrático.
O Relator, Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, ressaltou, no entanto, que o bloqueio e sequestro de verbas
públicas é medida que somente deve ser concedida em caráter excepcional, onde
haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de
fornecer os medicamentos pleiteados e de que a demora no recebimento acarrete
risco à saúde e à vida do demandante.
Resumindo:
Tratando-se de fornecimento de
medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas
decisões, podendo, se necessário, determinar, até mesmo, o sequestro de valores
do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada
fundamentação.
STJ. 1ª Seção.
REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013
(recurso repetitivo).
Trata-se de julgado de
FUNDAMENTAL importância tanto na prática forense como para quem presta
concursos públicos. Não há dúvida que será muito explorado nas provas em 2014.