Dizer o Direito

sábado, 18 de janeiro de 2014

Em ação para fornecimento de medicamentos, o juiz pode determinar o bloqueio e sequestro de verbas públicas em caso de descumprimento da decisão



Imagine a seguinte situação:
Pedro é portador de uma grave doença e seu médico prescreveu determinado medicamento que não é fornecido pela rede pública de saúde.
O paciente, por intermédio da Defensoria Pública, ajuíza ação ordinária contra o Estado-membro pedindo o fornecimento desse medicamento.
O juiz defere a tutela antecipada determinado o fornecimento do medicamento no prazo de 5 dias. Na decisão, o magistrado alerta que, se o Poder Público não cumprir a medida, ele irá determinar o bloqueio e o sequestro de verbas do Estado e a sua transferência para conta corrente de titularidade do autor a fim de que ele mesmo compre o medicamento de que precisa.

Indaga-se: o juiz pode fazer isso? Pode determinar ao Poder Público o fornecimento de medicamento a portador de doença grave, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas públicas?
SIM. É possível ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento das partes, o bloqueio ou sequestro de verbas públicas como medida coercitiva para o fornecimento de medicamentos pelo Estado na hipótese em que a demora no cumprimento da obrigação acarrete risco à saúde e à vida do demandante.

O art. 461 do CPC preconiza:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

O juiz, para que a sua decisão tenha “força” e desperte no réu a ânsia de cumpri-la, deve determinar alguma medida coercitiva. O § 5º prevê, exemplificativamente, algumas medidas que poderão ser impostas. É certo que, além das ali listadas, o magistrado poderá impor outras que julgue mais eficazes. Veja o dispositivo:
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Vale ressaltar que o Poder Judiciário não deve compactuar com a desídia do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis à proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais da vida e da saúde. Nesse sentido: AgRg no REsp 1002335/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.09.2008.

Mas os bens públicos não são impenhoráveis? Isso não seria uma forma de penhora de bens públicos? Ademais, não haveria uma quebra na regra dos precatórios?
Sim. No entanto, entendeu-se que o direito à saúde, garantido constitucionalmente (arts. 6º e 196), deveria prevalecer sobre princípios de Direito Financeiro ou Administrativo.

O direito fundamental à saúde deverá prevalecer sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo. Assim, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos e da submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia indicação orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios consagrados pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, um conflito específico e insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos valores conflitantes merece ser específica e concretamente prestigiado, sendo certo que o direito à saúde deverá ser prestigiado (Min. Teori Zavascki em voto proferido no STJ, REsp. 840.912/RS, DJ de 23/04/2007).

Assim, se, no caso concreto, estiver demonstrada que a aquisição do medicamento é medida urgente e impostergável para a saúde do autor, deve-se concluir que prevalece o direito fundamental à saúde em detrimento da regra que diz que os recursos públicos são impenhoráveis. Isso porque haveria um grande risco à vida do cidadão caso ele fosse obrigado a aguardar o procedimento de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, extremamente lento e burocrático.

O Relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, ressaltou, no entanto, que o bloqueio e sequestro de verbas públicas é medida que somente deve ser concedida em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e de que a demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante.

Resumindo:
Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar, até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação.
STJ. 1ª Seção. REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013 (recurso repetitivo).

Trata-se de julgado de FUNDAMENTAL importância tanto na prática forense como para quem presta concursos públicos. Não há dúvida que será muito explorado nas provas em 2014.



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