Dizer o Direito

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

É possível que o Tribunal aplique a teoria da causa madura e julgue desde logo a lide mesmo que a questão discutida seja de direito e de fato?



Previsão legal da teoria da causa madura
O § 3º do art. 515 do CPC estabelece o seguinte:
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

Esse dispositivo permite que o TJ ou o TRF, ao julgar a apelação interposta contra sentença terminativa, julgue ele próprio (o Tribunal) o mérito da ação caso entenda que o juiz não deveria ter extinguido o processo sem resolução do mérito.

Exemplo:
“A” ajuíza uma ação contra “B” e o magistrado profere sentença extinguindo o processo sem resolução do mérito por entender que o autor seria parte ilegítima (art. 267, VI, do CPC).
“A” interpõe apelação ao TJ.
O Tribunal analisa o recurso e entende que “A” é sim parte legítima, ou seja, não havia razão jurídica para o magistrado ter extinguido o processo sem examinar o mérito.
Ao invés de mandar o processo de volta à 1ª instância para analisar o mérito, o próprio TJ poderá julgar o mérito da demanda.
Para isso, no entanto, o § 3º do art. 515 afirma que a causa tem que versar exclusivamente sobre matéria de direito e deve estar em condições de imediato julgamento.

O § 3º do art. 515 é denominado por alguns doutrinadores e julgados de “teoria da causa madura”.


Requisitos para aplicação do § 3º do art. 515:

a)      O juiz deve ter extinguido o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267 do CPC (exceção no caso de prescrição e decadência).
Em regra, para que seja aplicado o § 3º do art. 515, a sentença examinada pelo Tribunal deve ter sido terminativa, ou seja, fundada em um dos incisos do art. 267 do CPC.
Vale ressaltar, no entanto, que, se a apelação for interposta contra sentença que reconheceu a prescrição ou a decadência, caso o Tribunal discorde do juiz, também será possível aplicar a teoria da causa madura mesmo se tratando de matérias elencadas no inciso IV do art. 269 do CPC (neste sentido: REsp 274.736/DF).
b)      A parte deve ter interposto recurso de apelação.
O § 3º está ligado ao art. 515, que trata sobre a apelação. Por conta disso, o entendimento majoritário no STJ e STF é o de que a teoria da causa madura somente se aplica quando o Tribunal estiver julgando uma apelação.
 Assim, por exemplo, para a maioria dos julgados do STJ e STF, o § 3º do art. 515 NÃO pode ser adotado pelo Tribunal no julgamento de recurso ordinário contra sentença em mandado de segurança (posição a ser adotada nos concursos).

Vale mencionar que o tema é polêmico e que a doutrina critica esta posição, afirmando que a regra deste § 3º pode ser aplicada, por analogia, a outros recursos, como é o caso do recurso ordinário (há decisões da 1ª Turma do STJ neste sentido).
c)       A causa em análise deve tratar sobre questão exclusivamente de direito (poderá também ser aplicada se a questão for de direito e de fato, mas não houver necessidade de se produzirem provas).
Cuidado: a redação literal do § 3º exige que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito. No entanto, o STJ amplia esta possibilidade e afirma que o mencionado dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 330, I, o qual permite ao magistrado julgar antecipadamente a lide se esta versar unicamente
sobre questões de direito ou, "sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência". Veja:

“A regra do art. 515, § 3º, do CPC deve ser interpretada em consonância com a preconizada pelo art. 330, I, do CPC, razão pela qual, ainda que a questão seja de direito e de fato, não havendo necessidade de produzir prova (causa madura), poderá o Tribunal julgar desde logo a lide, no exame da apelação interposta contra a sentença que julgara extinto o processo sem resolução de mérito.” (EREsp 874.507/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, julgado em 19/06/2013)

Para o STJ, configura questão de direito (e não de fato), aquela em que o Tribunal analisa as provas incontroversas existentes nos autos e de lá extrai o direito aplicável, caso em que não há óbice para que incida a regra do art. 515, § 3º, porquanto discute, em última análise, a qualificação jurídica dos fatos ou suas consequências legais (Min. Arnaldo Esteves Lima).
d)      A causa deve estar em condições de imediato julgamento.
A causa deve estar madura, ou seja, pronta para julgamento imediato, sem que o Tribunal precise tomar qualquer outra providência. Se ainda for necessária qualquer outra providência por parte do Tribunal, não se aplica o § 3º do art. 515 do CPC.

Resumindo a resposta:
A redação literal do § 3º exige que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito. No entanto, o STJ amplia esta possibilidade e afirma que o mencionado dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 330, I, o qual permite ao magistrado julgar antecipadamente a lide se esta versar unicamente sobre questões de direito ou, “sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência”.
Logo, no exame de apelação interposta contra sentença que tenha julgado o processo sem resolução de mérito, o Tribunal pode julgar desde logo a lide, mediante a aplicação do procedimento previsto no art. 515, § 3º, do CPC, na hipótese em que não houver necessidade de produção de provas (causa madura), ainda que, para a análise do recurso, seja inevitável a apreciação do acervo probatório contido nos autos.
(STJ. Corte Especial. EREsp 874.507-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 19/6/2013)

Uma última pergunta importante sobre o tema:
Para que se aplique o § 3º do art. 515 é necessário que a parte recorrente tenha requerido expressamente esta providência quando interpôs o recurso ou o Tribunal poderá aplicar a teoria da causa madura de ofício?
A regra prevista no § 3º do art. 515 do CPC pode ser aplicada de ofício pelo Tribunal, ou seja, mesmo que o recorrente não tenha requerido esta providência em seu recurso.
Assim, conforme a jurisprudência do STJ, ainda que não exista pedido expresso da parte recorrente, afastada a extinção do processo sem exame do mérito, pode o Tribunal, de imediato, julgar o feito, aplicando-se a teoria da causa madura, nos termos do art. 515, § 3º, do CPC (AgRg no AREsp 93.707/SP, Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 05/02/2013).


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