Olá amigos do Dizer o Direito,
Depois de inúmeros pedidos dos leitores
e de muito estudar e pesquisar sobre o tema, decidimos tratar aqui a respeito
de um dos temas atualmente mais difíceis e polêmicos sobre Direito Administrativo: a existência
ou não de foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”) nas ações de
improbidade administrativa.
Vamos tentar dar aqui as informações mais
seguras, ressaltando, no entanto, que se trata de assunto extremamente
polêmico e que ainda não existe uniformidade na jurisprudência.
Nosso estudo divide-se em 9 pontos de destaque:
1)
Natureza cível da ação de improbidade
A ação de improbidade administrativa possui
natureza cível. Em outras palavras, é uma ação civil e não uma ação penal.
Existe
foro por prerrogativa de função no caso de ações cíveis?
NÃO. Em regra, somente existe foro por
prerrogativa de função no caso de ações penais e não em demandas cíveis.
Ex1: se for proposta uma ação penal contra
um Deputado Federal, esta deverá ser ajuizada no STF.
Ex2: se for ajuizada uma ação de
cobrança de dívida contra esse mesmo Deputado, a demanda será julgada por um
juízo de 1ª instância.
Por
que existe essa diferença?
Porque a Constituição assim idealizou o
sistema. Com efeito, as competências do STF e do STJ foram previstas pela CF/88
de forma expressa e taxativa.
No arts. 102 e 105 da CF/88, que
preveem as competências do STF e do STJ, existe a previsão de que as ações
penais contra determinadas autoridades serão julgadas por esses Tribunais. Não
há, contudo, nenhuma regra que diga que as ações de improbidade serão julgadas
pelo STF e STJ.
2)
Lei n.°
10.628/2012 previu foro por prerrogativa de função para a ação de improbidade:
Em 24/12/2002, foi editada a Lei n.° 10.628, que acrescentou o § 2º ao art.
84 do CPP, prevendo foro por prerrogativa de função para as ações de
improbidade. Veja:
Art. 84. A competência pela
prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles
por crimes comuns e de responsabilidade.
(...)
§ 2º A
ação de improbidade, de que trata a Lei n.° 8.429,
de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para
processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de
prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o
disposto no § 1º.
3)
ADI 2797
Diante dessa alteração legislativa, foi
proposta a ADI 2797 contra a Lei n.°
10.628/2002 e o STF julgou inconstitucional o referido § 2º do art. 84 do CPP,
decisão proferida em 15/09/2005.
O Supremo decidiu que “no plano
federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União
são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente
decorrentes. (...) Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal - salvo
as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III -, reservou explicitamente às
Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus
tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal
ordinária.” (ADI 2797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em
15/09/2005).
Em suma, o STF afirmou que, como a
Constituição não estabeleceu foro por prerrogativa de função para as ações de
improbidade administrativa, a lei ordinária não poderia prever.
Desse modo, com a decisão da ADI 2797, ficou
prevalecendo o entendimento de que as ações de improbidade administrativa
deveriam ser julgadas em 1ª instância.
4)
Reclamação 2138/DF: agentes políticos sujeitos aos crimes de
responsabilidade da Lei n.° 1.079/50
não respondem por improbidade administrativa
O MPF ajuizou uma
ação de improbidade administrativa contra um Ministro de Estado.
A ação foi proposta na Justiça Federal
de 1ª instância, que condenou o Ministro à perda do cargo e à suspensão de seus
direitos políticos.
Diante dessa decisão, o requerido
ingressou com uma reclamação no STF formulando a seguinte tese:
O Ministro de Estado é um agente
político e os agentes políticos já respondem por crimes de responsabilidade,
previstos na Lei n.°
1.079/50.
As condutas previstas na Lei de improbidade
administrativa em muito se assemelham aos crimes de responsabilidade trazidos
pela Lei n.°
1.079/50. Logo, caso os agentes políticos respondessem também por improbidade administrativa,
haveria bis in idem.
Nessa
ocasião, o STF acolheu a tese?
SIM. O STF decidiu que a Lei de
Improbidade Administrativa não se aplica aos agentes políticos quando a conduta
praticada já for prevista como crime de responsabilidade (Lei n.° 1.079/50).
O STF entendeu que punir o agente
político por improbidade administrativa e por crime de responsabilidade seria bis in idem e que deveria ser aplicada
apenas a Lei n.° 1.079/50,
por ser mais específica (princípio da especialidade).
A
Lei n.°
1.079/50 prevê crimes de responsabilidade para os seguintes agentes políticos:
1) Presidente da República;
2) Ministros de Estado;
3) Procurador-Geral da República;
4) Ministros do STF;
5) Governadores;
6) Secretários de Estado.
Segundo decidiu o STF na ocasião, para
que o agente político não responda por improbidade administrativa é necessário
o preenchimento de duas condições:
a) Esse agente político deverá ser uma
das autoridades sujeitas à Lei n. 1.079/50;
b) O fato por ele praticado deverá ser
previsto como improbidade administrativa e também como crime de
responsabilidade.
Veja trechos da ementa:
(...) Os atos de improbidade
administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n°
1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.
(...) A Constituição não admite a
concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa
para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n°
8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela
Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de
improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos
agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia
uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da
Constituição.
(...) Os Ministros de Estado, por
estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I,
"c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência
previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n°
8.429/1992).
(...) Compete exclusivamente ao Supremo
Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na
hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode
processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e,
assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos
políticos.
(...) Incompetência dos juízos de
primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa
ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o
Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102,
I, "c", da Constituição.
III. Reclamação Julgada Procedente.
(Rcl 2138, Rel. p/ Acórdão: Min. Gilmar
Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2007)
Vale ressaltar que o resultado do
julgamento acima foi extremamente polêmico e conquistado por uma apertada
maioria de votos (6x5). O placar foi o seguinte:
Julgando
PROCEDENTE a reclamação
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Julgando
IMPROCEDENTE a reclamação
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Min. Nelson Jobim
Min. Ellen Gracie
Min. Maurício Corrêa
Min. Ilmar Galvão
Min. Cezar Peluso
Min. Gilmar Mendes
Obs: atualmente, apenas o Min. Gilmar
Mendes continua no STF.
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Min. Carlos Velloso
Min. Sepúlveda Pertence
Min. Celso de Mello
Min. Marco Aurélio
Min. Joaquim Barbosa
Permanecem no STF os Ministros Marco
Aurélio, Joaquim Barbosa e Celso de
Mello.
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5)
Pet 3211/DF: a competência para julgar ação de improbidade
administrativa proposta contra Ministro do STF é do próprio STF
O MPF ajuizou uma
ação de improbidade administrativa contra o Min. Gilmar Mendes, questionando atos
por ele praticados na época em que foi Advogado Geral da União.
A ação foi proposta na Justiça Federal
de 1ª instância.
Como o requerido era Ministro do STF, iniciou-se
uma discussão sobre de quem seria a competência para julgar a causa.
O STF decidiu, então, que a competência
para julgar uma ação de improbidade contra um dos Ministros do Supremo seria do
próprio Tribunal (Pet 3211 QO, Relator p/ Acórdão Min. Menezes Direito,
Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2008).
6)
Rcl 2.790/SC: a Corte Especial do STJ, no julgamento dessa reclamação, chegou
a duas conclusões importantes:
a)
Os agentes políticos se submetem à Lei de Improbidade Administrativa (Lei
8.429/92), com exceção do Presidente da Republica.
b)
Existe foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa.
a)
Agentes políticos se submetem à Lei de Improbidade Administrativa
O STJ discordou do entendimento do STF manifestado
na Reclamação 2138/DF e afirmou que os agentes políticos respondem sim por
improbidade administrativa, com exceção do Presidente da República. Veja trecho
da ementa:
(...) Excetuada a hipótese de atos de
improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo
julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma
constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de
responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no
art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito
normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. (...)
(Rcl 2790/SC, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, Corte Especial, julgado em 02/12/2009)
b)
Foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade
Outra conclusão do julgado foi a de que
seria possível o foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade
administrativa.
Assim, segundo foi decidido, o STJ possuiria
competência implícita para julgar as ações de improbidade administrativa
propostas contra os agentes públicos que estivessem sob sua jurisdição penal
originária.
Em outros termos, concluiu-se que, se a
autoridade tivesse foro privativo no STJ em matéria criminal, teria também a
prerrogativa de ser julgado no STJ em caso de ação de improbidade.
Exemplo: se fosse proposta uma ação de
improbidade contra um Desembargador, contra um Conselheiro do TCE ou contra o
Governador do Estado, essa ação deveria ser julgada pelo STJ. O raciocínio era
o seguinte: já que o STJ tinha competência para julgar as ações penais contra
esses agentes públicos, teria também, implicitamente, competência para julgar
as ações de improbidade.
Confira o trecho da ementa que espelhou
essa conclusão:
(...) norma infraconstitucional não
pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade
administrativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra
Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem
assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns (perante o
STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembléia
Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre
em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais,
competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. (...)
(Rcl 2790/SC, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, Corte Especial, julgado em 02/12/2009)
7)
Caso seja provocado, o Plenário do STF manterá o mesmo entendimento manifestado
na Reclamação 2138/DF (julgada em 2007)?
Provavelmente não. Essa é a análise
feita pelos estudiosos que analisam a jurisprudência do STF, sendo também a previsão
realizada pela Corte Especial do STJ (AgRg na Rcl 12.514-MT).
Essa previsão é baseada em decisões monocráticas
já proferidas pelos Ministros, negando que os agentes políticos tenham foro por
prerrogativa de função no STF para as ações de improbidade administrativa. Veja
o quadro atual:
Não admitem foro privativo no STF para ações de
improbidade contra agentes políticos
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Admite foro privativo no STF para ações de improbidade
contra agentes políticos
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Min. Celso de
Mello (Pet 5.080, DJ 01/08/13)
Min. Marco
Aurélio (Rcl 15.831, DJ 20/06/13)
Min. Joaquim
Barbosa (Rcl 15.131 DJ 04/02/13)
Min. Cármen
Lúcia (Rcl 15.825, DJ 13/06/13)
Min. Rosa Weber
(Rcl 2.509, DJ 06/03/2013)
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Min. Luiz Fux (MS 31.234, DJ 27/03/12)
|
O Ministro Ari Pargendler, do STJ, em
voto no qual faz um belo estudo sobre o tema acima exposto, afirma textualmente:
“Salvo melhor juízo, o acórdão
proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação nº 2.138,
DF, constituiu um episódio isolado na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, e tudo leva crer que não se repetirá à vista de sua nova composição.”
(AgRg na Rcl 12.514-MT, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 16/9/2013).
Desse modo, existe uma tendência de que
o Plenário do STF, se novamente provocado, decida que as ações de improbidade
contra autoridades com foro por prerrogativa de função sejam julgadas em 1ª
instância e não no STF.
8)
AgRg na Rcl 12.514-MT: o STJ volta atrás e solidifica o entendimento de
que NÃO existe foro por prerrogativa de função em ações de improbidade
administrativa mesmo se propostas contra agentes políticos que são julgados
penalmente no STJ.
Segundo decidiu a Corte Especial do
STJ, “a ação de improbidade administrativa deve ser processada e julgada nas
instâncias ordinárias, ainda que proposta contra agente político que tenha foro
privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade.” (AgRg na Rcl
12514/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 16/09/2013).
9)
Conclusões:
Conforme já ressaltado no início, o
tema exposto é polêmico e não há garantias de que as conclusões aqui demonstradas
se confirmem na jurisprudência, até porque os Ministros podem mudar de
entendimento.
No cenário atual, contudo, é possível expormos
as seguintes conclusões:
9.1) Não existe foro por prerrogativa de função em ações de
improbidade administrativa (posição do STF e do STJ).
9.2) O STJ entende que os prefeitos podem responder por
improbidade administrativa e também pelos crimes de responsabilidade do
Decreto-Lei 201/67 (ex: REsp 1066772/MS).
A ação de improbidade administrativa contra os prefeitos
será julgada em 1ª instância.
9.3) Para o STJ, os agentes políticos se submetem à Lei de
Improbidade Administrativa, com exceção do Presidente da República.
Logo, é possível que os agentes políticos respondam pelos
crimes de responsabilidade da Lei n.° 1.079/50 e também por improbidade administrativa.
9.4) Para o STJ, a ação de improbidade administrativa deve
ser processada e julgada em 1ª instância, ainda que tenha sido proposta contra
agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de
responsabilidade.
Logo,
para o STJ, as ações de improbidade administrativa propostas contra:
• Governadores de Estado/DF;
• Desembargadores (TJ, TRF ou TRT);
• Conselheiros dos Tribunais de Contas
(dos Estados, do DF ou dos Municípios);
• Membros do MPU que oficiem perante
tribunais.
Devem ser julgadas pelo juiz de 1ª
instância (e não pelo STJ).
9.5) O STF já decidiu, em 2007, que os agentes políticos
sujeitos aos crimes de responsabilidade da Lei n.° 1.079/50 não respondem por improbidade administrativa (Rcl 2138/DF). Existe uma grande probabilidade
de que a atual composição da Corte modifique esse entendimento.
9.6) O STF já decidiu, em 2008, que a competência para
julgar ação de improbidade administrativa proposta contra Ministro do STF é do
próprio STF (Pet 3211/DF QO).