Dizer o Direito

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

ACP para garantir acessibilidade a portadores de necessidades especiais em escola pública



Olá amigos do Dizer o Direito,

Após alguns dias de férias, estamos de volta.

Muito obrigado por todas as mensagens de carinho e incentivo!

Nesse período de Natal, os concurseiros podem (e devem) se dar ao luxo de reduzir um pouco o ritmo, sem, contudo, abandonar completamente os estudos.

Pensando nisso, vamos treinar hoje um importantíssimo tema que poderá ser cobrado em sua prova discursiva ou prática do MP, Defensoria Pública.

Imagine a seguinte situação adaptada:
A entrada de determinada escola pública estadual é repleta de escadas e não há nenhuma rampa de acesso para cadeirantes.
Diante disso, o Promotor de Justiça propôs uma ação civil pública pedindo que o Estado seja condenado a promover reformas no imóvel a fim de garantir a acessibilidade dos portadores de necessidades especiais.
Em contestação, a Procuradoria Geral do Estado apresentou quatro argumentos principais, quais sejam:
a) o pedido do MP para que o Estado realize obras no imóvel viola o princípio da separação dos poderes, uma vez que se trata de ato discricionário;
b) o MP não pode fazer essa exigência porque não haveria disponibilidade orçamentária, ou seja, previsão no orçamento do ente estatal;
c) as necessidades são infinitas e os recursos escassos, de forma que se deve respeitar a reserva do possível;
d) não havia nenhum portador de necessidades especiais matriculado nessa escola.

O juiz poderá julgar procedente o pedido do MP? É possível o controle jurisdicional de políticas públicas?
SIM.

Segundo entende a 1ª Turma do STF, é possível o controle jurisdicional de políticas públicas, desde que presentes três requisitos:
a) a natureza constitucional da política pública reclamada;
b) a existência de correlação entre ela e os direitos fundamentais; e
c) a prova de que há omissão ou prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo justificativa razoável para tal comportamento.

Preenchidos os requisitos acima, não há que se falar em negativa do Poder Público de atender a determinação constitucional sob o argumento da “reserva do possível”. Esta alegação, inclusive, tem sido levada às últimas consequências, sendo utilizada como uma “cláusula polivalente” (nas palavras do Min. Marco Aurélio) ou como “o Bombril do sistema constitucional” (na alegoria feita pelo Min. Luiz Fux), o que não pode ser tolerado.

No caso concreto, todos os pressupostos encontram-se presentes, conforme decidiu o STF no julgamento do RE 440028/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/10/2013.

Natureza constitucional do direito à acessibilidade
A CF/88 determina que, nos edifícios de uso público, deve ser garantido o acesso adequado às pessoas portadoras de necessidades especiais. Veja:

Art. 227 (...)
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.

Os dispositivos acima falam em “lei”. Como ainda não existe essa lei, tais preceitos ficam sem eficácia?
NÃO. Ao remeter à lei a disciplina da matéria, a CF/88 não obstaculiza a atuação do Judiciário. Esse direito deve ser garantido pelo Poder Judiciário em atenção à dignidade da pessoa humana e à busca de uma sociedade justa e solidária (arts. 1º, III, e 3º, I).
Além disso, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata e não excluem outros direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte (art. 5º, §§ 1º e 2º).
Ademais, o acesso ao Judiciário para reclamar contra lesão ou ameaça de lesão a direito é uma cláusula pétrea.

Acessibilidade como direito fundamental previsto na Convenção de Nova York
Além desses dispositivos constitucionais originários, o direito à acessibilidade também é previsto na Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York), assinada 30/03/2007, aprovada no Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 186/2008 e promulgada pelo Decreto 6.949/2009.

O art. 9º da Convenção prevê o seguinte:
(...)
1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:
a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho;

Vale ressaltar que os dispositivos da Convenção possuem status de emenda constitucional em nosso país, considerando que se trata de convenção internacional sobre direitos humanos que foi aprovada, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, conforme previsto no § 3º do art. 5º da CF/88.

Direito à educação
Deve-se lembrar, ainda, que a CF/88 assegura a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (art. 206, I).
As barreiras arquitetônicas que impeçam a locomoção de pessoas acarretam inobservância dessa regra constitucional, uma vez que colocam os portadores de necessidades especiais em desvantagem com relação às demais pessoas.

Inexistência de justificativa razoável para tal omissão estatal
O Estado não apresentou justificativa razoável para a mora administrativa.
Em momento algum, foi apontada alguma política pública alternativa que pudesse satisfazer o encargo constitucional.
A simples ausência de portadores de necessidades especiais matriculados na escola estadual não consubstancia desculpa cabível. Essa ausência pode decorrer até mesmo pelo fato do colégio não ter acessibilidade.

Desse modo, em um caso semelhante a esse, o STF decidiu que o pedido do MP na ACP deveria ser julgado procedente (RE 440028/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/10/2013).

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